Nº 12 - Nov. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



ARTIGOS
 

A práxis na televisão digital
O despertar do hipertelejornalista

Por Alan César Belo Angeluci e Cosette Espíndola de Castro*

RESUMO

Neste texto, os autores buscam evidenciar as transformações que estão em curso no perfil do profissional de televisão, sobretudo o jornalista, na medida em que avançam as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Tais mudanças atingem desde o campo da produção à recepção.

Imagens: Reprodução

Baseado no conceito de hipertelevisão de Carlos Alberto Scolari (2009), os autores propõem o despertar do hipertelejornalista, consciente e ativo diante das mudanças de sua práxis.

Nesse cenário insere-se o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) observado desde o ponto de vista econômico, social e cultural, que aparece como válvula propulsora do desenvolvimento de uma indústria tecnológica inovadora no país. Uma indústria que precisa correr para atualizar-se frente a digitalização que promete superar o atual modelo analógico de televisão.

PALAVRAS-CHAVE: Televisão Digital / Jornalismo / Hipertelejornalista

1. Introdução

Desde meados do século XX, a ciência e a tecnologia têm produzido transformações fundamentais nas relações humanas. Da combinação de conhecimento científico com desenvolvimento permanente de instrumentos e aplicações práticas, o homem tem experienciado uma penetração transversal das tecnologias nas práticas sociais e institucionais.

Nos termos de Vizer (2008), uma sociedade “sociotécnica”, em que as relações sociais se fazem condicionadas e contextualizadas por mediações tecnológicas. Tal perspectiva torna-se muito evidente quando, por exemplo, em uma simples busca no You Tube, é possível encontrar vídeos feitos coletivamente por crianças ou adolescentes, editados por elas mesmas, contando histórias muitas vezes non sense, porém carregadas de suas vivências e experiências pessoais. [1]

Se já vivemos em uma “sociedade da informação” [2] pautada pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), é preciso situar os meios de comunicação dentro das potencialidades de uma perspectiva também multimídia, convergente tecnologicamente, que abarque em toda a sua cadeia de produção as novas características que marcam essa transição pautada pelo processo de digitalização.

Além da melhoria na qualidade de recepção do sinal e da imagem, a televisão aberta brasileira deve oferecer a multiprogramação [3], acesso a internet (por meio do uso de uma caixa conversora do sinal), portabilidade e interatividade [4]. Os conteúdos, portanto, passam a ter novas linguagens, ritmos e rearranjos.

Embora as reflexões sobre Televisão Digital (TVD) no Brasil não sejam recentes e decorrem de anos de estudo, elas estavam mais presentes fora da área da Comunicação, já que os primeiros aspectos a serem pesquisados foram as questões tecnológicas relacionadas às Ciências Exatas. A grande reviravolta ocorreu com a mudança na política de implementação da TVD voltada para a democratização da comunicação e para a inclusão social em 2003.

Passados seis anos, o Brasil tem se afirmado na vanguarda da implementação das novas tecnologias na radiodifusão dentro da América Latina. Com os diferenciais da interatividade e interoperabilidade [5] a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T) tem logrado êxito com cronograma adiantado, processo nunca visto em nenhum outro país do mundo.

As reflexões, porém, sobre produção de conteúdos, sobretudo no que se refere às novas formas do fazer jornalístico, ainda são incipientes. O que se registra, por enquanto, são algumas experiências isoladas de protótipos para telejornal brasileiro baseados na tecnologia do SBTVD-T (CIRNE; FERNANDES; PÔRTO, 2009) [6]. O mais preocupante é verificar a inércia de muitos profissionais de televisão, sobretudo jornalistas, que ignoram por completo muitas das mudanças significativas em sua práxis.

Talvez, acima disso, esteja o fato de que esses profissionais não têm recebido em seus ambientes de trabalho quaisquer informações. Frente à convergência tecnológica e a transdisciplinaridade [7] que envolve o tema, as Ciências da Comunicação tem a oportunidade única de ser a vanguarda, posicionando-se sobre ele junto à comunidade para além do seu campo específico, dialogando inclusive com outras áreas, como a Informática, Engenharia, Design, Educação, entre outros.

