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Artigos


O jornalismo e as tecnologias de informação
on-line: do Telégrafo à Internet Móvel

Por Paulo Henrique de Oliveira Ferreira*

Resumo

Este artigo apresenta a evolução da informação on-line e a contínua adaptação da prática do jornalismo a cada novo ciclo de inovação tecnológica. Desde o telégrafo de Morse - quando foi inaugurada a informação on-line - até os dias de hoje - com as emergentes conexões sem fio - o jornalismo tem absorvido estas inovações para a difusão do conteúdo produzido, tendo cada suporte midiático, suas próprias características de exploração da notícia, seja em uma linha telegráfica, em um computador pessoal ou em um celular. Além do resgate histórico da relação entre o jornalismo com as tecnologias de informação em tempo real, o artigo também destaca a última etapa de desenvolvimento das tecnologias de comunicação: a "internet móvel".

Abstract

This article presents the evolution of on-line information and the continuous adaptation of the journalism practice, in each cycle of technologic innovation. Since the Morse's telegraph - when the on-line information was inaugurated - to this very day - with the emergent wireless connections - the journalism has absorbed these innovations to diffusion of content, having each mediatic support, their own characteristics of news exploration, being this support a telegraphic line, a personal computer or a cell phone. Besides the historic ransom of the relation between journalism and real time technology of information, the article also point out the last stage of the technologies of communication development: the "mobile internet".

Palavras-chaves

História do jornalismo on-line - internet móvel - mobilidade - instantaneidade - segmentação

Introdução

Quando uma tecnologia se torna emergente no cenário das telecomunicações, é natural que demore algum tempo para os usuários conhecerem as aplicações e consolidarem sua utilização em larga escala, de acordo com sua real funcionalidade.

Esta percepção vem desde o telégrafo elétrico, no século XIX, desenvolvido por Samuel Morse e desde então, a cada ciclo de tecnologias emergentes, o mercado, a imprensa e os usuários tendem a utilizá-la incorretamente e abaixo das suas potencialidades. MURRAY define este fenômeno de adaptação pelo fato de que as "mídias estão um recém estágio de desenvolvimento e ainda dependem dos formatos derivados de tecnologias anteriores, ao invés de explorar seus próprios poderes expressivos".1

Para ilustrar e fundamentar melhor este raciocínio, o presente artigo vai resgatar a história do jornalismo on-line - que permite transmissão de informações em tempo real, seja por meio da eletricidade ou da tecnologia digital - desde o seu início. Para MATALLO JR esta reconstrução histórica justifica o procedimento metodológico de investigação nas ciências sociais, "de tal maneira que nunca temos uma explicação definitiva sobre um conjunto de fenômenos, mas uma constante reconstrução a partir do zero".2

Assim, a primeira parte do artigo irá resgatar a história do Telégrafo de Morse e seu impacto na imprensa da época, que teve como conseqüência recursos emergentes como Telefone e Rádio, instrumentos que deram abertura à "economia do entretenimento e a sociedade do espetáculo".3 Após o início da sociedade do espetáculo, uma nova quebra de paradigma deu origem - em escala comercial - às tecnologias digitais, resultando criação da internet e, atualmente, da "internet móvel", que são as outras fases da história do jornalismo on-line investigadas neste artigo.

A Internet vitoriana

O subtítulo acima é de autoria de STANDAGE,4 que relatou a história do telégrafo de Morse, o início da informação on-line na história da humanidade e impacto desta inovação em todas as áreas do conhecimento humano, incluindo a imprensa. Mas, conforme STANDAGE relata, apenas depois do telégrafo se consolidar definitivamente no mercado é que suas potencialidades foram realmente percebidas e utilizadas pela imprensa da época. Podemos dizer que o telégrafo trouxe a imprensa para idade moderna. Até então, as notícias circulavam com atrasos de dias e semanas. Por exemplo, a edição do The Times de 9 de janeiro de 1845 reportava notícias da Cidade do Cabo com oito semanas de atraso e notícias do Rio de Janeiro de seis semanas atrás. A diferença para notícias de Nova York era de quatro semanas e de Berlim, uma semana.5 Com este advento, o fluxo das informações noticiosas passou a ser quase instantâneo e uma nova fase no jornalismo foi inaugurada.

