Novembro de 2011
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ISSN 1806-2776
 
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ARTIGOS

Liberdade de expressão
Dos interditos aos direitos

Por Eulália Emilia Pinho Camurça*

RESUMO

O direito de se expressar livremente, construído e consagrado nas mais diversas constituições do mundo, é resultado de muitas lutas travadas pelo desejo de ser ouvido e ouvir, de ter acesso a informações e de produzi-las. Mas os mesmos países que o colocaram num status de direito fundamental também apresentam violações ao direito.

Especificamente quando se trata dos meios de comunicação, um dos importantes expoentes da liberdade de expressão, pois são eles que contribuem informar e formar de cidadãos, um papel importante em qualquer estado democrático.

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É na arena midiática, seja ela nos jornais impressos, televisão ou Internet, que os fatos ganham visibilidade, sentido. Por isso, as questões fundantes deste artigo são: Como se define a liberdade? Como a liberdade se constituiu como um direito? Como a Constituição brasileira a declarou um direito humano e que limites estabeleceu para ela? Enfim, o estudo é um desafio de pensar a liberdade de expressão que tanto é exaltada e tanto é ameaçada em todo o mundo.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Fundamentais / Liberdade de Expressão / Comunicação

1. Liberdades, direitos e expressões

Na sociedade da informação, o direito à liberdade de expressão contribui para a qualidade democrática por ser plataforma para a multiplicidade de vozes na esfera pública e por estimular que os cidadãos se tornem conscientes para dirigir suas próprias questões, o que faz com que tribunais nacionais e internacionais busquem promover diversidade de diálogos. Afinal, quanto mais idéias e opiniões circulam, mais amplo é o acesso a informações pela sociedade, que também deve ter o direito de levar o seu pensamento para o conhecimento de todos.

A livre manifestação do pensamento está configurada na Constituição Federal como direito fundamental, implicando que o direito de informar e ser informado pode ser convertido em elementos essenciais da sociabilidade humana. O direito à liberdade de expressão inclui a liberdade de manifestar a opinião, a consciência, a idéia, a crença e os juízos de valor pela palavra escrita oura, da imagem ou de qualquer outro meio de difusão sem impedimento ou discriminação.

A efetivação dos direitos fundamentais na experiência cotidiana está diretamente associada às dinâmicas social e política da vida democrática. Ao passo em que é conferida visibilidade aos sujeitos e também ao processo de construção de novos direitos, torna-se fundamental a valorização do exercício da liberdade de expressão.

Historicamente, os direitos nascem a partir das lutas em defesa das liberdades. E,contemporaneamente, as inovações tecnológicas propõem desafios sobre o que fazer num momento em que tantos atores estão ocupados com a promoção e a garantia da tais direitos em redes de convivência e códigos de sociabilidade.

Em todo o mundo há retrocessos e posturas de vigiar e reprimir de Estados autoritários em arenas políticas que instigam o silêncio, mesmo quando restrições ao direito da liberdade de expressão devem satisfazer apenas o interesse público e imperativos objetivos da coletividade, com a menor interferência possível. Sublinha-se aqui a colisão com outros direitos, como a intimidade, a honra e a dignidade humana, que devem ser preservados.

Nestes nós das teias constitucionais, a amplidão do verbo pode redesenhar a forma como se realizam os desejos de liberdade para se harmonizar o bem comum. Nesta linha, o objetivo principal deste trabalho é investigar como a liberdade se constituiu não apenas como um tema intrigante para filósofos, sociólogos ou juristas, mas como fonte de um direito fundamental e universal que atinge diretamente o fazer jornalístico.

Por que é tão importante compartilhar expressões sentimentos, idéias por meio das palavras? Antes de iniciar este estudo, torna-se importante compreender a idéia de liberdade, que intrigou a tantos pensadores nos mais distintos períodos da história da humanidade. Para Alexandre Carrasco, perguntar sobre a liberdade é perguntar sobre si mesmo. E é justamente por isto que é tão difícil defini-la. “A liberdade está de tal modo confundida em nossa experiência cotidiana e imediata, na experiência intuitiva de nós mesmos, que não nos furtamos a continuamente invocar seu nome, protestar por sua falta ou afirmar suas potências nas mais diversas situações”. [1]

Para o filósofo, ela não se repertoria apenas no fazer o que se quer, mas na ausência de constrangimento para ações. “Somos livres, ao que parece, mas nunca definitivamente livres; nossa liberdade está sempre em risco e parece próprio da experiência da liberdade permanecer irresoluta”. [2]

Então, de um lado ficam as leis, as normas e de outro a subversão. O existencialista Jean Paul Sartre levantou o paradoxo: “o homem está condenado a ser livre”. [3] O filósofo pensa a liberdade como a falta de impedimento para o homem realizar o que quer. Apenas a morte seria este impedimento, afora ela, o homem seria absolutamente livre.

Ao analisar como a concepção do termo ganhou diferentes sentidos ao longo da história, Fábio Konder Comparato lembra que para os gregos e romanos, “a liberdade dizia respeito, unicamente, à vida coletiva”. Somente no século XVIII, ela foi redescoberta e afirmada, como “um status independência do indivíduo, de defesa da vida íntima ou particular contra a indevida interferência dos poderes constituídos, sejam eles políticos ou religiosos”. [4]

No mundo moderno, Montesquieu, sintetizou: “não há palavra que tenha tido mais significações diferentes, e que tenha marcado os espíritos de tantas maneiras como esta”. [5] E acrescentou:

A liberdade só pode consistir em podermos fazer o que devemos querer e em não sermos obrigados a fazer o que não devemos fazer. Devemos ter bem claro o que é independência e o que é liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; e, se um cidadão pudesse fazer o que proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder. [6]

Reformadores como Lutero negaram a liberdade humana colocando os desejos sob a escravidão de Deus. Hobbes aderiu à idéia de inexistência e livre arbítrio, visto que seria uma contradição à onipotência e liberdade divina. A liberdade não se confundiria com o querer, mas com o poder de agir, a ausência de qualquer impedimento externo à ação humana em qualquer campo.

