Artigos
Reflexões
sobre Jornalismo,
Internet e formação profissional
Por
Maria José Baldessar*
"A
midiamorfose não é tanto uma teoria quanto uma
forma unificada de pensar sobre a evolução tecnológica
dos meios de comunicação".
A
cada década no último século surgiram mídias
e se desenvolveram ferramentas capazes de transformá-las
em massivas e populares em poucos anos. Com a Internet não
foi diferente. Criada originalmente pelos militares americanos
no final dos anos 60, começou interconectando dez computadores
e hoje, trinta anos mais tarde, reúne , segundo o Instituto
de Pesquisa NEC, ligado a Universidade de Princeton, aproximadamente
300 milhões de computadores em 150 países do mundo.
A mesma pesquisa mostra que a Internet se expandiu em 50% a
cada ano da década de 90, impulsionada pelo interesse
dos usuários na World Wide Web (www) e nas demais ferramentas
da rede.
Por
outro lado, segundo o American Journalism Review News , os EUA
lideram o número de publicações online:
são 4.925 sites de notícias existentes até
setembro de 1998, destes 3.622 pertencem a empresas de comunicação.
Embora no Brasil não tenhamos estatísticas sobre
o número de publicações online, o Ibope
fez um levantamento sobre a audiência desses veículos.
De acordo com a pesquisa realizada em 1999, 50% dos 25 mil internautas
entrevistados afirmaram que navegam na Internet em busca de
informações.
Apesar
destes números, como meio de comunicação
a Internet vive a sua pré-história - ainda sem
uma linguagem definida, se apropriando da linguagem de outros
veículos para a difusão de textos, sons e imagens.
Não restam dúvidas, no entanto, que essa linguagem
se estabelecerá a partir da convergência das mídias,
unindo recursos infinitos de arquivo com a transmissão
de informação em tempo real e possibilidades inéditas
de interatividade e customização. No entanto,
para Simone (2001), "(...) só poderemos desenvolver
o verdadeiro jornalismo online quando todos nós tivermos
possibilidade de usar a banda larga e todos os benefícios
que vêm do vídeo, áudio, animação
- e não esboços destas ferramentas".
O
Jornalismo na Internet ou Jornalismo online vive seus primórdios.
No Brasil, e em boa parte do mundo, ainda está "agarrado"
aos velhos paradigmas do jornal impresso e se aproxima do rádio,
de forma paradoxal, quando se trata de conteúdo e forma
textual.
Os
portais de ou com conteúdo jornalístico, mesmo
os que dispõem de links para últimas notícias,
continuam com características de jornal e revista impressa.
A maioria dos sites de notícia ainda são divididos
em editorias (índice à vista), com capa, manchetes
principais e chamadas para notícias secundárias,
banners comerciais e links para negócios. Assim, não
é sem propósito que todos nós navegamos
ou folheamos os sites jornalísticos com uma certa facilidade.
O
mesmo não acontecendo com o restante do conteúdo
da rede, bastando verificar a dependência que temos dos
instrumentos de busca e, muitas vezes a incapacidade de chegar
a resultados satisfatórios quando temos que ousar em
hiperlinks múltiplos.
Para Pavlick (1997) o modelo transpositivo - shovelware, "é
integrante dos três estágios do desenvolvimento
de conteúdos para Web, a saber:
-
(1) transpositivo - transposição do conteúdo
analógico para o digital - com pequenas ou nenhuma
modificação;
- (2)
adaptativo, que tem como característica a integração
das linguagens dos meios tradicionais com as novas possibilidades
da rede e
- (3)
onde "um original conteúdo noticiosa, desenhado
especificamente para a Web como um novo meio de comunicação"
vai fluir. Esse terceiro estágio seria caracterizado
também pela "aceitação de repensar
a natureza de uma comunidade online, mais, aceitação
de experimentar novas formas de contar uma história".
Muitos
pesquisadores afirmam que a ascensão e consolidação
do Jornalismo online vai alterar aspectos importantes de produção,
redação, edição e publicação
da notícia, além da circulação,
audiência, e a relação com os receptores.