Mas antes de chegar neste ponto da história, é bom destacar que foram necessários anos de estudos envolvendo pesquisadores da Inglaterra e dos Estados Unidos, até que Samuel F. B. Morse inaugurou oficialmente, no dia 24 de Maio de 1844,6 o modelo de telégrafo elétrico que seria a rede adotada por todos os continentes para transmissão de informações on-line. Antes de ser aclamado como a "instantânea auto-estrada do pensamento entre o Velho e o Novo Mundo",7 o telégrafo teve sua legitimidade contestada pelo governo, imprensa, população e até pelos próprios pesquisadores envolvidos no projeto.8

Todos os embaraços, problemas técnicos e comerciais foram solucionados com a boa influência de Samuel Morse diante dos investidores e políticos, além de associações com cientistas como Willian Thompson,9 professor de filosofia natural da Universidade de Glasgow, que conseguiu consolidar de vez, em 1865, a transmissão transatlântica de mensagens pelos cabos do telégrafo.10

A partir disto, com a devida escala comercial, o telégrafo uniu todo o mundo e "aniquilou tanto o espaço como o tempo na transmissão de inteligência", conforme discurso proferido em Nova York em homenagem a Morse.11 Em 1865, grandes cidades como Viena, Praga, Munique, Rio de Janeiro, Dublin, Roma, Nápoles, Milão e Marselha já estavam conectadas entre si nesta rede mundial e também com sub-redes para circulação de informações internas.12

No jornalismo, o ritmo de produção e difusão de notícias mudou para sempre. O telégrafo podia entregar notícias quase instantaneamente, então a competição para ver quem conseguia as notícias em primeira mão acabou. Os jornais não viam isto com bons olhos. Desde aquela época, o futuro jornal impresso era ameaçado. Para James Gordon Bennett,13 editor do New York Herald, "o telégrafo não vai afetar a literatura de revista, mas o mero jornal deve submeter ao destino e deixar de existir", apostou.14

Mas o que se viu não foi o conflito, e sim a adaptação dos jornais à nova realidade. Jornais pioneiros, como o The Times, tinham uma rede de informação em vários países, que os permitiam pela primeira vez fazer uma cobertura global. As agências de notícias também foram beneficiadas.15 Uma associação de jornais americanos foi criada para manter e receber informações de uma rede de trabalho global e vendê-las para leitores e outros jornais: estava criada a New York Press Association.16 Enquanto isso, na Europa, Paul Julius von Reuter, também fundava uma agência de notícias. Quando o telégrafo foi estabelecido por lá, seus pombos-correios perderam a vez na transmissão de notícias e a política de Reuter foi de "seguir o cabo", portanto a Reuters logo se fixou em Londres, onde as redes de telégrafos expandiam rapidamente.17 Outra utilização pontual foi o uso de serviços de informações financeiras para assinantes que compravam boletins diários com o resumo das principais notícias do dia ou um sumário dos mais recentes preços do mercado.18

Conforme FREITAS aponta, "não parece descabido afirmar que a área da comunicação é aquela na qual a incidência da tecnologia produz efeitos sentidos como uma verdadeira revolução".19 E o telégrafo, mesmo com os desafios iniciais e a subestimação de suas potencialidades, conseguiu cumprir esta revolução.

Dos novos telégrafos para a indústria da informação


Com a efetiva popularização do telégrafo na vida das pessoas, no mercado e na imprensa, as tentativas de aprimoramento das telecomunicações eram constantes. Muitos pesquisadores tentaram aperfeiçoar o telégrafo até que Alexander Graham Bell conseguiu transmitir som através dos fios pelo "telégrafo falante", que mais tarde seria batizado de "telefone".20

Advindo do telégrafo, a utilização do telefone era baseada no padrão já estabelecido do seu antecessor.21 Mas com novas descobertas como a lâmpada e a utilização da eletricidade em todos os demais campos, ficou claro que o telégrafo era, na verdade, uma aplicação da eletricidade.