O século XIX trouxe o materialismo científico por meio de Kant, que influenciado por Jean-Jacques Rousseau, defendeu a idéia de liberdade contra reducionismos religiosos e utilitaristas. Em todos os tempos tem sido a causa das maiores conquistas do ser humano. [7]

Na contemporaneidade, Dworkin distingue a liberdade como licença, que permite a uma pessoa fazer o que tenha vontade independente de restrições sociais ou jurídicas; e a liberdade como independência, segundo a qual uma pessoa tem status de igualdade e independência, não de subserviência. A primeira é diminuída por leis prescritivas.

Portanto, se alguém “defende a liberdade de expressão. Por exemplo, por meio de algum argumento geral em favor da licença, então seu argumento se apóia, pelo menos pro tanto, a liberdade de formar monopólios ou de apedrejar lojas”. [8]

A liberdade seria então ausência de frustração ou de obstáculos às escolhas. Até porque ela é reduzida quando o homem é impedido de falar como deseja e até mesmo quando ele é proibido de difamar pessoas. Para um verdadeiro liberal qualquer restrição deve ser lamentada e limitada ao mínimo necessário para se harmonizar com demais direitos.

Esta liberdade referida por filósofos e juristas se desdobra em várias e inclui a liberdade de pensamento, de opinião, de expressão. Em nome dela, todo um sistema de direitos humanos foi erguido e historicamente construído em oposição aos ditames de leis ou costumes locais, nacionais, regionais ou internacionais. Os grandes mártires dos direitos humanos, em toda história moderna não hesitaram em dar suas vidas, nas suas campanhas de oposição às leis ou costumes que consideravam degradantes da pessoa humana. “Eles nos legaram o precioso exemplo de pessoas eminentemente livres, que não se desdobram diante das coações contra eles despejadas pelo poder estabelecido”. [9] São estas conquistas que serão vistas a seguir.

1.1. A expressão como direito

A prática política das declarações de direitos ocorre em ocasiões muito precisas. Isso porque acontece em momentos de profunda transformação social e política, “quando os sujeitos sócio-políticos têm consciência de que estão criando uma sociedade nova ou defendendo a sociedade existente contra a ameaça de extinção”. [10] Antes de chegar ao momento contemporâneo, um passeio pelas origens sociais de lutas pelo direito de se expressar revela atores que contribuíram para a compreensão da liberdade de expressão como um direito humano.

Para Jónatas Machado [11] o ponto de partida da liberdade de expressão poderia incluir referência aos profetas do Velho Testamento, aos filósofos sofistas gregos, que apregoavam e discutiam concepções do mundo em praça pública. Todavia nem um nem outro conseguiu definir a realidade comunicativa de seu tempo e da história do ocidente, muito menos afastar concepções com cunho teocrático que ainda compreendiam a comunidade como uma unidade político-espiritual na qual o respeito pela consciência individual não tinha lugar. O que acabariam por justificar a adoção de práticas de censura.

No moderno sistema constitucional, a liberdade de expressão sustentada pelo autor pretende desbloquear os canais de comunicação em todos os domínios da vida social, não apenas em nome da autonomia individual e coletiva, mas também da voluntariedade da interação social. O fato de ser uma realidade sistêmica faz com que a comunicação não seja confinada apenas à livre expressão individual.

Isto se justifica pelo fato de que a esfera da discussão pública encontra-se cada vez mais lugar na dinâmica comunicativa de todos os sistemas “possibilitando produção, partilha, processamento e aplicação de novas idéias e informações de todos os subsistemas sociais surgem numa situação de visibilidade e de exposição à crítica”. [12] Assim, a chamada esfera pública expande-se para todos os domínios da vida social e faz com que as mais diversas formas de discursos circulem no espaço público, onde, no dizer de Hegel, [13] coexistem toda verdade e toda falsidade.

Passados séculos de civilização, a questão ganhou contornos e modelos distintos, especialmente com a criação da Imprensa. Da Ágora grega, em que as pessoas iam para compartilhar pensamentos para mediação pelos meios de comunicação. Assim, o direito fundamental exercido pelo homem desde os tempos remotos assume caráter de poder audiovisual.

1.2. História social da liberdade de expressão

A Inglaterra foi pioneira na proteção da liberdade de expressão e de comunicação. Em 1695, o parlamento britânico decide não renovar o chamado Licensing Act, que estabelecia censura prévia. [14] Porém, antes, o País foi palco de uma grande luta pela conquista da liberdade, como revela Nelson Traquina: [15]

A luta pela liberdade começa com a luta contra a censura de um poder político absoluto, sob forma de monarquia, na esmagadora maioria dos países. Quando Jonh Milton publica seu manifesto contra a censura, intitulado Aeropagítica, em meados do século XVII, já tinha havido mudanças importantes no Ocidente desde a invenção de Gutemberg no século XV... Na Inglaterra, a censura seria abolida em 1695, e a completa eliminação de controle da reportagem parlamentar, em 1771. Na França, a luta contra a censura seria um dos objetivos da revolução de 1789, havendo, no entanto, fortes ataques e mesmo supressão das liberdades individuais fundamentais do século XIX... Independentemente do tipo de lei, a imprensa se havia estabelecido por volta de 1900 como uma força social que deveria ser avaliada em uma democracia futura, tanto quanto sido em um passado autoritário. (grifos nossos).