A
constatação de que o Jornalismo está passando
por transformações profundas e se encontra em
processo de renovação de muitas de suas práticas
pode ser aferida se aceitarmos que o mundo online está
reconfigurando as redações e as práticas
profissionais, alterando as rotinas de coleta, processamento
e difusão da informação. Podemos enumerar
estas mudanças e mesmo as avaliarmos como positivas:
- (1)
acesso às fontes;
- (2)
aumento na produtividade dos repórteres;
- (3)
diminuição do custo de obtenção
de informações em todos os níveis e em
todos os assuntos;
- (4)
qualidade na análise das informações;
- (5)
menor dependência das fontes para interpretação
daquelas informações;
-
(6) aumento do acesso à informação;
-
(7) incremento da confiança técnica e maior
exatidão nas informações;
-
(8) melhores formas de arquivo e busca das informações;
- (9)
maior agilidade e facilidades de deslocamento. "É
consensual a idéia de que a Internet evoluirá
de forma a garantir uma mais rápida circulação
da informação na rede, a aumentar a informação
disponível e a sofisticar a metodologia de identificação
e acesso às informações". (Bastos,
2000:83)
Para
estudiosos como Garrison (1993) e Reddick/King (1995) o próprio
conceito de Jornalismo poderá modificar-se, devido a
vários fatores, entre eles,
- (1)
a possibilidade de cada um atuar como jornalista, disponibilizando
conteúdos na Internet;
-
(2) a usurpação ao jornalista da função
de gatekeper privilegiado do espaço público
informativo;
-
(3) as características próprias da Internet,
que permitem o aproveitamento do hipermedia (a confluência
de vários media num só) e das hiperligações
(os links que permitem a navegação na Internet).
Outros
como Koch (1991), Pavlik (1996) e Dizard (1997) afirmam que,
em função dessas mudanças, o perfil profissional
também mudará. A cronomentalidade dos jornalistas
poderá acentuar-se, uma vez que, devido à possibilidade
de atualização constante do noticiário,
as deadlines tendem a concretizar-se no imediatismo. As normas
que norteiam o Jornalismo poderão alterar-se, seja por
força de novas políticas editoriais das organizações
noticiosas, seja por força da própria natureza
da Internet, que possibilita a diluição das responsabilidades
e até o anonimato, se não mesmo a clandestinidade.
Campos
(2001), compartilha dessa visão e vai além. Ele
afirma que a Internet permite uma forma diferente de fazer Jornalismo
e aponta as possibilidades do profissional de contextualizar
cotidianos e fatos através dos hiperlinks e de como o
receptor pode interagir como essa nova notícia. "(...)
Na Internet, além das imagens atualizadas e até
do som se for o caso, o receptor conta com várias "camadas"
de texto que formam o hiperlink, possibilitando acesso a todo
tipo de detalhe, a edições anteriores, a bancos
de dados, a pesquisas de todo tipo, inclusive em outras línguas,
de modo a poder confrontar a informação recebida
da mesma maneira que o bom jornalista confronta, isto é,
"checa" a informação recebida de suas
fontes".
Já
em 1996, Lage discutia essas modificações na profissão
e apontava a necessidade permanente de reciclagem para o enfrentamento
do cotidiano profissional. "(...) Uma reciclagem que nos
permita a inclusão entre nossas atividades boa parte
das tarefas exercida pelos trabalhadores gráficos, outrora.
Nem repórteres, nem repórteres fotográficos,
redatores, editores ou mesmo projetistas gráficos têm
seus empregos ameaçados pela tecnologia, a curto e médio
prazos. Ampliou-se, sem dúvida, o âmbito de suas
atribuições. A reciclagem necessária para
isso é do tipo inclusiva- isto é, nos obriga a
acrescentar a nossas habilidades o manuseio de sistemas informatizados
e o conhecimento de processos de telemática, afora, é
claro, uma percepção mais aguda do cotidiano."
A
visão de Lage sobre esse momento para os profissionais
e, principalmente como ele deve se refletir no ensino do Jornalismo,
está clara e é reforçada pela Comissão
de Especialistas do Ministério Educação,
responsável pela avaliação dos cursos de
Jornalismo quando desenha o perfil do egresso desejado e exigido
na atualidade. "(...) O domínio de um ou mais idiomas,
além, é claro, o domínio do português
no referente a leitura, compreensão e redação.
Além disso, domínio de técnicas profissionais
de redação, com capacidade de: apurar informações
em diferentes áreas do conhecimento e atuação
humana; de contextualizar fatos, formular questões, codificar
e decodificar mensagens para os diversos meios; de identificar
e equacionar problemas éticos de jornalismo; de avaliar
e analisar produtos jornalísticos; de planejar e efetivar
projetos; de utilizar novas tecnologias e criar novos produtos...".
Para
Corrêa (1998) esse momento - ou se quisermos ciber-momento
- desafia os jornalistas. Para a autora já não
basta dar ênfase às competências: (...) as
habilidades necessárias ao exercício do Jornalismo
online extrapolam aquelas referências básicas do
Jornalismo tradicional que passam pela ética, clareza,
precisão, qualidade de texto.
Acrescentam-se
quesitos como conhecimento de linguagens e softwares para edição
de textos e imagens para Web, lógica para navegação,
relações com o mercado, gerenciamento de produto,
língua estrangeira, postura generalista, iniciativa própria,
capacidade de decisão sob pressão, autonomia e
segurança, dentre outras".