Então o telefone se desvencilhou de seu antecessor e seu crescimento foi rápido, atingindo a marca de 30 mil telefones nos EUA em menos de 4 anos, desde que Bell registrou sua patente, em 1876.22

Em 1885, o periódico Chambers Journal declarou que "muitas coisas mudaram nos últimos 5 anos em que o telégrafo elétrico foi ameaçado por um jovem e vigoroso competidor. Um grande futuro está sem dúvida na história do telefone". Para ilustrar mais este avanço tecnológico, os próprios órgãos de imprensa acompanharam as mudanças: o jornal Telegraphers Advocate se tornou o Eletric Age; o Operators se renomeou Electrical World, e o Telegraphic Journal se tornou o Electrical Review.23

Enquanto isto, muitos cientistas buscavam também uma solução sem fio para a transmissão dos impulsos elétricos. Pesquisadores como Clark Maxwell e Heinrich Hertz demonstraram conceitos de movimentos ondulatórios, que permitiram Gugliemo Marconi produzir seu dispositivo que transmitia ondas eletromagnéticas através do ar.24

Em abril de 1895, Marconi conseguiu transmitir sinais entre dois pontos sem a necessidade de fios. Estava inaugurado o "Telégrafo Wireless", que foi patenteado em 1896 e passou, como de praxe, por dificuldades políticas e de adaptação entre os usuários.25 Com apoio de parentes e amigos, Marconi consegue finalmente apresentar sua invenção e recebe um aporte de capital de 10 mil libras do Correio Britânico. A primeira transmissão pública ocorre entre o prédio da Bolsa e Picadilly Circus (3 km de distância). Após este sucesso, Marconi funda a Marconi Wireless Telegraph Company (MWTC) e comanda uma malha de conexão móvel entre estações fixas e navios no mar, que funcionavam como estações móveis desta emergente rede de telecomunicação.

No começo do século XX, Marconi perde o monopólio de sua invenção, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos e, em 1919, o governo americano cria a Radio Corporation of America (RCA) para quebrar o domínio da rede da MWTC, dando início a uma criação sistemática de novas emissoras como NBC e ABC. O rádio, como conhecemos, estava consolidado.26 A partir daí, segundo COUTINHO,27 foi dado início à "Televisão, Cinema e Diversão" e por conseqüência, "a economia do entretenimento e a sociedade do espetáculo", preparando o mundo para o processo de digitalização, que abre um novo caminho para o advento de outras tecnologias emergentes e outras possibilidades de aplicação da prática do jornalismo, como veremos a seguir.

A internet californiana

Em A Sociedade em Rede, CASTELLS conta a história da digitalização e do desenvolvimento de computadores e redes, focando no período da década de 70, quando, segundo o autor, "as novas tecnologias da informação difundiram-se amplamente, acelerando seu desenvolvimento sinérgico e convergindo em um novo paradigma".28

Com a invenção do computador eletrônico em 1946 e do chip, em 1947, estava aberto o caminho da sociedade em rede, ainda mais quando, "em 1975, Ed Roberts, um engenheiro que criou uma pequena empresa fabricante de calculadoras, a MITS29 (...), construiu uma "caixa de computação", com o inacreditável nome de Altair", que deu origem à linha da Apple, o primeiro sucesso comercial de microcomputadores.30

Mas antes deste estágio intermediário de desenvolvimento das "ferramentas para pensamento" - conforme RHEINGOLD definiu os computadores pessoais31 - os computadores do Departamento de Defesa dos Estados Unidos já estavam, em 1969, ligados em rede através da famosa ARPANET, rede da Advanced Research Projects Agency (ARPA), agência americana criada para acelerar o processo de desenvolvimento tecnológico dos Estados Unidos. Uma década mais tarde, a ARPA desenvolveu uma solução para descentralização horizontal das informações de segurança nacional, criando um sistema de comunicação invulnerável ao ataque nuclear. CASTELLS diz que "com base na tecnologia de comunicação por comutação de pacotes, o sistema tornou a rede independente de centros de comando e controle, de modo que as unidades de mensagem encontrariam suas rotas ao longo da rede, sendo remontadas com sentido coerente em qualquer ponto dela".32

