Artigos
O
jornalismo e as tecnologias de informação
on-line: do Telégrafo à Internet Móvel
Por
Paulo Henrique de Oliveira Ferreira*
Resumo
Este
artigo apresenta a evolução da informação
on-line e a contínua adaptação da prática
do jornalismo a cada novo ciclo de inovação tecnológica.
Desde o telégrafo de Morse - quando foi inaugurada a
informação on-line - até os dias de hoje
- com as emergentes conexões sem fio - o jornalismo tem
absorvido estas inovações para a difusão
do conteúdo produzido, tendo cada suporte midiático,
suas próprias características de exploração
da notícia, seja em uma linha telegráfica, em
um computador pessoal ou em um celular. Além do resgate
histórico da relação entre o jornalismo
com as tecnologias de informação em tempo real,
o artigo também destaca a última etapa de desenvolvimento
das tecnologias de comunicação: a "internet
móvel".
Abstract
This
article presents the evolution of on-line information and the
continuous adaptation of the journalism practice, in each cycle
of technologic innovation. Since the Morse's telegraph - when
the on-line information was inaugurated - to this very day -
with the emergent wireless connections - the journalism has
absorbed these innovations to diffusion of content, having each
mediatic support, their own characteristics of news exploration,
being this support a telegraphic line, a personal computer or
a cell phone. Besides the historic ransom of the relation between
journalism and real time technology of information, the article
also point out the last stage of the technologies of communication
development: the "mobile internet".
Palavras-chaves
História
do jornalismo on-line - internet móvel - mobilidade -
instantaneidade - segmentação
Introdução
Quando
uma tecnologia se torna emergente no cenário das telecomunicações,
é natural que demore algum tempo para os usuários
conhecerem as aplicações e consolidarem sua utilização
em larga escala, de acordo com sua real funcionalidade.
Esta
percepção vem desde o telégrafo elétrico,
no século XIX, desenvolvido por Samuel Morse e desde
então, a cada ciclo de tecnologias emergentes, o mercado,
a imprensa e os usuários tendem a utilizá-la incorretamente
e abaixo das suas potencialidades. MURRAY define este fenômeno
de adaptação pelo fato de que as "mídias
estão um recém estágio de desenvolvimento
e ainda dependem dos formatos derivados de tecnologias anteriores,
ao invés de explorar seus próprios poderes expressivos".1
Para
ilustrar e fundamentar melhor este raciocínio, o presente
artigo vai resgatar a história do jornalismo on-line
- que permite transmissão de informações
em tempo real, seja por meio da eletricidade ou da tecnologia
digital - desde o seu início. Para MATALLO JR esta reconstrução
histórica justifica o procedimento metodológico
de investigação nas ciências sociais, "de
tal maneira que nunca temos uma explicação definitiva
sobre um conjunto de fenômenos, mas uma constante reconstrução
a partir do zero".2
Assim,
a primeira parte do artigo irá resgatar a história
do Telégrafo de Morse e seu impacto na imprensa da época,
que teve como conseqüência recursos emergentes como
Telefone e Rádio, instrumentos que deram abertura à
"economia do entretenimento e a sociedade do espetáculo".3
Após o início da sociedade do espetáculo,
uma nova quebra de paradigma deu origem - em escala comercial
- às tecnologias digitais, resultando criação
da internet e, atualmente, da "internet móvel",
que são as outras fases da história do jornalismo
on-line investigadas neste artigo.
A
Internet vitoriana
O
subtítulo acima é de autoria de STANDAGE,4
que relatou a história do telégrafo de Morse,
o início da informação on-line na história
da humanidade e impacto desta inovação em todas
as áreas do conhecimento humano, incluindo a imprensa.
Mas, conforme STANDAGE relata, apenas depois do telégrafo
se consolidar definitivamente no mercado é que suas potencialidades
foram realmente percebidas e utilizadas pela imprensa da época.