O texto de John Milton refere-se à liberdade de imprimir sem licença e abre caminho para a consagração da liberdade expressão nas revoluções liberais. Até porque, naquela época, não existiam jornais na Inglaterra.

A obra foi publicada no momento em que presbiterianos tentavam impor suas idéias às questões políticas e religiosas. O título do panfleto refere-se ao texto Aeropagitucis do orador ateniense Isócrates responsável por denunciar o excesso de liberdade dos cidadãos de Atenas e demandar que democracia ateniense fosse composta apenas por cidadãos qualificados, defendendo a aristocracia. Alguns consideram a publicação de Milton um dos documentos mais importantes da história da liberdade, uma defesa apaixonada pela circulação de idéias e da necessidade de tolerância religiosa. Porém, naquela época as palavras de Milton não surtiram efeito diante da censura prévia aos livros na Inglaterra, que só foi abolida em 1694, 50 anos depois.

Quando as reclamações são livremente expostas, atentamente examinadas, e rapidamente ouvidas, então a última fronteira da liberdade civil será alcançada, aquela que os homens sábios buscam... Por que os livros não são coisas absolutamente mortas; contêm uma espécie de vida em potência tão prolífica quando a da alma que os engendrou. E mais: representam como um frasco, o mais puro e eficaz extrato do intelecto de que os produziu. [16]

Para Milton, os livros são fecundos e semeados para fazer nascer homens armados. O progresso não é acompanhado da censura que traz na sua esteira muitas outras espécies de censura, que “nos fariam ao mesmo tempo ridículos, cansativos e frustrados”. O conformismo, para ele, petrificaria o homem que ficaria reduzido a uma carcaça como a que nenhum frio seria capaz de congelar. “Onde é grande o desejo de aprender, é também grande a necessidade de discutir, de escrever, de ter opinião. Porque a opinião, entre os homens de valor, é conhecimento em formação”. [17]

A liberdade é interpretada por ele como a matriz de todos os grandes talentos. Ela é capaz de purificar e iluminar os espíritos, tal como a “influência dos céus”. Emancipa e eleva as preocupações em graus acima delas mesmas. Ao final, dirige-se ao Parlamento, sugerindo que os parlamentares não podem fazer os ingleses menos capazes, sábios ou interessados na busca pela verdade.

Conclui que sem a liberdade há espaço para a ignorância e o embrutecimento. “Dai-me liberdade para saber, para falar e para discutir livremente, de acordo com a consciência, acima de todas as liberdades”. [18] É o espaço livre de debates que sopra a verdade do campo. Seria injurioso então licenciar e proibir. A refutação da verdade, para Milton, é a mais eficaz de suas proibições.

O mal de silenciar uma expressão de uma opinião é o de espoliar a raça humana tanto na posteridade, quando na geração presente. Achando-se a opinião correta, trocar-se-ia o erro pela verdade; achando-se a incorreta, produziria colisão com o erro. John Stuart Mill definia a liberdade de expressão como liberdade de pensamento e discussão:

Se a nociva operação da ausência de livre discussão, quando verdadeiras as opiniões admitidas, se limitasse a deixar os homens ignorantes quando a seus fundamentos, poder-se-ia pensar que isto, se é um mal intelectual, não o é moral e não afeta o valor das opiniões, consideradas sobre o caráter. Na ausência de discussão, não apenas se esquecem os fundamentos da opinião mas, com demasia freqüência,o significado da própria opinião. As palavras que a transmitem cessam de sugerir idéias ou sugerem só pequena parte das originalmente comunicadas. [19]

Para ele, qualquer ato pode ter efeitos importantes para os outros. Assim, é importante educar os impulsos para subordinar objetivos pessoais aos objetivos da sociedade. É preciso partilhar os princípios da liberdade individual e a igualdade social. Por isto, não existe um direito geral à liberdade, mas direitos precisos a certas liberdades, “tais como a liberdade de expressão e de escolha em nossas relações pessoais e sexuais”. [20]

Mill ofereceu uma justificativa mais fundamental para o direito à livre expressão ao dizer que se alguém é livre para propor qualquer teoria de moralidade privada ou pública, não importa quão impopular ou absurda ela seja. O próprio mercado das idéias fará com que a verdade surja. “A comunidade como um todo estará em melhor situação do que estaria se as idéias impopulares fossem censuradas... A teoria de Mill protege não só ao público, mas também quem fala”. [21] E estas teorias que protegem a quem fala apresentam argumentos a favor da liberdade de expressão.