2. Digitalização da televisão: um breve histórico

O avanço da indústria cultural [8] da Televisão no Brasil se deu na década de 50 com o investimento do então governo militar na importação de aparatos tecnológicos audiovisuais. Além do viés tecnológico, importou-se também o modelo de negócio estadunidense, pautado na produção de conteúdos voltados para o mercado e baseado na venda da audiência aos anunciantes (MATTOS, 2002). Diferente da Europa, o Brasil não desenvolveu um modelo público de televisão, mas um modelo aberto, de caráter privado e gratuito.

A utilização do videoteipe a partir da década de sessenta, a transmissão do sinal via satélite e a chegada dos padrões de cores para a televisão nos anos setenta exigiram dos produtores de conteúdo televisivos uma revisão da linguagem e dos formatos e uma postura menos precária e amadora. A integração do país por meio da formação das redes de televisão interessava aos empresários e ao governo militar – preocupado em colocar seu discurso em cadeia nacional para torná-lo hegemônico.

Foi necessária a otimização do processo de produção frente a um mercado em potencial que se desenhava. O resultado foi a consolidação de uma produção de conteúdos para televisão que colocou o Brasil entre os principais exportadores no mundo dessa matéria. Infelizmente, essa exportação de conteúdos ficou concentrada até o final do século XX em apenas uma única grande rede de comunicação: as Organizações Globo.

Apesar das melhorias técnicas, um significativo avanço tecnológico do país ocorreu no final do século XX com a chegada da Internet. Ela alterou de forma importante as relações políticas, econômicas e sociais a partir dos anos 90. A TVD é fruto dessa evolução e atualmente é a grande protagonista do espetáculo tecnológico em cartaz no país.

O caso do SBTVD-T é exemplar. Foi concebido com o auxílio de universidades e pesquisadores brasileiros, que juntos trabalharam na elaboração do projeto. Isso ocorreu desde a experimentação dos padrões existentes até a definição do middleware [9] Ginga – que permite, além da interatividade e mobilidade, a interoperabilidade entre os padrões – fator pelo qual foi premiado e reconhecido internacionalmente pela qualidade e inovação. O padrão também acaba de ser aprovado e recomendado pela União Internacional de Telecomunicações (UIT) [10].

O governo brasileiro está trabalhando para criar um sistema sul-americano de TVD com base no modelo nipo-brasileiro, demonstrando interesse na adoção de um mesmo padrão de TVD para os países da América Latina [11]. Além disso, há o desenvolvimento de uma política de inovação tecnológica em longo prazo interligada ao estímulo de uma indústria de conteúdos digitais, baseado não somente na TVD, mas também na convergência tecnológica entre outras plataformas – tema considerado estratégico em muitos países do mundo.

Uma das maiores vantagens do SBTVD-T é a interatividade que, segundo o Ministro das Comunicações Helio Costa, deverá estar disponível a população em até dois anos. A aposta do Governo está no desenvolvimento de aplicativos voltados à saúde, educação e outras oportunidades de informação e entretenimento. O Ministério tem até 2016 para desligar o sistema analógico, cobrindo até 2014 todo o território nacional com o sinal digital.

Vale lembrar, porém, que em países como os Estados Unidos houve atraso no cronograma [12]. De qualquer forma, como o processo de cobertura do território brasileiro está adiantado, acredita-se que o país esteja coberto totalmente até 2012.

Até agora já foram digitalizadas cerca de 20 capitais brasileiras e a expectativa é de que até o fim do ano todas as 27 já estejam recebendo o sinal digital.

3. Interatividade e novas formas de sociabilidade

Torna-se fundamental compreender a mudança que a sociedade contemporânea vivencia na percepção de duas unidades – tempo e espaço. É possível hoje estar em todos os lugares sem se mover por meio da virtualidade – seja por uma tela de computador, celulares ou TVD. Estão aí para comprovar o MSN, os torpedos de celulares, as videoconferências, os videojogos em rede, por exemplo.