Podemos dizer que o telégrafo trouxe a imprensa para
idade moderna. Até então, as notícias circulavam
com atrasos de dias e semanas. Por exemplo, a edição
do The Times de 9 de janeiro de 1845 reportava notícias
da Cidade do Cabo com oito semanas de atraso e notícias
do Rio de Janeiro de seis semanas atrás. A diferença
para notícias de Nova York era de quatro semanas e de
Berlim, uma semana.5 Com este advento, o fluxo das
informações noticiosas passou a ser quase instantâneo
e uma nova fase no jornalismo foi inaugurada.
Mas antes de chegar neste ponto da história, é
bom destacar que foram necessários anos de estudos envolvendo
pesquisadores da Inglaterra e dos Estados Unidos, até
que Samuel F. B. Morse inaugurou oficialmente, no dia 24 de
Maio de 1844,6 o modelo de telégrafo elétrico
que seria a rede adotada por todos os continentes para transmissão
de informações on-line. Antes de ser aclamado
como a "instantânea auto-estrada do pensamento entre
o Velho e o Novo Mundo",7 o telégrafo teve
sua legitimidade contestada pelo governo, imprensa, população
e até pelos próprios pesquisadores envolvidos
no projeto.8
Todos os embaraços, problemas técnicos e comerciais
foram solucionados com a boa influência de Samuel Morse
diante dos investidores e políticos, além de associações
com cientistas como Willian Thompson,9 professor de
filosofia natural da Universidade de Glasgow, que conseguiu
consolidar de vez, em 1865, a transmissão transatlântica
de mensagens pelos cabos do telégrafo.10
A
partir disto, com a devida escala comercial, o telégrafo
uniu todo o mundo e "aniquilou tanto o espaço como
o tempo na transmissão de inteligência", conforme
discurso proferido em Nova York em homenagem a Morse.11
Em 1865, grandes cidades como Viena, Praga, Munique, Rio de
Janeiro, Dublin, Roma, Nápoles, Milão e Marselha
já estavam conectadas entre si nesta rede mundial e também
com sub-redes para circulação de informações
internas.12
No jornalismo, o ritmo de produção e difusão
de notícias mudou para sempre. O telégrafo podia
entregar notícias quase instantaneamente, então
a competição para ver quem conseguia as notícias
em primeira mão acabou. Os jornais não viam isto
com bons olhos. Desde aquela época, o futuro jornal impresso
era ameaçado. Para James Gordon Bennett,13 editor
do New York Herald, "o telégrafo não vai
afetar a literatura de revista, mas o mero jornal deve submeter
ao destino e deixar de existir", apostou.14
Mas o que se viu não foi o conflito, e sim a adaptação
dos jornais à nova realidade. Jornais pioneiros, como
o The Times, tinham uma rede de informação em
vários países, que os permitiam pela primeira
vez fazer uma cobertura global. As agências de notícias
também foram beneficiadas.15 Uma associação
de jornais americanos foi criada para manter e receber informações
de uma rede de trabalho global e vendê-las para leitores
e outros jornais: estava criada a New York Press Association.16
Enquanto isso, na Europa, Paul Julius von Reuter, também
fundava uma agência de notícias. Quando o telégrafo
foi estabelecido por lá, seus pombos-correios perderam
a vez na transmissão de notícias e a política
de Reuter foi de "seguir o cabo", portanto a Reuters
logo se fixou em Londres, onde as redes de telégrafos
expandiam rapidamente.17 Outra utilização
pontual foi o uso de serviços de informações
financeiras para assinantes que compravam boletins diários
com o resumo das principais notícias do dia ou um sumário
dos mais recentes preços do mercado.18
Conforme
FREITAS aponta, "não parece descabido afirmar que
a área da comunicação é aquela na
qual a incidência da tecnologia produz efeitos sentidos
como uma verdadeira revolução".19
E o telégrafo, mesmo com os desafios iniciais e a subestimação
de suas potencialidades, conseguiu cumprir esta revolução.
Dos novos telégrafos para a indústria da informação
Com a efetiva popularização do telégrafo
na vida das pessoas, no mercado e na imprensa, as tentativas
de aprimoramento das telecomunicações eram constantes.