Em 1776, no Bill of Right da Virgínia estabeleceu uma norma de competência negativa que impedia o Congresso de emanar qualquer lei limitadora da liberdade não só de expressão, mas também de imprensa. Vinte e dois anos depois, o Congresso aprova o Sendition Act, tornando o direito de escrever, imprimir, proferir ou publicar materiais de conteúdo falso, escandaloso contra órgãos legislativos e executivos ilegal. As lutas que se travaram em nome da liberdade consolidaram o entendimento de que a “autodeterminação democrática de um povo depende da existência e manutenção de uma esfera de discurso público livre e aberta”. [22]

2. A liberdade do verbo ao redor do mundo

O direito à liberdade de expressão ganhou lugar central no processo de constitucionalização dos direitos fundamentais. “Isto em boa parte graças à sua função instrumental relativamente à afirmação da liberdade individual de pensamento e de opinião e à garantia de autodeterminação democrática da comunidade política globalmente considerada”. [23]

Um dos grandes impulsionadores da liberdade de expressão foi o liberalismo, já que para fazer circular produtos, era preciso ampla circulação de idéias. “Foi nessa circunstância que surgiu a liberdade de imprensa como um direito do homem e, daí para a frente, exportou-se a conquista para outros países, ávidos também em respirar os ares liberais e libertários”. [24]

Ainda naquele período de efervescência intelectual, a Constituição francesa de 1793, determinava, em seu artigo 7º: “O direito de manifestar seu pensamento e opiniões, pela imprensa ou por qualquer outra via, o direito de se reunir pacificamente e o livre exercício dos cultos não podem ser proibidos”.

Passados alguns séculos, a questão da liberdade de expressão ganhou contornos ainda mais mundiais. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotado e aberto a assinaturas pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, em dezembro de 1966, prescreve em seu artigo 19: ninguém poderá ser molestado pelas suas opiniões. Determina ainda que toda e qualquer pessoa terá direito à liberdade de expressão, inclusive o direito de procurar, receber e difundir informações e idéias de toda espécie, sem consideração de fronteiras, sob forma escrita ou oral, impressa ou artística, ou por qualquer outro meio a sua escolha.

Mas também impõe limites: o exercício das liberdades pode, em conseqüência, ser submetido a certas restrições, as quais, todavia, devem ser expressamente previstas em lei e serem necessárias para: garantir o respeito dos direitos ou da reputação de outros e proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas.

Comparato [25] considera que, diante das redes eletrônicas de comunicação mundial, a idéia de fronteira evocada pelo artigo está claramente ultrapassada. Mesmo com transformações impensáveis provocadas por avanços tecnológicos, a responsabilidade pelo abuso da liberdade permanece íntegra. Para ele, a questão toda é criar, por via de acordos internacionais, mecanismos de responsabilização dos culpados pela violação dos bens ou valores, mencionados pela alínea 3. 

Ao analisar o artigo 19, Leonardo Boff considera que negar o direito de liberdade de expressão seria negar a humanidade singular do ser humano como um ser de fala. Fala que não é apenas um meio de comunicação, mas a maneira como o ser humano pensa, ordena o mundo e constrói continuamente a realidade. “É pela fala que surge a consciência e a inteligência”. [26]

O direito à liberdade de expressão está dentro do direito à vida urdida de fala e comunicação. Tanto que, quando se instalam ditaduras, uma das primeiras providências é silenciar pessoas e tolher delas as palavras. Da mesma maneira, a primeira manifestação de poder dos oprimidos é, quando recuperam a fala, gritar seus direitos. “É pela fala e pela ação comunicativa que os seres humanos engendram a sociedade, constroem seus consensos e mantém sob permanente controle os mecanismos de gerenciamento e poder”. [27] É um processo recorrente de construção e reconstrução da essência humana.

Na América Latina, em Bogotá, a Declaração Americana dos Direitos do Homem, aprovada no mesmo ano, também trata da questão no artigo 4º: “Toda pessoa tem direito à liberdade de investigação, de opinião e de expressão e difusão do pensamento, por qualquer meio”.

A primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos também se voltou para a questão: "O congresso não deve fazer leis a respeito de se estabelecer uma religião, ou proibir o livre exercício das mesmas; ou diminuir a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou sobre o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações por ofensas." Ela surgiu em um caso em que a Suprema Corte garantiu direito ao New York Times de publicar documentos secretos do governo. “Os ‘pais da Pátria’ deram para a imprensa livre a proteção de que necessita para cumprir seu papel essencial na nossa democracia”. [28]

Para Fiss, [29] a primeira emenda, é um comando para delinear a estreita fronteira em torno da autoridade estatal. Mas como sopesar a liberdade com a autonomia Estatal? Quando em vez o Estado defende a regulação do discurso em nome da liberdade e, assim, se torna inimigo da liberdade. Mas há momentos nos quais ele pode ser considerado amigo da liberdade. A idéia é controlar a escolha de pessoas “dentre pontos de vista contrapostos, favorecendo ou desfavorecendo um lado do debate”. Assim, cabe ao Estado ser um mediador, sensível às limitações que o tempo e o dinheiro impõem ao debate.

O que a democracia exalta não é simplesmente a escolha pública, mas a escolha pública feita com informação integral e sob condições adequadas de reflexão. Da perspectiva da democracia, não deveríamos reclamar, mas aplaudir o fato de que o resultado foi afetado (e presumivelmente melhorado) pelo debate aberto e completo. [30]

O autor considera que a sociedade civil deve ser vista como uma praça pública capaz de definir agendas públicas e redefini-las, sem interferência do Estado. Desta forma, ela  tornaria-se mais do que um encontro em praça pública e o Estado significativamente mais que um mediador. Esta deve usar seus poderes para promover objetivos situados no coração de uma democracia em que a igualdade e liberdade de expressão são centrais. “A teoria democrática da primeira emenda exalta o direto público de saber e ser informado, e esse direito pode ser satisfeito adequadamente sem assistência de fundo público de estabelecimentos como a televisão e cinema”. [31]

A primeira emenda é redigida em termos negativos, ou seja, prevê que o Congresso não deve fazer qualquer tipo de que limite à liberdade de imprensa. Obrigações podem surgir destas provisões redigidas em termos negativos, mas estas são de natureza corretiva e condicionadas à demonstração de que uma agência estatal violou a provisão. O Estado alocador passaria ao mesmo patamar do Estado regulador; a liberdade de imprensa terá sido reduzida à liberdade de iniciativa, e o destino da nossa democracia terá sido colocado inteiramente nas mãos do mercado. [32]