Barbosa Filho e Castro (2008) falam das “novas formas de sociabilidade”, principalmente nas grandes cidades onde as relações sociais já eram escassas. A ênfase nas experiências virtuais tem gerado públicos que querem mostrar sua opinião, que buscam alimentar sua identidade pela potencialização do lúdico – que se dá através dos celulares, iPods, computadores mediados pela Internet, videojogos em rede ou pela própria TVD.

O público quer participar mais da televisão e a TVD com interatividade é um bom espaço de participação e visibilidade. A interatividade não é algo novo. Os radiodifusores têm sempre tentado fazer programas interativos, mesmo sendo por cartas, linhas telefônicas ou email. A televisão interativa tem suas raízes nos primórdios da televisão, na década de 50 (Gawlinski, 2003). Por exemplo, uma forma simples de televisão interativa foi criada na série infantil da CBS “Whinky Dink and You” (1953-1957).

A interação foi criada através do uso de uma folha plástica especial onde as crianças poderiam comprar nas lojas locais e colar na tela da TV. No programa, Wink Dink, um personagem de desenho, se metia em aventuras perigosas e vários problemas, como ser perseguido por um tigre na beira de um precipício. As crianças eram chamadas a ajudar o personagem escapar do tigre desenhando uma ponte na tela plástica. O desenho foi um sucesso. (Cf. SRIVASTAVA, 2002:81).

O que de fato se configura como surpreendente atualmente são seus níveis em relação à televisão. Um dos primeiros apontamentos de pesquisadores brasileiros veio de Lemos (1997), que os classifica em uma escala de zero a quatro:

- Nível 0: O mais baixo, que remete aos primórdios da televisão, em que a audiência pode somente trocar de canais, regular o volume, desligar o aparelho, entre outros.

– Nível 1: Trata de uma televisão colorida e com o uso do controle-remoto, que veio a desenvolver a prática do zapping.

– Nível 2: A audiência se apropria do aparelho para outros fins além de assistência dos programas exibidos pelas emissoras. Ela agora grava a programação por meio do vídeo-cassete e a utiliza para jogos eletrônicos.

– Nível 3: Reconhece-se nessa etapa uma maior influência da audiência na programação através de telefone ou email, sobretudo motivada por formatos de programas que privilegiam essa prática, como os reality shows.

– Nível 4: Surge o conceito de televisão interativa, em que a audiência pode interferir nos programas por meio do controle-remoto, optando por conteúdos que lhe convém.

Becker e Montez (2005) propõem posteriormente uma complementação indicando outros três níveis:

– Nível 5: o próprio telespectador interfere na programação enviando vídeos feitos por web cam ou câmeras analógicas. É onde surge a necessidade de se pensar um canal de retorno para implementar o diálogo entre emissora-audiência.

– Nível 6: Trata-se das mesmas condições que o nível anterior, porém em relação ao uso de câmeras de alta qualidade e no melhoramento da banda.

– Nível 7: Chamado de interatividade plena, nesse nível a audiência gera conteúdo da mesma forma que a emissora, e passa a dispor de recursos de publicação e veiculação de seus conteúdos.

Entre as classificações mais recentes de níveis de interatividade, verificam-se as propostas de Barbosa Filho e Castro (2008):

– Transmissão bidirecional simétrica: interação se dá por altas taxas de transmissão para equipamentos com tecnologia híbrida de fibra ótica e cabo coaxial.

– Transmissão bidirecional assimétrica com retorno solicitado pelo usuário: interação viabilizada pelo compartilhamento dos canais de retorno com tecnologias como CDMA ou TDMA [13].

– Transmissão bidirecional assimétrica com retorno solicitado pelo provedor da informação: interação em que o usuário somente escolhe pelas opções propostas pelas emissoras.