Muitos pesquisadores tentaram aperfeiçoar o telégrafo
até que Alexander Graham Bell conseguiu transmitir som
através dos fios pelo "telégrafo falante",
que mais tarde seria batizado de "telefone".20
Advindo do telégrafo, a utilização do telefone
era baseada no padrão já estabelecido do seu antecessor.21
Mas com novas descobertas como a lâmpada e a utilização
da eletricidade em todos os demais campos, ficou claro que o
telégrafo era, na verdade, uma aplicação
da eletricidade.
Então
o telefone se desvencilhou de seu antecessor e seu crescimento
foi rápido, atingindo a marca de 30 mil telefones nos
EUA em menos de 4 anos, desde que Bell registrou sua patente,
em 1876.22
Em 1885, o periódico Chambers Journal declarou que "muitas
coisas mudaram nos últimos 5 anos em que o telégrafo
elétrico foi ameaçado por um jovem e vigoroso
competidor. Um grande futuro está sem dúvida na
história do telefone". Para ilustrar mais este avanço
tecnológico, os próprios órgãos
de imprensa acompanharam as mudanças: o jornal Telegraphers
Advocate se tornou o Eletric Age; o Operators se renomeou Electrical
World, e o Telegraphic Journal se tornou o Electrical Review.23
Enquanto isto, muitos cientistas buscavam também uma
solução sem fio para a transmissão dos
impulsos elétricos. Pesquisadores como Clark Maxwell
e Heinrich Hertz demonstraram conceitos de movimentos ondulatórios,
que permitiram Gugliemo Marconi produzir seu dispositivo que
transmitia ondas eletromagnéticas através do ar.24
Em abril de 1895, Marconi conseguiu transmitir sinais entre
dois pontos sem a necessidade de fios. Estava inaugurado o "Telégrafo
Wireless", que foi patenteado em 1896 e passou, como de
praxe, por dificuldades políticas e de adaptação
entre os usuários.25 Com apoio de parentes e
amigos, Marconi consegue finalmente apresentar sua invenção
e recebe um aporte de capital de 10 mil libras do Correio Britânico.
A primeira transmissão pública ocorre entre o
prédio da Bolsa e Picadilly Circus (3 km de distância).
Após este sucesso, Marconi funda a Marconi Wireless Telegraph
Company (MWTC) e comanda uma malha de conexão móvel
entre estações fixas e navios no mar, que funcionavam
como estações móveis desta emergente rede
de telecomunicação.
No começo do século XX, Marconi perde o monopólio
de sua invenção, tanto na Europa quanto nos Estados
Unidos e, em 1919, o governo americano cria a Radio Corporation
of America (RCA) para quebrar o domínio da rede da MWTC,
dando início a uma criação sistemática
de novas emissoras como NBC e ABC. O rádio, como conhecemos,
estava consolidado.26 A partir daí, segundo
COUTINHO,27 foi dado início à "Televisão,
Cinema e Diversão" e por conseqüência,
"a economia do entretenimento e a sociedade do espetáculo",
preparando o mundo para o processo de digitalização,
que abre um novo caminho para o advento de outras tecnologias
emergentes e outras possibilidades de aplicação
da prática do jornalismo, como veremos a seguir.