Nós devemos aprender a abraçar uma verdade que é cheia de ironia e contradição: que o estão pode ser tanto um inimigo como um amigo do discurso; que ele pode fazer coisas terríveis para enfraquecer a democracia, mas também coisas maravilhosas para fortalecê-la. Esta, eu receio, é uma verdade complicada, muito mais complicada do que temos permitido admitir por um longo tempo, mas que ainda, eu espero, não está além do nosso alcance. [33]

Saindo dos Estados Unidos e partindo para a positivação regional, destaca-se a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de San José de Costa Rica, de 1969, adotada e também aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos, convenciona no artigo 13:

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:
a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão da informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

4. A lei pode submeter os espetáculos públicos à censura prévia com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles para a proteção moral da infância e da adolescência sem prejuízo no disposto no inciso 2.

5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitui incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou a violência (FARIAS, 2004, p. 62).

Em Conferência da Unesco realizada em Paris, em 1979, foi promulgada uma nova ordem mundial da informação e da comunicação, mais justa e equilibrada. Isso em um contexto em que já surgiram novas facetas da liberdade dos meios de comunicação.

Nessa Conferência foi criada a Comissão Internacional de Estudos de Problemas de Comunicação, que atribuiu os seguintes princípios o direito a saber, a ser informado e a procurar livremente qualquer informação que deseja obter, principalmente quando se refere à vida, ao trabalho e às decisões que se fazem necessárias adotar tanto individualmente quanto como membro da comunidade. A negativa de comunicar uma informação ou divulgação de uma informação falsa ou deformada constitui uma infração deste direito.

Inclui ainda o direito de o indivíduo transmitir aos outros a verdade tal como a recebe, sobre suas condições de vida, suas aspirações, suas necessidades e suas queixas. Infringe-se esse direito quando se reduz o indivíduo ao silêncio mediante intimidação ou sansão, quando se nega a ele o acesso a um meio de comunicação.

E ainda o direito a discutir, tendo em vista que a comunicação deve ser um processo aberto de resposta, reflexão e debate. Esse direito garante a livre aceitação das ações coletivas e permite ao indivíduo influir nas decisões que toma os responsáveis. [34]
A liberdade de expressão originou duas espécies muito próximas: a liberdade de imprensa e o direito à informação. Enquanto a liberdade de expressão envolve a prerrogativa do Estado de não interferir na faculdade do pensar nas mais variadas manifestações humanas, a liberdade de informação tem mais limites impostos, como se verá adiante. Porém, nenhuma delas é imune ao controle, nenhuma se constitui de direito absoluto.

Como se pode perceber, o fluxo da liberdade de expressão e comunicação ganhou em muitas lutas travadas nas mais diversas arenas mundiais. Nesse contexto em que a informação tem escala global, foram sendo contornados modelos distintos de previsões constitucionais para enfrentar o crescente fluxo de informações mediadas. Agora, é necessário sair do campo mundial e reconhecer como a Carta Brasileira se portou diante dos meios de comunicação. 

3. O olhar da Constituição brasileira

A liberdade de expressão ganhou status constitucional há poucos séculos, com as revoluções americana e francesa, como já se analisou. No Brasil, a Constituição Federal deu proteção jurídica às opiniões dos cidadãos para que eles pudessem dividi-las abertamente e com quem tivessem interesse depois de duas décadas de ditadura militar.

A democracia permitiu que as pessoas escolhessem a forma de vida que desejam viver, pressupondo um contexto de debate público desinibido, robusto e plural. Por vezes, o Estado silencia vozes de alguns para ouvir vozes dos outros.

O primeiro parâmetro constitucional da liberdade de expressão começa com a exposição de que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado do anonimato”, prescrito como direito fundamental no artigo quinto da Constituição Federal. Determinação que impõe diferentes resultados nas manifestações humanas: “De todas as liberdades, a do pensamento é a maior e a mais alta. Dela decorrem todas as demais. Sem ela todas as demais deixam mutilada a personalidade humana, asfixiada a sociedade, entregue à corrupção do Estado”. [35]

A preocupação com essa liberdade de expressão é uma tradição constitucional na história do Brasil. Ainda na Carta Imperial, de 1824, já havia previsão legal para a liberdade de pensamento, como estava prevista no art. 179, IV: “Todos podem comunicar os seus pensamentos, por palavras, escritos, e publicá-los pela Imprensa, sem dependência de censura”. As Constituições que vieram depois mantêm até mesmo com pouca variação na redação, o princípio protetor dos modos de emissão do pensamento.

Farias observa que a cobertura da liberdade de comunicação pela Constituição Federal segue os modelos de regulação da matéria, fornecidos pelas constituições contemporâneas, como a espanhola, e pelos documentos internacionais. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 tratou sobre a informação jornalística em dois tópicos distintos e correlatos, nos títulos referentes aos direitos e garantias individuais. A Carta Magna garante livre expressão de pensamento e ampla comunicação de informações, porém com restrições expressas e tácitas, que serão vistas ao longo deste trabalho, como revela Farias: [36]

Se, por um lado, o texto constitucional assegura imunidade à liberdade de expressão e comunicação contra censura de qualquer natureza e proclama que nenhuma lei poderá embaraçar a comunicação social; por outro, além de prescrever restrições expressas à liberdade de expressão e comunicação, autoriza tanto o legislador como o Judiciário a estabelecerem restrições à liberdade de expressão e comunicação quando necessárias para proteger direitos fundamentais ou resguardar outros valores constitucionais.