– Transmissão bidirecional assimétrica com retorno off-line: interação em que não há possibilidade de mudança na programação.

– Transmissão unidirecional: sem interação alguma, a caixa conversora serve apenas de servidor de aplicações, onde os usuários escolhem apenas as opções que foram transmitidas pelas emissoras e armazenadas no aparelho.

O público sempre deu sinais de seu potencial interativo. O zapear de canais é o exemplo básico. Incentivado a participar, hoje o público possui novas mídias como os dispositivos móveis [14] para poder atuar. A quantidade de informação que circula na televisão, no rádio e em outros meios possibilita que a audiência seja cada vez mais migratória.

Se antes as audiências eram invisíveis e anônimas, hoje estão cada vez mais conectadas. O uso de redes sociais como Myspace, Facebook e Orkut, sobretudo no Brasil, são sinais claros do desejo das pessoas em mostrar sua forma de conceber o mundo.

4. Telejornalismo interativo: o despertar necessário do hipertelejornalista

Uma rápida volta ao tempo nos leva a década de 80, quando se fazia precária a oferta de informações vinda dos noticiários de TV. A evolução do telejornalismo ao longo dos anos se deu, em parte, com os avanços tecnológicos que mudaram a forma de transmissão da informação, conferindo cada vez mais, então, imediaticidade a informação. Entretanto, a televisão tal qual é atualmente está em vias de extinção.

Em seu lugar, está nascendo uma tecnologia convergente, que dialoga com celulares e dispositivos móveis em ônibus e trens, independente da velocidade e com nenhum prejuízo ao conteúdo audiovisual e a interatividade.

Interatividade, aliás, viabilizada por uma plataforma apta a executar aplicações escritas em linguagens de programação: o middleware. Capaz de estabelecer uma relação audiência-TV, a TVD, diferente do que acredita o senso comum, vai muito além da ideia de TV transformada em computador. Primeiro porque a TVD possui uma linguagem própria; segundo porque em termos de tecnologia ela possui diversos aspectos específicos e divergentes de um simples Personal Computer.

Além disso, a TVD permite o uso de arquivos audiovisuais digitais com mais rapidez, qualidade de imagem e nitidez que o computador mediado por Internet.

Entre os primeiros registros de aplicações interativas nos telejornais estão as experiências da operadora via satélite (DVB-S) Sky, de caráter pago, que lançou em 2000 o noticiário Sky News Active – news on demand (CIRNE; FERNANDES; PÔRTO, 2009). Entre as diversas opções, a audiência era estimulada a optar pelos quatro vídeos simultâneos disponíveis na tela, além de ler outros dados disponíveis. Em 2002, foi lançada uma nova versão, agora com seis vídeos, um deles ao vivo, além de incorporar uma enquete.

Ao usuário é fornecida a permissão de personalizar o seu próprio conteúdo, alternando para a temática que quiser, no momento desejado, sem ter que obrigatoriamente estar submetido à linearidade de um telejornal convencional (...). Essa oportunidade de personalização torna-se eficaz para alguns segmentos da sociedade que têm interesse por temas específicos e não desejam assistir a toda a edição. (CIRNE; FERNANDES; PÔRTO, 2009:96).

Essa desconstrução da estrutura tradicional de um telejornal deve impactar, muito em breve, os conteúdos telejornalísticos da TV aberta e gratuita brasileira. A mudança no mercado audiovisual mostra que a digitalização traz outro desafio: o que os jornalistas têm feito para repensar o modelo analógico do fazer telejornalístico? Por enquanto, muito pouco.

Verifica-se, na verdade, dentro do sistema digital, o uso dos mesmos métodos de produção de conteúdos praticados até então. O novo modelo de produção e transmissão de conteúdo requer uma perspectiva mais participativa, dinâmica e segmentada. Essa desatualização provoca a atual incoerência de manutenção dos mesmos suportes, gêneros e formatos, sem a devida atenção às zonas multimídias.