A internet californiana
Em A Sociedade em Rede, CASTELLS conta a história da
digitalização e do desenvolvimento de computadores
e redes, focando no período da década de 70, quando,
segundo o autor, "as novas tecnologias da informação
difundiram-se amplamente, acelerando seu desenvolvimento sinérgico
e convergindo em um novo paradigma".28
Com a invenção do computador eletrônico
em 1946 e do chip, em 1947, estava aberto o caminho da sociedade
em rede, ainda mais quando, "em 1975, Ed Roberts, um engenheiro
que criou uma pequena empresa fabricante de calculadoras, a
MITS29 (...), construiu uma "caixa de computação",
com o inacreditável nome de Altair", que deu origem
à linha da Apple, o primeiro sucesso comercial de microcomputadores.30
Mas antes deste estágio intermediário de desenvolvimento
das "ferramentas para pensamento" - conforme RHEINGOLD
definiu os computadores pessoais31 - os computadores
do Departamento de Defesa dos Estados Unidos já estavam,
em 1969, ligados em rede através da famosa ARPANET, rede
da Advanced Research Projects Agency (ARPA), agência americana
criada para acelerar o processo de desenvolvimento tecnológico
dos Estados Unidos. Uma década mais tarde, a ARPA desenvolveu
uma solução para descentralização
horizontal das informações de segurança
nacional, criando um sistema de comunicação invulnerável
ao ataque nuclear. CASTELLS diz que "com base na tecnologia
de comunicação por comutação de
pacotes, o sistema tornou a rede independente de centros de
comando e controle, de modo que as unidades de mensagem encontrariam
suas rotas ao longo da rede, sendo remontadas com sentido coerente
em qualquer ponto dela".32
No entanto, os militares não imaginavam que ao dividir
a rede com os cientistas, eles teriam que cedê-la para
a comunidade acadêmica, que começou a utilizar
a rede para todo o tipo de comunicação, como troca
de mensagens científicas, pessoais e de notícias.
Assim, em 1983, a ARPANET foi dedicada para fins científicos
e foi criada a MILNET, para aplicações militares.
Mais tarde, sendo desenvolvida predominantemente na Califórnia,
a já rebatizada ARPA-INTERNET foi beneficiada pelo Unix,
sistema operacional que possibilitava o acesso de computador
a computador e o protocolo de pacotes de códigos TCP/IP,
que permitia a comunicação entre redes diferentes.
Assim, "Internet" foi definitivamente inaugurada e
a exploração de seus próprios potenciais
estava só começando.33
A última década
"O ciclo de realimentação entre a introdução
de uma nova tecnologia, seus usos e seus desenvolvimentos em
novos domínios torna-se muito mais rápido no novo
paradigma tecnológico. Conseqüentemente, a difusão
tecnológica amplifica seu poder de forma infinita, à
medida que os usuários apropriam-se dela e a redefinem.
As novas tecnologias da informação não
são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos
a serem desenvolvidos".34 Com esta afirmação,
CASTELLS ilustra o fenômeno recente protagonizado pela
Internet, durante a última década do século
XX.
Para
o jornalismo, este processo começou a ser comercialmente
desenvolvido em maio de 1993, quando o jornal americano San
Jose Mercury News35 inaugurou sua versão on-line,
entrando para a história como o primeiro jornal na web.
Segundo RAMADAN, abriu-se neste momento "um suporte multimídia
em construção permanente e, em tese, de dimensões
infinitas, no qual conceitos de espaço e tempo ganham
novas configurações".
Se
o rádio demorou quase 30 anos para se consolidar como
mídia,37 durante o ataque contra Pearl Harbor,
em 1942, quando 74% dos americanos acompanharam os acontecimentos
pelo noticiário, a Internet se consolidou como mídia
em pouco mais de uma década, no ataque de 11 de setembro
de 2001, quando a rede mundial de computadores se firmou como
um recurso de suporte, pesquisa, difusão de notícias
e arquivamento de informações após o atentado
às torres do World Trade Center. FERRARI reforça
a questão da consolidação da Internet como
meio de comunicação de massa: "Não
posso deixar de citar novamente a cobertura on-line dos atentados
terroristas aos Estados Unidos, em 2001. A Web - para a maioria
dos cidadãos comuns que estava no trabalho e não
contava com um aparelho de TV ao alcance dos olhos - cumpriu
um papel de mídia de massa e deu o seu recado, com recorde
absoluto de acessos no mundo todo".38
De
fato, mesmo com este papel já protagonista na rede global
de informações, a Internet está em processo
de desenvolvimento permanente. A rede se molda com o avanço
de outras tecnologias convergentes, como a televisão
digital e dispositivos móveis que - conforme NEGROPONTE39
já definiu - nos introduzem em uma vida digital, onde
os "dados", na visão de LYOTARD,40
"tornam-se assim independentes em relação
ao lugar e ao momento da sua recepção inicial,
realizáveis à distância espacial e temporal,
digamos: telegrafáveis".