A previsão constitucional baliza o direito de informação como direito fundamental em seu duplo aspecto. O primeiro é relativo à própria liberdade de comunicação, considerado um direito ativo, que deve ser exercido sem ameaça de nenhum tipo de censura ou retaliações. O segundo aspecto trata do direito de ser informado, um direito passivo. No encontro destes aspectos é que se complementa a atribuição dos meios de comunicação em suas diversas matizes, que vai desde a interpretação da realidade até formação do público apto a participar e discutir diante do processo democrático.

A garantia constitucional da liberdade de comunicação social, descrita no artigo 220, é uma conseqüência da norma prevista no art. 5º, IX, que consagra a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença. A Constituição Federal regulamenta o sentido mais estrito da noção de comunicação: jornal, revista, rádio e televisão.

A manifestação do pensamento, criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado disposto na Constituição, que proíbe: edição de lei que contenha dispositivo que possa construir veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XII e XIV; toda e qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística. [37]

A órbita constitucional também oferece refúgio à liberdade de comunicação em todas as atribuições de procurar, acessar, receber e difundir fatos, notícias ou informações. O artigo 5º é bastante claro ao determinar: é livre a atividade de comunicação. É importante perceber o difusor de conceitos entre liberdade de expressão e de comunicação. A primeira é uma proteção jurídica relacionada a elementos subjetivos, como pensamentos, idéias, opiniões. A segunda, diz respeito apenas a elementos objetivos como fatos, notícias ou informações.

Um ponto importante da liberdade de informar é o compromisso com a veracidade, com a apuração correta da informação difundida porque sem informação correta não há cooperação dos cidadãos nas decisões democráticas. Moraes adianta que a Constituição não protege informações “levaniamente não verificadas ou astuciosa e propositadamente errôneas, transmitidas com total desrespeito à verdade”, pois as liberdades públicas não podem prestar-se a tutela de condutas ilícitas. E acrescenta:

A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não só as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também aquelas que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe a partir da consagração do pluralismo de idéias e pensamentos, da tolerância de opiniões e do espírito aberto do diálogo. [38]

Outro aspecto dessa trama constitucional é o direito fundamental de acesso à informação, essencial para a produção da informação, está estabelecido no artigo 5º, da Constituição, que revela: “é assegurado a todos o acesso à informação”. Assim, não deixa dúvidas que se trata de um direito fundamental pertencente a todos os cidadãos.

Mas cumpre notar que, embora não privativo dos operadores de comunicação social, o direito fundamental de acesso à comunicação é um direito indispensável para o exercício profissional dos comunicadores. Sem o livre acesso às fontes de onde provêm as notícias, haverá redução da circulação de informações, com comprometimento da atividade técnica de difusão de notícias e, em última instância, estará privada a sociedade do conhecimento de várias informações retidas nas fontes. [39]

O direito de ser informado encontra tutela no inciso IX do art. 5º, que inclui não apenas um interesse pela informação ou um direito moral de ser informado, mas um verdadeiro direito do destinatário das notícias de recebê-las, como alerta Farias: “Em razão a relevância da informação para o pleno exercício dos direitos sociais e individuais e para o bem-estar de uma sociedade fraterna é possível ainda apoiar o direito de ser informado em vários princípios fundamentais do ordenamento constitucional”. [40]

Lembramos aqui Paulo Bonavides, [41] segundo o qual só é possível fazer com que as garantias constitucionais sejam eficazes num ordenamento que concretize em toda plenitude os postulados do Estado de Direito, “sem os quais nem vinga a liberdade nem os direitos humanos têm adequada proteção”. Sem ter acesso a uma informação pluralista, o cidadão dificilmente terá como exercer com dignidade a sua cidadania e a soberania popular estará, irremediavelmente, esvaziada. Mas, como qualquer direito, possui limites.

4. Limitações ao exercício da liberdade de comunicação

São inúmeros os propósitos da liberdade de expressão, como cita Jónatas E.M. Machado: [42] “a verdade, uma livre circulação de idéias, a participação no processo de auto-determinação democrática, a proteção da diversidade de opiniões, a estabilidade social e a transformação pacífica da sociedade e da expressão da personalidade individual”.

Essa liberdade dá, inclusive, a prerrogativa de o homem ser soberano sobre si, na concepção de André Ramos Carvalho. [43] Segundo ele, não é à toa que as liberdades decorrentes dessa liberdade de expressão, como a liberdade de comunicação, de informação e de imprensa, sejam exercidas como “baluartes da busca do Homem por seu espaço próprio”.

Porém, a liberdade de comunicação não permite noticiar da maneira que se quer e no momento em que se achar oportuno. O próprio artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos considera: “Nada será objeto de ingerências arbitrárias em sua vida privada, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de ataques à sua honra ou a sua reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou ataques”.

Jabur compreende que “o direito de manter incólume o que quer e por que se quer, sem interferências ou pressões exteriores, que espezinham a dignidade e fulminam a serenidade de espírito, é direito personalíssimo sem cuja tutela, pronta e eficiente, os desideratos ou vocações humanas se comprometem até fenecerem”. [44]

Freitas Nobre [45] alerta para a necessidade de vigilância e limites diante de qualquer apelo social. Para ele, a liberdade ilimitada acaba por se distanciar do interesse social e do bem comum e isso não é conciliável com no mundo contemporâneo. “Se o pensamento é inviolável e livre, a sua exteriorização dever ser limitada pelo interesse coletivo, condicionando seu exercício ao patrimônio moral da sociedade, do Estado e dos próprios indivíduos”. Para Stuart Mill [46] a liberdade do indivíduo deve ser limitada quando constitui prejuízo para os outros.