Scolari (2009) aproveita os conceitos de paleotelevisão e neotelevisão desenvolvidos por Eco (1986) e Cassetti e Odin (1990) e desenvolve o conceito de hipertelevisão. Se no primeiro propõe-se a representação da realidade contando-a as audiências com uma atitude pedagógica, o segundo substitui esta aproximação didática por um processo de construção da realidade.

O terceiro, por sua vez, representa o estado atual do meio. A informatização da produção é o ponto de partida para se refletir sobre a hipertelevisão. Pela primeira vez na história temos a oportunidade, através da TVD interativa, de mudar a relação unidirecional e verticalizada da televisão analógica em relação às audiências, para uma relação bidirecional, dialógica nos termos propostos por Bakhtin e Paulo Freire ainda no século XX. [15]

5. Revisando a práxis telejornalística

Com a implantação da TVD, em todos os elos da cadeia de valor haverá, de alguma forma, demanda por novos perfis de profissionais. Seguindo a divisão da cadeia de valor em quatro grandes grupos, proposta pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial [16], encontramos:

1) Produção de Conteúdos;

2) Distribuição em broadcast para usuários;

3) Fabricação de Equipamentos;

4) Suporte de Conectividade.

O jornalista, presente no primeiro grupo, precisa, portanto, estar preparado para essa nova forma de produção de conteúdos, não somente em termos de domínio tecnológico, mas também na forte presença das formas hipermidiáticas e interativas da comunicação em rede. Ou seja, instigam profundas mudanças estéticas, simbólicas e sociais, afetando os níveis discursivos da informação televisiva. A questão da convergência dos meios chama atenção para as “narrativas transmidiáticas”, termo criado por Henri Jenkins. [17]

Se antes o papel do jornalista de TV em um universo analógico era informar e interpretar os fatos de maneira que fossem melhor entendidos em relação a seu impacto na sociedade, hoje o profissional interconectado está diante da função de mediar as múltiplas informações que recebe na hora de construir a notícia, já que essas informações chegam também desde as audiências e não apenas do campo da produção.

O diferencial do hipertelejornalista está em criar uma nova organização da informação, novos fluxos de acesso para respaldar a qualidade das informações – superando o status de simples narrador de fatos. Baseado nos novos sistemas de informação, ele organiza a informação por meio da unidade-chave – o link – e combina um conjunto muito mais amplo de fatos e circunstâncias contextualizados por meio de uma hierarquia.

O hipertelejornalista é o guia de informações noticiosas no ciberespaço, independente da plataforma tecnológica, pois ele poderá desenvolver conteúdos digitais interativos para uma ou várias plataformas, cada vez mais convergentes entre si.

Os conteúdos, segundo Gosciola:

(...) ao serem acessados pelo usuário através dos links que escolher, gerarão um fenômeno de outra ordem, uma experiência nova a cada navegação, uma nova percepção dos conteúdos observados e, consequentemente, diferentes respostas a cada acesso. (2003:114).

A informação precisa ser organizada de forma a ser considerada “organismos ou embriões que foram criados separadamente e que através dos links criaram novas formas de percepção do conteúdo observado” (GOSCIOLA, 2003).

É na experiência do acontecimento compartilhado que pode se concretizar a fidelização de uma audiência agora interativa, conectada e migratória, cada vez menos capaz de manter a atenção por longo tempo, exigindo uma habilidade importante do jornalista postulada por Pavlik (2005): “o equilíbrio entre a necessidade do público de saber de maneira rápida mas também completa”. Ou seja, a base – a escrita – permanece. As TICs, porém, estão gerando novas escritas, cada vez mais rápidas, fluidas e curtas, em diversas plataformas.

Mais uma vez, se faz presente o desafio das narrativas transmidiáticas. Para o jornalista, essa informação mais fluida tem o objetivo de se dar ênfase a oferta de dados, texto, áudio e imagem integrados. Falar, portanto, de um hipertelejornalismo é falar de uma práxis cada vez mais integrada com novas competências, baseada na interatividade e no hipermídia, e que significa também a busca para propiciar a audiência uma experiência mais contextualizada, ajudando-a a interpretar os fatos narrados.