No entanto, os militares não imaginavam que ao dividir a rede com os cientistas, eles teriam que cedê-la para a comunidade acadêmica, que começou a utilizar a rede para todo o tipo de comunicação, como troca de mensagens científicas, pessoais e de notícias. Assim, em 1983, a ARPANET foi dedicada para fins científicos e foi criada a MILNET, para aplicações militares. Mais tarde, sendo desenvolvida predominantemente na Califórnia, a já rebatizada ARPA-INTERNET foi beneficiada pelo Unix, sistema operacional que possibilitava o acesso de computador a computador e o protocolo de pacotes de códigos TCP/IP, que permitia a comunicação entre redes diferentes. Assim, "Internet" foi definitivamente inaugurada e a exploração de seus próprios potenciais estava só começando.33

A última década

"O ciclo de realimentação entre a introdução de uma nova tecnologia, seus usos e seus desenvolvimentos em novos domínios torna-se muito mais rápido no novo paradigma tecnológico. Conseqüentemente, a difusão tecnológica amplifica seu poder de forma infinita, à medida que os usuários apropriam-se dela e a redefinem. As novas tecnologias da informação não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos".34 Com esta afirmação, CASTELLS ilustra o fenômeno recente protagonizado pela Internet, durante a última década do século XX.

Para o jornalismo, este processo começou a ser comercialmente desenvolvido em maio de 1993, quando o jornal americano San Jose Mercury News35 inaugurou sua versão on-line, entrando para a história como o primeiro jornal na web. Segundo RAMADAN, abriu-se neste momento "um suporte multimídia em construção permanente e, em tese, de dimensões infinitas, no qual conceitos de espaço e tempo ganham novas configurações".

Se o rádio demorou quase 30 anos para se consolidar como mídia,37 durante o ataque contra Pearl Harbor, em 1942, quando 74% dos americanos acompanharam os acontecimentos pelo noticiário, a Internet se consolidou como mídia em pouco mais de uma década, no ataque de 11 de setembro de 2001, quando a rede mundial de computadores se firmou como um recurso de suporte, pesquisa, difusão de notícias e arquivamento de informações após o atentado às torres do World Trade Center. FERRARI reforça a questão da consolidação da Internet como meio de comunicação de massa: "Não posso deixar de citar novamente a cobertura on-line dos atentados terroristas aos Estados Unidos, em 2001. A Web - para a maioria dos cidadãos comuns que estava no trabalho e não contava com um aparelho de TV ao alcance dos olhos - cumpriu um papel de mídia de massa e deu o seu recado, com recorde absoluto de acessos no mundo todo".38

De fato, mesmo com este papel já protagonista na rede global de informações, a Internet está em processo de desenvolvimento permanente. A rede se molda com o avanço de outras tecnologias convergentes, como a televisão digital e dispositivos móveis que - conforme NEGROPONTE39 já definiu - nos introduzem em uma vida digital, onde os "dados", na visão de LYOTARD,40 "tornam-se assim independentes em relação ao lugar e ao momento da sua recepção inicial, realizáveis à distância espacial e temporal, digamos: telegrafáveis".

Para nos ajudar a entender sobre este novo ecossistema, podemos utilizar a definição de dados do professor SETZER,41 "como uma seqüência de símbolos quantificados ou quantificáveis. Portanto, um texto é um dado. (...). Também são dados imagens, sons e animação". Sendo assim, a transmissão digital de dados possibilita o desenvolvimento das mídias já estabelecidas (como internet, TV, etc) preparando-as para o fluxo de informações convergentes entre as mesmas, além do aparecimento de outros suportes midiáticos como celulares e computadores de mão que se apropriam das características de seus antecessores, antes da exploração de seus próprios potenciais e de sua consolidação.

"Internet Móvel"

Chegamos ao século XXI. Mesmo ainda à sombra da Internet - mídia cujo processo ainda está em desenvolvimento - já emergem as tecnologias de conexão móvel e sem fio, batizadas pelo mercado de "Internet móvel".42 As tecnologias de conexão móvel consistem na transmissão de dados digitais entre dispositivos fixos (computadores pessoais, televisão digital) e móveis (celulares, computadores e mão), através de redes sem fio, como por exemplo, as redes metropolitanas de celulares.