Para nos ajudar a entender sobre este novo ecossistema, podemos
utilizar a definição de dados do professor SETZER,41
"como uma seqüência de símbolos quantificados
ou quantificáveis. Portanto, um texto é um dado.
(...). Também são dados imagens, sons e animação".
Sendo assim, a transmissão digital de dados possibilita
o desenvolvimento das mídias já estabelecidas
(como internet, TV, etc) preparando-as para o fluxo de informações
convergentes entre as mesmas, além do aparecimento de
outros suportes midiáticos como celulares e computadores
de mão que se apropriam das características de
seus antecessores, antes da exploração de seus
próprios potenciais e de sua consolidação.
"Internet
Móvel"
Chegamos ao século XXI. Mesmo ainda à sombra da
Internet - mídia cujo processo ainda está em desenvolvimento
- já emergem as tecnologias de conexão móvel
e sem fio, batizadas pelo mercado de "Internet móvel".42
As tecnologias de conexão móvel consistem na transmissão
de dados digitais entre dispositivos fixos (computadores pessoais,
televisão digital) e móveis (celulares, computadores
e mão), através de redes sem fio, como por exemplo,
as redes metropolitanas de celulares.
A "Internet Móvel", a exemplo do "Telégrafo
Falante" ou do "Telégrafo sem fio", ainda
está baseada no seu antecessor que quebrou antigos paradigmas
e inaugurou novos, tais como interatividade, tempo real, comércio
eletrônico, entre outros, que fazem parte do contexto
da web. Com novos protagonistas nesta rede - telefones celulares
e computadores de mão - notamos que a "Internet
Móvel" já é amplamente utilizada em
países como Japão, Finlândia, Noruega, Itália,
para comunicação interpessoal, campanhas de publicidade
e notícias. No Brasil, este recurso tem se desenvolvido
tanto no setor corporativo, quanto para o público final.
Um exemplo disto, foi o seminário EXPO ABRIL SEM FIO
realizado pela editora Abril, na cidade de São Paulo,
nos dias 12 a 16 de maio de 2003, para os principais veículos
jornalísticos do país discutirem seus posicionamentos
nas tecnologias de conexão móveis.
Esta
preocupação dos veículos da editora Abril
é justificada pelo consenso no mercado e nas universidades
de que o celular será a figura chave para o processo
de massificação tecnológica, conforme bem
observou BASTOS43: "é sabido de tudo e
de todos que os celulares podem comportar (e já comportam)
verdadeiros computadores, enviando fotos, processando informações,
etc. O celular, é bastante crível, é que
será o micro de amanhã".
Algumas
características do jornalismo na internet móvel
Para
a exploração do jornalismo na computação
móvel, contudo, as propostas são muitas e já
são reais, inclusive no Brasil. Para VILLELA,44
"essa essência conectada da Internet vai estar presente
em milhares de objetos e locais diferentes. Mas em cada device,
em cada dispositivo de saída, as informações
estarão sendo exibidas em formatos bastante distintos,
com fins bem específicos". Em suma, é certo
que os dispositivos móveis serão utilizados para
a difusão do conteúdo jornalístico, explorando
características pertinentes a um aparelho móvel,
como por exemplo, um telefone celular. Entre as possíveis
experiências editoriais nos dispositivos sem fio, destaco
três características intrínsecas já
exploradas em iniciativas no jornalismo brasileiro.