Mas desde que se abstenha de molestar os outros no que lhe diz respeito, e simplesmente aja segundo a própria inclinação e juízo nos assuntos que lhe concernem, as mesmas razões , mostrando que a opinião deve ser livre, provam também que lhe deve ser permitido, sem estorvo, por em prática suas opiniões à própria custa. Que a humanidade não é infalível; que suas verdades, na maioria, são apenas meias verdades; que a unidade de opinião a menos que resulte da comparação mais plena e mais livre de opiniões opostas não é desejável... Até que a humanidade seja muito mais capaz do que agora de reconhecer todos os aspectos da verdade, são princípios aplicáveis a maneira de agir do homem, não menos que a suas opiniões.

Devido a todas essas questões, a ordem constitucional brasileira estabelece direitos e liberdades, mas nenhuma é absoluta e irrestrita, seja a liberdade de expressão e comunicação ou a inviolabilidade dos direitos à honra, à intimidade, vida privada e imagem. Mesmo tendo afastado qualquer tipo de censura aos meios de comunicação social, conforme o artigo 220, parágrafo 2º, foi estabelecido um sistema de restrições à liberdade de comunicação como salvaguardas à pessoa, à família, à sociedade, às instituições sociais e entre públicos, contra toda e qualquer expressão jornalística abusiva.

Existem ainda as proteções aos chamados direitos de personalidade, que permitem o livre desenvolvimento da individualidade física e espiritual do ser humano. [47] A idéia central orienta quem nem o Estado nem a sociedade deve intrometer na vida pessoal dos indivíduos. Por isto, o constituinte brasileiro, ao consagrar a liberdade de manifestação do pensamento vedou o anonimato, no intuito de reparar danos causados pela manifestação do pensamento.

No inciso V, a Constituição assegura o direito de resposta proporcional ao agravo, além das indenizações por danos materiais, morais ou à imagem. O objetivo é:

Permitir que, diante de informações falsas ou mentirosas divulgadas no exercício da liberdade de expressão capazes de ferir a reputação de determinado indivíduo, possa a vítima obter, no mesmo espaço onde foi publicada a ofensa, o direito de manifestar a sua versão para os fatos, de modo a corrigir as informações que foram eventualmente distorcidas pelo emissor da mensagem originária. [48]

O abuso do exercício do direito à manifestação do pensamento pode ainda configurar a prática de crimes punidos pelo Código Penal. Como é o caso dos crimes de injúria, calúnia e difamação. Os casos colocam em confronto os direitos da liberdade de expressão e os direitos de personalidade: a intimidade, privacidade, honra e imagem. Assim, não existem soluções permanentes, muito menos fáceis. Não é possível hierarquizar os direitos. Em algumas circunstâncias um terá mais peso que o outro.

Outro ponto relevante e que justifica a restrição ao direito à liberdade de expressão explica-se não só pela necessidade de harmonia entre os direitos individuais, mas também pela harmonia entre os próprios indivíduos. Para o André Ramos, seria contraditório se a liberdade de expressão, que é um direito engendrado pelo homem para assegurar e possibilitar sua autodeterminação individual, estivesse em contradição com essa mesma finalidade, atentando contra o desenvolvimento da personalidade individual e desrespeitando direitos essenciais à própria personalidade. 

Se a liberdade de expressão-comunicação encontra-se tutelada para, dentre outras finalidades, assegurar a formação da personalidade individual, seria insuportável que seu exercício engendrassem justamente o desrespeito aos direitos de personalidade e, ademais, provocasse com isso aquela formação por meio de divulgações viciadas, gerando uma mensagem implícita de que os direitos sempre podem ser violados. [50]

Mesmo diante de tantas prerrogativas, compreende que a liberdade de expressão não atende pelo nome de direito absoluto, não sendo pois irrestrita, não se advoga aqui a incolumidade ilimitada do que é do homem, de sua reputação ou privacidade, apenas dois exemplos.

Assim, a liberdade de expressão deve se curvar a outros valores, entre eles, a segurança, e, talvez, um interesse particular na reputação. “Em tais casos, as leis que proíbem ou regulam a expressão podem ter o resultado incidental de influir no veredicto do público sobre as autoridades ou sua política”.

5. Conclusões

Sabe-se que a liberdade de expressão é muito mais ampla do que o acesso à mídia nem se confunde apenas como liberdade de imprensa. Mas, como até mesmo já analisou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, os meios de comunicação são a fonte primordial do direito humano à liberdade de expressão.

Não basta apenas procurar, difundir e receber informações livremente, entre os indivíduos, mas é preciso ir além e garantir o direito na relação com intermediário que “potencializa radicalmente o alcance das opiniões, das informações e idéias: os meios de comunicação”. [51]

Percebe-se que a circulação das informações é essencial para incitar ações sociais, tornar transparente o funcionamento das instituições, fazer vigilância pública, enfim, trata-se de um instrumento de exercício da democracia. Tanto que não há poder sem imprensa nem imprensa sem poder. Ambos estão historicamente relacionados.