A "Internet Móvel", a exemplo do "Telégrafo Falante" ou do "Telégrafo sem fio", ainda está baseada no seu antecessor que quebrou antigos paradigmas e inaugurou novos, tais como interatividade, tempo real, comércio eletrônico, entre outros, que fazem parte do contexto da web. Com novos protagonistas nesta rede - telefones celulares e computadores de mão - notamos que a "Internet Móvel" já é amplamente utilizada em países como Japão, Finlândia, Noruega, Itália, para comunicação interpessoal, campanhas de publicidade e notícias. No Brasil, este recurso tem se desenvolvido tanto no setor corporativo, quanto para o público final. Um exemplo disto, foi o seminário EXPO ABRIL SEM FIO realizado pela editora Abril, na cidade de São Paulo, nos dias 12 a 16 de maio de 2003, para os principais veículos jornalísticos do país discutirem seus posicionamentos nas tecnologias de conexão móveis.

Esta preocupação dos veículos da editora Abril é justificada pelo consenso no mercado e nas universidades de que o celular será a figura chave para o processo de massificação tecnológica, conforme bem observou BASTOS43: "é sabido de tudo e de todos que os celulares podem comportar (e já comportam) verdadeiros computadores, enviando fotos, processando informações, etc. O celular, é bastante crível, é que será o micro de amanhã".

Algumas características do jornalismo na internet móvel

Para a exploração do jornalismo na computação móvel, contudo, as propostas são muitas e já são reais, inclusive no Brasil. Para VILLELA,44 "essa essência conectada da Internet vai estar presente em milhares de objetos e locais diferentes. Mas em cada device, em cada dispositivo de saída, as informações estarão sendo exibidas em formatos bastante distintos, com fins bem específicos". Em suma, é certo que os dispositivos móveis serão utilizados para a difusão do conteúdo jornalístico, explorando características pertinentes a um aparelho móvel, como por exemplo, um telefone celular. Entre as possíveis experiências editoriais nos dispositivos sem fio, destaco três características intrínsecas já exploradas em iniciativas no jornalismo brasileiro.

  • Mobilidade

Este é o aspecto chave das tecnologias de conexão sem fio. A possibilidade de receber informações em qualquer lugar, a qualquer momento, é uma característica inédita para o jornalismo explorar nesta mídia emergente. Segundo TAURION, "Consideramos que as aplicações de sucesso serão as que explorarão em conjunto diversas (se não todas) as características da mobilidade, como localização geográfica, personalização, 'any time, any where'. É provável que nos próximos dez anos, as aplicações para o ambiente móvel evoluirão para um nível de funcionalidade e conveniência que não podemos sequer imaginar hoje".45

No já citado evento da Abril Sem Fio, Roberto Gerosa, Gerente de Produção Editorial da revista Veja, reforça: "o leitor quer acessar notícias em todas as plataformas possíveis". Mas apesar de sua percepção, a Veja ainda estuda este mercado em caráter experimental: "nada é produzido exclusivamente para celular. Editamos o conteúdo das outras plataformas".

  • Especialização de conteúdo

Para que a mobilidade seja bem explorada nos celulares e computadores de mão - objetos de uso pessoal - outra característica é fundamental para a aplicação do jornalismo em dispositivos móveis: conteúdo especializado. Assim como na web o leitor deve querer receber as notícias de seu interesse em seu celular.

Usamos a experiência revista Placar para ilustrar esta afirmação. A agência Placar oferece seu conteúdo especializado em futebol no Japão, em parceria com as operadoras de telefonia celular locais, para atender a demanda de informações sobre futebol da comunidade brasileira que vive naquele país. Também presente no seminário da Abril Sem Fio, o jornalista Sérgio Xavier, diretor de redação da Placar, forneceu dados sobre esta iniciativa: com uma comunidade de 250 mil brasileiros no Japão, 5 mil assinam o conteúdo da revista através do celular. Naquele país, o noticiário sobre futebol não é muito popular e a "internet móvel" já é a opção mais viável para este tipo de informação sobre futebol e em português, ou seja, altamente especializada.