Este
é o aspecto chave das tecnologias de conexão sem
fio. A possibilidade de receber informações em
qualquer lugar, a qualquer momento, é uma característica
inédita para o jornalismo explorar nesta mídia
emergente. Segundo TAURION, "Consideramos que as aplicações
de sucesso serão as que explorarão em conjunto
diversas (se não todas) as características da
mobilidade, como localização geográfica,
personalização, 'any time, any where'. É
provável que nos próximos dez anos, as aplicações
para o ambiente móvel evoluirão para um nível
de funcionalidade e conveniência que não podemos
sequer imaginar hoje".45
No já citado evento da Abril Sem Fio, Roberto Gerosa,
Gerente de Produção Editorial da revista Veja,
reforça: "o leitor quer acessar notícias
em todas as plataformas possíveis". Mas apesar de
sua percepção, a Veja ainda estuda este mercado
em caráter experimental: "nada é produzido
exclusivamente para celular. Editamos o conteúdo das
outras plataformas".
- Especialização
de conteúdo
Para
que a mobilidade seja bem explorada nos celulares e computadores
de mão - objetos de uso pessoal - outra característica
é fundamental para a aplicação do jornalismo
em dispositivos móveis: conteúdo especializado.
Assim como na web o leitor deve querer receber as notícias
de seu interesse em seu celular.
Usamos
a experiência revista Placar para ilustrar esta afirmação.
A agência Placar oferece seu conteúdo especializado
em futebol no Japão, em parceria com as operadoras de
telefonia celular locais, para atender a demanda de informações
sobre futebol da comunidade brasileira que vive naquele país.
Também presente no seminário da Abril Sem Fio,
o jornalista Sérgio Xavier, diretor de redação
da Placar, forneceu dados sobre esta iniciativa: com uma comunidade
de 250 mil brasileiros no Japão, 5 mil assinam o conteúdo
da revista através do celular. Naquele país, o
noticiário sobre futebol não é muito popular
e a "internet móvel" já é a opção
mais viável para este tipo de informação
sobre futebol e em português, ou seja, altamente especializada.
A
terceira característica fundamental para o jornalismo
em dispositivos móveis é a capacidade de receber
mensagens e alertas instantâneos, de acordo com interesse
do leitor. Aliado com a mobilidade e o conteúdo altamente
especializado, a instantaneidade - se bem explorada pelas empresas
jornalísticas - pode ser uma ferramenta diferencial para
a difusão de conteúdo em celulares e computadores
de mão. TAURION questiona: "qual será o valor
de uma informação disponível no momento
exato a um executivo que esteja para tomar uma decisão
importante em uma reunião de negócios, quando
esta reunião está ocorrendo fora do seu escritório
e, portanto, sem acesso ao desktop? No ambiente móvel,
o que importa é o conteúdo e não o display".46
Uma
experiência no mercado brasileiro que explora bem o aspecto
de instantaneidade é a aplicação Wireless
Broadcast, oferecida pela Agência Estado para o setor
financeiro, segmento onde a rapidez é fundamental para
o sucesso das operações. Através de computador
de mão, profissionais de bancos brasileiros podem ter
informações financeiras em tempo real. Em matéria
do dia 13 de março de 2002, do jornal O Estado de São
Paulo, a empresa explica a impacto desta inovação
tecnológica no conteúdo produzido pela Agência
Estado: "O Broadcast é um serviço especializado
em informações em tempo real, com cobertura mundial
para o Brasil, que oferece ainda análises financeiras,
gráficos, cotações de bolsa e outros indicadores,
e que anteriormente só estava disponível em rede
fixa. Por essa razão, o Wireless Broadcast tem por objetivo
auxiliar executivos na tomada de decisões que envolvam
consultas de notícia e proporcionar agilidade ao processo
de trabalho".