Kofi Annan, ex-presidente da ONU, assumiu que direitos humanos para todos é o desafio da agenda da atualidade. “Precisamos insistir para que haja maior respeito pelos direitos civis e políticos, para que se construam sociedades democráticas, de maneira que agravos e disputas, de maneira que agravos e disputas possam ser resolvidas pacificamente, para que uma imprensa livre e uma sociedade civil ativa possam fiscalizar a corrupção e o exercício ilegal do poder do Estado”. [52]

Parte dos marcos fundadores dos debates sobre direitos humanos dedicou-se ao tema da liberdade de expressão e sua relação com os meios de comunicação, que ganharam diferentes funções ao longo dos séculos nas sociedades. Funções estas ampliadas ao passo da evolução histórica da liberdade de expressão garantida por meio dos tratados internacionais, que possibilitaram a ampliação de manifestações em todo o mundo.

A comunicação prevista constitucionalmente é tida como o complexo e amplo processo que envolve troca de mensagens entre emissores e receptores, que inclui a difusão do pensamento; enquanto informação representa o conteúdo da comunicação. O direito fundamental de informar é importantíssimo para que o cidadão tenha participação na vida pública e para formar debates democráticos.

A liberdade de expressão surgiu como um direito individual, restrito à parcela culta da população, capaz de ler e escrever que tinha acesso aos livros e a publicações. Com a criação dos meios de comunicação, que possibilitavam o acesso à informação por meio de rádio, cinema, televisão, não se pode mais falar apenas no âmbito individual, mas coletivo.

O fazer jornalístico é considerado uma manifestação primária e principal da liberdade de expressão e pensamento. E essa liberdade é formadora de uma sociedade democrática, visto que uma sociedade que não está bem informada, não pode ser livre em sua plenitude.

NOTAS

[1] CARRASCO, Alexandre. Liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 11.

[2] Op. Cit. p. 16.

[3] Apud CARRASCO, Alexandre. Liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 11.

[4] COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 538.

[5] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. Do espírito das leis. Tradução: Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martin Claret, 2010. p. 166, grifos nossos.

[6] Op. Cit. p. 167.

[7] Op. Cit. p. 547.

[8] DOWKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 406.

[9] COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 538.

[10] CHAUÍ, Marilena.  Simulacro e poder: uma análise da mídia. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006. p. 95.

[11] MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 18.

[12] Op. Cit. p. 53.

[13] Apud MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 53.

[14] FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 58.

[15] TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século 20. São Leopoldo, Unisinos, 2001. p. 43.

[16] MILTON, Jhon. Aeropagítica: discurso pela liberdade de imprensa ao parlamento da Inglaterra. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p. 61.

[17] Op. Cit. p. 159.

[18] Op. Cit. p. 169.

[19] CAPALDI, Nicholas. Da liberdade de expressão- uma anotlogia de Stuart Mill a Marcuse. Trad. Gastão Jacinto Gomes. Rio de Janeiro: FGV, 1974, p. 25.

[20] DOWKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 426.

[21] DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. Luís Carlos Borges. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 575.

[22] MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 67.

[23] Op. Cit. p. 61.

[24] GRANDINETTI, Luís Gustavo; CARVALHO, Castanho. Direito de informação e liberdade de expressão. Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 84.

[25] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação história dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 315.

[26] BOFF, Leonardo. Direitos Humanos: conquistas e desafios. Brasília: Renovar, 1999. p. 254.

[27] Op. Cit. p. 255.

[28] KOVACH, Bill ; ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo- O que os jornalistas devem saber e o público exigir. São Paulo: Geração, 2003, p. 39.

[29] FISS, Owen. A ironia da liberdade de expressão. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

[30] Op. Cit. p. 55.

[31] Op. Cit. p. 57.

[32] FISS, Owen. A ironia da liberdade de expressão. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 134.

[33] Op. Cit. p. 144.

[34] FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

[35] BARBOSA apud FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. p. 153.

[36] FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 19.

[37] MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da Republica Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Altas, 2005, p. 123.

[38] MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da Republica Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Altas, 2005, p. 161.

[39] FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 165.

[40] FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 169.

[41] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10 ed. . São Paulo: Malheiros, 1999, p. 489.

[42] MACHADO, Jónatas E.M. in MARTINS, Ives Gandra da Silva ; PEREIRA JÚNIOR, Antônio Jorge (Cood.). Direito à privacidade. São Paulo: Idéias & Letras, 2005, p. 200.

[43] CARVALHO, André Ramos in in MARTINS, Ives Gandra da Silva ; PEREIRA JÚNIOR, Antônio Jorge (Cood.). Direito à privacidade. São Paulo: Idéias & Letras, 2005, p. 120.

[44] JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos da personalidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 100.

[45] Apud JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos da personalidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 189.

[46] MILL, Studart, in COPALDI, Nicholas. Da liberdade de expressão- uma antologia de Stuart Mill a Marcuse. Trad. Gastão Jacinto Gomes. Rio de Janeiro: FGV, 1974, p. 42.

[47] MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Altas, 2008, p. 115.

[48] Op. Cit. p. 116.

[49] TAVARES, André Ramos. Liberdade de expressão: comunicação em face do direito à privacidade. In: Martins, Ives Granda da Silva; Pereira Jr, Antônio Jorge (Coord). Direito à Privacidade. São Paulo: Idéias & Letras, 2005, p. 227.

[51] MENDEL, Toby; SOLOMON, Eve. Liberdade de expressão e regulação da radiodifusão. Rio de Janeiro: Unesco, 2011. p. 7.

[52] ANNAN, Kofi. Direitos Humanos: conquistas e desafios. Brasília: Renovar, 1999. p. 8 (grifos nossos).

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*Eulália Emilia Pinho Camurça é jornalista e advogada, mestranda em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará.

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro | ISSN 1806-2776 | Edição 14 | Novembro | 2011
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