  • Instantaneidade

A terceira característica fundamental para o jornalismo em dispositivos móveis é a capacidade de receber mensagens e alertas instantâneos, de acordo com interesse do leitor. Aliado com a mobilidade e o conteúdo altamente especializado, a instantaneidade - se bem explorada pelas empresas jornalísticas - pode ser uma ferramenta diferencial para a difusão de conteúdo em celulares e computadores de mão. TAURION questiona: "qual será o valor de uma informação disponível no momento exato a um executivo que esteja para tomar uma decisão importante em uma reunião de negócios, quando esta reunião está ocorrendo fora do seu escritório e, portanto, sem acesso ao desktop? No ambiente móvel, o que importa é o conteúdo e não o display".46

Uma experiência no mercado brasileiro que explora bem o aspecto de instantaneidade é a aplicação Wireless Broadcast, oferecida pela Agência Estado para o setor financeiro, segmento onde a rapidez é fundamental para o sucesso das operações. Através de computador de mão, profissionais de bancos brasileiros podem ter informações financeiras em tempo real. Em matéria do dia 13 de março de 2002, do jornal O Estado de São Paulo, a empresa explica a impacto desta inovação tecnológica no conteúdo produzido pela Agência Estado: "O Broadcast é um serviço especializado em informações em tempo real, com cobertura mundial para o Brasil, que oferece ainda análises financeiras, gráficos, cotações de bolsa e outros indicadores, e que anteriormente só estava disponível em rede fixa. Por essa razão, o Wireless Broadcast tem por objetivo auxiliar executivos na tomada de decisões que envolvam consultas de notícia e proporcionar agilidade ao processo de trabalho".

Apesar destas experiências práticas, existem ainda limitações comerciais (preço dos celulares e alternativas de receita para esta nova mídia) e técnicas (cobertura de redes celulares e viabilidade tecnológica) que não foram levantadas neste artigo. Mas por todos estes elementos é que VILLELA47 afirma não saber exatamente qual será o futuro do jornalismo nos meios digitais emergentes: "O certo é que novos formatos aparecerão, muitos dos quais sequer conseguimos imaginar". Contudo, CORRÊA assume que uma empresa jornalística "vincula-se à variável tecnológica, seja como usuária, como geradora e como veículo das novas tecnologias de comunicação, e que, portanto, deverá ter definidas, implícita ou explicitamente, estratégias tecnológicas de comunicação".48

Conclusão

Este panorama teve o objetivo de mostrar a relação entre o jornalismo e as tecnologias de informação em tempo real. Desde o telégrafo, que mudou as características do jornalismo; passando pelo o telefone e o rádio, sucessores do telégrafo e precursores da sociedade da informação e do espetáculo; até chegar nas tecnologias digitais e o advento da internet e da internet móvel, o jornalismo sempre abriu novas fronteiras na sua cadeia produtiva, seja nos aspectos de definição de pauta, apuração da notícia, ciclo do processo de produção e na difusão do conteúdo produzido.

Apesar das especulações e falsas expectativas que se abrem a cada ciclo tecnológico, a prática jornalística tem se mostrado adaptável a estas inovações e - assim como no advento do telégrafo e da internet - a computação móvel também oferece possibilidades concretas para a difusão de informação jornalística on-line, com aspectos bem particulares de suportes móveis como celulares e computadores de mão. As experiências demonstradas neste artigo mostram as tendências de exploração, embora o debate esteja aberto para muitas outras idéias que ainda não foram cogitadas.

Não vamos arriscar, portanto, qual será o novo termo definitivo deste último ciclo de mídia, ainda muito calcado na própria Internet. Mas ficamos com as palavras de STANDAGE, citadas por RHEINGOLD,49 que "a Internet está ainda no estágio telegráfico de desenvolvimento, no sentido que a complexidade e o preço dos PCs evitam que muitas pessoas os utilizem. O telefone celular assim promete fazer para a internet o que o telefone fez para o telégrafo: fazer deste uma tecnologia protagonista. (...) A internet móvel, ao invés de ser baseada na mesma tecnologia da internet fixa, será algo diferente e será utilizada em novos e inesperados caminhos".

Referências bibliográficas

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14 - RHEINGOLD, Howard. Smart Mobs: The next social revolution. Cambridge: Perseus Books Group, 2003.