Apesar
destas experiências práticas, existem ainda limitações
comerciais (preço dos celulares e alternativas de receita
para esta nova mídia) e técnicas (cobertura de
redes celulares e viabilidade tecnológica) que não
foram levantadas neste artigo. Mas por todos estes elementos
é que VILLELA47 afirma não saber exatamente
qual será o futuro do jornalismo nos meios digitais emergentes:
"O certo é que novos formatos aparecerão,
muitos dos quais sequer conseguimos imaginar". Contudo,
CORRÊA assume que uma empresa jornalística "vincula-se
à variável tecnológica, seja como usuária,
como geradora e como veículo das novas tecnologias de
comunicação, e que, portanto, deverá ter
definidas, implícita ou explicitamente, estratégias
tecnológicas de comunicação".48
Conclusão
Este
panorama teve o objetivo de mostrar a relação
entre o jornalismo e as tecnologias de informação
em tempo real. Desde o telégrafo, que mudou as características
do jornalismo; passando pelo o telefone e o rádio, sucessores
do telégrafo e precursores da sociedade da informação
e do espetáculo; até chegar nas tecnologias digitais
e o advento da internet e da internet móvel, o jornalismo
sempre abriu novas fronteiras na sua cadeia produtiva, seja
nos aspectos de definição de pauta, apuração
da notícia, ciclo do processo de produção
e na difusão do conteúdo produzido.
Apesar
das especulações e falsas expectativas que se
abrem a cada ciclo tecnológico, a prática jornalística
tem se mostrado adaptável a estas inovações
e - assim como no advento do telégrafo e da internet
- a computação móvel também oferece
possibilidades concretas para a difusão de informação
jornalística on-line, com aspectos bem particulares de
suportes móveis como celulares e computadores de mão.
As experiências demonstradas neste artigo mostram as tendências
de exploração, embora o debate esteja aberto para
muitas outras idéias que ainda não foram cogitadas.
Não
vamos arriscar, portanto, qual será o novo termo definitivo
deste último ciclo de mídia, ainda muito calcado
na própria Internet. Mas ficamos com as palavras de STANDAGE,
citadas por RHEINGOLD,49 que "a Internet está
ainda no estágio telegráfico de desenvolvimento,
no sentido que a complexidade e o preço dos PCs evitam
que muitas pessoas os utilizem. O telefone celular assim promete
fazer para a internet o que o telefone fez para o telégrafo:
fazer deste uma tecnologia protagonista. (...) A internet móvel,
ao invés de ser baseada na mesma tecnologia da internet
fixa, será algo diferente e será utilizada em
novos e inesperados caminhos".
Referências
bibliográficas
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2
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- COUTINHO, Marcelo. Comunicação e Negócios
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Fundação Cásper Líbero, 2002, São
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Líbero, 2002.
7
- FREITAS, Jeanne Marie Machado. Ciências da Linguagem:
contribuição para o estudo dos mídia. São
Paulo: Revista Comunicação e Artes, 1996.
8 - FERRARI, Pollyana. Jornalismo Digital. Editora Contexto.
São Paulo. 2003.
9
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in: CARVALHO, M.C.M (org), Metodologia Científica: fundamentos
e técnicas: construindo o saber. 4 ed. Campinas, SP:
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10
- LYOTARD, J. F. O inumano: considerações sobre
o tempo. Lisboa: Estampo, 1999. p. 55-64.
11
- NEGROPONTE, Nicholas. Being Digital. New York: Alfred A. Knopf,
1995.
12
- MURRAY, Janet. Hamlet on the holodeck: the future of narrative
in cyberspace. Cambridge, Mss.: The MIT Press, 1997.
13
- RAMADAN, Nancy Nayen Ali. Jornalismo na era digital: construindo
uma filosofia de ensino. São Paulo: Departamento de jornalismo
e Editoração da Escola de Comunicação
e Artes, da Universidade de São Paulo, 2000.
14
- RHEINGOLD, Howard. Smart Mobs: The next social revolution.
Cambridge: Perseus Books Group, 2003.
15
- RHEINGOLD, Howard. Tools for Thought. 1985. Disponível
em:
http://www.rheingold.com/texts/tft/index.html
16
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e competência. Acessado em http://www.ime.usp.br/~vsetzer/datagama.html
17
- SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico.
São Paulo: Cortez, 2000. 22 ed. rev. e ampl.
18
- STANDAGE, Tom. The Victorian Internet. New York: Berkley Book,
1998.
19
- TAURION, Cezar. Internet Móvel; tecnologias, aplicações
e modelos. Rio de Janeiro: Campus, 2002.