Tanto
Lage quanto Corrêa congregam algumas percepções
comuns: domínio de língua estrangeira, capacidade
de análise do mundo globalizado e, domínio de
técnicas e softwares que respondam ao momento. No entanto,
esta visão não encontra ressonância nos
currículos das escolas de Jornalismo e, conseqüentemente,
na formação profissional.
Mas
qual o cerne desta questão e porque as escolas e mesmo
estudantes relutam em admitir a necessidade de ampliar os campos
de aprendizado? Sem dúvida, a visão acadêmica
que afirma que o conhecimento tecnológico e a prática-
aqui incluo às especificidades do Jornalismo, não
são relevantes para o cotidiano profissional e por isso,
são relegados a um plano secundário, na maioria
das escolas. A confusão entre teoria, prática
e exercício laboratorial permeiam essa discussão
e fomentam a continuidade da mesma. Para muitos a prática,
ao contrário da visão de Marx que a colocava no
primeiro nível teórico - práxis, e mesmo
Paulo Freire que afirmava que a "prática é
a teoria cristalizada", se resume a "apertar botões",
"operar máquinas" e ler manuais "com competência
e agilidade". A prática - e é necessário
que façamos a distinção dela com atividades
laboratoriais, é a aplicação das teorias
e ao mesmo tempo, formulação das mesmas.
Um
profissional capaz e com qualificação adequada
pode servir de mediador entre as diversas "tribos"
do mundo globalizado. Assim sendo, outro aspecto que pode ser
considerado é a expansão do mercado de trabalho.
A indústria farmacêutica internacional, por exemplo,
está contratando jornalistas e publicitários para
traduzirem a linguagem médica das bulas de medicamentos,
de modo a torná-las acessíveis ao grande público,
e assim evitar os erros de interpretação e, conseqüentes,
processos jurídicos. O mesmo procedimento está
sendo adotado pela indústria de eletrodomésticos
da Europa e Ásia, que estão montando escritórios
de jornalismo e relações públicas para
a confecção dos manuais de instrução.
Finalmente, a explosão das chamadas novas mídias
tende a exigir, cada vez mais, um profissional qualificado para
a produção de CDs Rom, enciclopédias virtuais
e banco de dados, a exemplo do que já acontece hoje.
Mas
como formar esse profissional? Essa talvez seja a principal
discussão que permeia o cotidiano das escolas de Comunicação
e Jornalismo país afora. Como formar um jornalista que
saiba aliar a capacidade técnica de produção
com um olhar crítico da realidade? Para muitos essa parceria
é inviável. Talvez devamos considerar questões
como:
-
(1) as novas tecnologias da informação desencadearam
uma discussão sobre a identidade e a sobrevivência
das profissões que eram responsáveis pela mediação
simbólica. Nesse contexto, o que é ser hoje
jornalista na atualidade?
- (2)
sendo as ciências da Comunicação e o Jornalismo,
e os estudos teóricos relacionados a ambas - como os
estudos culturais, um dos locais onde se procede uma reflexão
multifacetada e transdisciplinar sobre o mundo de hoje, como
deve ser a formação de um profissional que dê
conta dessa realidade, levando em conta questões éticas,
estéticas e de linguagem que as especificidades do
Jornalismo exigem?
- (3)
considerando o Jornalismo online como uma transposição
de uma certa forma de olhar a realidade (jornalístico)
para o suporte informático é possível
afirmar que a especificidade do meio não altera a especificidade
da mensagem?
- (4)
até onde a construção desse profissional
deve aprofundar saberes específicos ou mesclá-los
com generalidades e saberes localizados?
As
respostas a estas questões talvez possam ser facilitadas
se tivermos claro que o Jornalismo sempre teve seu fazer cotidiano
ligado a tecnologia. A cada novo invento a profissão
modificou suas práticas, desenvolveu linguagens, criou
novas formas de mostrar o mundo através da informação.
A assimilação desse fato facilita o vislumbre
do profissional necessário para a atualidade. Um profissional
que cumpre as atividades jornalísticas tradicionais,
mas, que utiliza a Internet e o mundo em rede, como ferramenta
cotidiana. Assim, o debate sobre a formação acadêmica
deve começar por projetos didático-pedagógicos
claros e o fim de preconceitos sobre o fazer cotidiano, em Marx
- práxis. Ele pode começar por visões de
mundo com a de Cooley que, em 1901, afirmava:
"(...)
Nada conseguiremos compreender da era moderna se não
nos apercebermos da maneira como a revolução na
comunicação criou um novo mundo".
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José Fernando et. Jornalismo online: futuro da informação.
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*Maria
José Baldessar é Doutoranda em Jornalismo na ECA/USP.
Trabalho
apresentado ao 7o. Fórum Nacional dos Professores de
Jornalismo, realizado em Florianópolis/SC, em abril de
2004.
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