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18 - STANDAGE, Tom. The Victorian Internet. New York: Berkley Book, 1998.

19 - TAURION, Cezar. Internet Móvel; tecnologias, aplicações e modelos. Rio de Janeiro: Campus, 2002.

20 - VILLELA, Fernando. O lead do próximo milênio in CALDAS, Álvaro (org.). Deu no Jornal: jornalismo impresso na era da internet. Rio de Janeiro: PUC-Rio - Loyola, Rio de Janeiro, 2002.

Notas

1. Janet MURRAY, Hamlet on the holodeck: the future of narrative in cyberspace, p. 67.

2. Heitor MATALLO JR, "A explicação científica", in: CARVALHO, M.C.M (org.), Metodologia Científica: fundamentos e técnicas: construindo o saber, p. 60.

3. Marcelo COUTINHO, Comunicação e Negócios na Sociedade Digital, in: Curso de pós-graduação - Fundação Cásper Líbero, p. 26.

4. Tom STANDAGE, The Victorian Internet.

5. ibid., p. 147.

6. ibid., p. 48.

7. ibid., p. 74.

8. ibid., p. 86.

9. ibid., p. 85.

10. ibid., p. 88.

11. Tom STANDAGE, The Victorian Internet, p. 90.

12. ibid., p. 97.

13. Para se ter uma idéia da importância desta previsão, Benett foi um dos jornalistas que inaugurou na imprensa o gênero "entrevista".

14. ibid., p. 149.

15. ibid., p. 151.

16. ibid., p. 150.

17. ibid., p. 150.

18. ibid., p. 173.

19. Jeanne Marie Machado FREITAS, Ciências da Linguagem: contribuição para o estudo dos mídia, in: Revista Comunicação e Artes, p. 20.

20. STANDAGE, op. cit., p. 199.

21. ibid., p. 199.

22. ibid., p. 198.

23. ibid., p. 200.

24. Angelo BRUNERO. The invention of the radio. Disponível em:
http://www.alpcom.it/hamradio/radeng.html

25. COUTINHO, Marcelo. Op. cit., p. 21.

26. Ibid., p. 25.

27. Ibid., p. 26.

28. Manuel CASTELLS, A sociedade em rede, p. 61.

29. MITS: sigla da empresa Microinstrumentation & Telemetry Systems, do Albuquerque, Novo México, EUA.

30. CASTELLS, Op. cit., p. 61.

31. Rheingold, Howard. Tools for Thought, passim.

32. CASTELLS, Op. cit., p. 375 a 376.

33. Manuel CASTELLS, A sociedade em rede, p. 376 a 377.

34. CASTELLS, Op. cit., p. 51.

35. Nancy Nayen Ali RAMADAN, Jornalismo na era digital: construindo uma filosofia de ensino, p. 147.

36. ibid., p. 147.

37. COUTINHO, Op. cit., p. 28.

38. Pollyana FERRARI, Jornalismo Digital, p. 22.

39. Nicholas NEGROPONTE, Being Digital, passim.

40. J. F. LYOTARD, O inumano: considerações sobre o tempo, p. 55 a 64.

41. Valdemar SETZER, Dado, informação, conhecimento e competência.

42. Cezar TAURION, Internet Móvel; tecnologias, aplicações e modelos, passim.

433. Marco Toledo de Assis BASTOS, Um Tabernáculo Digital: Telespcções, Convergências e Interatividade, disponível em:
http://www.eca.usp.br/nucleos/filocom/ensaio1.html

44. Fernando VILLELA, O lead do próximo milênio in CALDAS, Álvaro. Deu no Jornal: jornalismo impresso na era da internet.

45. Cezar TAURION, Op. cit.., p. 69.

46. TAURION, Op.cit., p. 75.

47. Fernando VILLELA, O lead do próximo milênio, in CALDAS, Álvaro (org.), Deu no Jornal: jornalismo impresso na era da internet.

48. CORRÊA, Op. cit., p. 7.

49. Howard RHEINGOLD, Smart Mobs, p. 1.

*Paulo Henrique de Oliveira Ferreira é mestrando na ECA-USP.

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