20
- VILLELA, Fernando. O lead do próximo milênio
in CALDAS, Álvaro (org.). Deu no Jornal: jornalismo impresso
na era da internet. Rio de Janeiro: PUC-Rio - Loyola, Rio de
Janeiro, 2002.
Notas
1.
Janet MURRAY, Hamlet on the holodeck: the future of narrative
in cyberspace, p. 67.
2.
Heitor MATALLO JR, "A explicação científica",
in: CARVALHO, M.C.M (org.), Metodologia Científica: fundamentos
e técnicas: construindo o saber, p. 60.
3.
Marcelo COUTINHO, Comunicação e Negócios
na Sociedade Digital, in: Curso de pós-graduação
- Fundação Cásper Líbero, p. 26.
4. Tom STANDAGE, The Victorian Internet.
5.
ibid., p. 147.
6.
ibid., p. 48.
7.
ibid., p. 74.
8.
ibid., p. 86.
9.
ibid., p. 85.
10.
ibid., p. 88.
11.
Tom STANDAGE, The Victorian Internet, p. 90.
12.
ibid., p. 97.
13.
Para se ter uma idéia da importância desta previsão,
Benett foi um dos jornalistas que inaugurou na imprensa o gênero
"entrevista".
14.
ibid., p. 149.
15.
ibid., p. 151.
16.
ibid., p. 150.
17.
ibid., p. 150.
18.
ibid., p. 173.
19.
Jeanne Marie Machado FREITAS, Ciências da Linguagem: contribuição
para o estudo dos mídia, in: Revista Comunicação
e Artes, p. 20.
20.
STANDAGE, op. cit., p. 199.
21.
ibid., p. 199.
22.
ibid., p. 198.
23.
ibid., p. 200.
24.
Angelo BRUNERO. The invention of the radio. Disponível
em:
http://www.alpcom.it/hamradio/radeng.html
25.
COUTINHO, Marcelo. Op. cit., p. 21.
26.
Ibid., p. 25.
27.
Ibid., p. 26.
28.
Manuel CASTELLS, A sociedade em rede, p. 61.
29.
MITS: sigla da empresa Microinstrumentation & Telemetry
Systems, do Albuquerque, Novo México, EUA.
30.
CASTELLS, Op. cit., p. 61.
31.
Rheingold, Howard. Tools for Thought, passim.
32.
CASTELLS, Op. cit., p. 375 a 376.
33.
Manuel CASTELLS, A sociedade em rede, p. 376 a 377.
34.
CASTELLS, Op. cit., p. 51.
35.
Nancy Nayen Ali RAMADAN, Jornalismo na era digital: construindo
uma filosofia de ensino, p. 147.
36.
ibid., p. 147.
37.
COUTINHO, Op. cit., p. 28.
38.
Pollyana FERRARI, Jornalismo Digital, p. 22.
39.
Nicholas NEGROPONTE, Being Digital, passim.
40.
J. F. LYOTARD, O inumano: considerações sobre
o tempo, p. 55 a 64.
41.
Valdemar SETZER, Dado, informação, conhecimento
e competência.
42.
Cezar TAURION, Internet Móvel; tecnologias, aplicações
e modelos, passim.
433.
Marco Toledo de Assis BASTOS, Um Tabernáculo Digital:
Telespcções, Convergências e Interatividade,
disponível em:
http://www.eca.usp.br/nucleos/filocom/ensaio1.html
44.
Fernando VILLELA, O lead do próximo milênio in
CALDAS, Álvaro. Deu no Jornal: jornalismo impresso na
era da internet.
45. Cezar TAURION, Op. cit.., p. 69.
46. TAURION, Op.cit., p. 75.
47. Fernando VILLELA, O lead do próximo milênio,
in CALDAS, Álvaro (org.), Deu no Jornal: jornalismo impresso
na era da internet.
48.
CORRÊA, Op. cit., p. 7.
49. Howard RHEINGOLD, Smart Mobs, p. 1.
*Paulo
Henrique de Oliveira Ferreira é mestrando na ECA-USP.
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