O fim da linearidade no processo de produção telejornalística é certo. E não só o fim da linearidade no sentido técnico, de edição das imagens, por exemplo. A coerência analógica da linearidade deve ser rompida dando espaço à experiência do digital.

Não há mais como manter a estrutura convencional de uma redação de TV, com pauteiros, produtores, repórteres e editores, com funções-estanques [18]. O próprio conceito de deadline jornalístico relativiza-se em tempos de uma comunicação cada vez mais instantânea, cada vez mais em tempo real, em que as informações são constantemente atualizadas.

A estrutura das notícias – em forma de notas simples, notas cobertas, boletins ou reportagens – já estão sofrendo mudanças em sua seqüência lógica para viabilizar as experiências interativas e hipermidiáticas. Se antes o texto de TV não era para ser lido e sim somente ouvido, configurando uma das principais características do telejornalismo analógico – a instantaneidade – com as novas tecnologias essa regra se torna mais flexível. As possibilidades de uso de dados adicionais exigem uma revisão estética e narrativa dessas estruturas.

A figura do editor, que encadeia a seqüência da reportagem para o ponto de vista da linha editorial do programa também precisa ser repensada. Cada vez mais, o impacto da recepção precisa ser considerado já que se no horizonte se desenha uma perspectiva de produção colaborativa e cada vez mais ligada à audiência.

Vale lembrar que, como já ocorre nos sites da internet, a audiência usa seu critério subjetivo na seleção da informação que deseja receber [19]. Essa aproximação entre o campo de produção e recepção é uma tendência cada vez mais forte nas experiências de telejornais interativos na Europa e mostram a inescapável relação que se estabelece entre a Televisão e a Internet (MURRAY, 2003).

Existem perspectivas, inclusive, de adotar as estratégias das redes sociais da internet na TVD. Acessando um canal de telejornal além da exibição do programa, uma série de possibilidades se abre às audiências – entre elas o contato com os apresentadores, participação de enquetes e fóruns, acesso a notícias recentemente atualizadas – o que pode servir de base, por exemplo, para a medição de índices de audiência.

Outra possibilidade é adaptar os “feeds RSS” [20] da web para a Televisão Digital para serem transmitidos junto com outra programação da emissora (CIRNE; FERNANDES; PÔRTO, 2009). Barbosa Filho (2008) diz que a própria noção de grade televisiva deverá sofrer mudanças substanciais, tornando-se mais flexível.

O autor propõe outro nome para a grade – módulos – que poderão ser acessados e abertos como links, permitindo às audiências que possuam interatividade com canal de retorno seguir as propostas de roteiros alternativos de cada programa.

Por outro lado, as produções para TV também exigirão um nível de detalhamento até há pouco impensado, devido à qualidade da imagem digital. Os roteiristas deverão pensar em novos conteúdos, tendo como fundamento a possibilidade de participação dos usuários através do canal de retorno e a convergência entre plataformas digitais.

É fundamental que esse novo produtor de conteúdo conheça as ferramentas de software gráfico, o uso de dados provenientes do processo de interatividade, as funcionalidades do middleware Ginga e as possibilidades de interatividade que ainda estão por ser descobertas. Como já dito, o conteúdo, agora interativo, vai partir da lógica dos hiperlinks, utilizando áudio, imagens e dados em separado ou juntos. Isso tornará a programação muito mais complexa no campo da produção, mas muito mais interessante e atraente para as audiências.

6. Outras mudanças

Os profissionais que vão atuar na TVD, em quaisquer fases da cadeia de valor, devem passar por um processo aperfeiçoamento das atribuições já definidas para a TV analógica acrescidas de várias especificidades.

Além de conhecimentos básicos de aplicativos computacionais e das tecnologias da informação e comunicação, será preciso mostrar compreensão crítica e atuar responsavelmente no domínio de tecnologias digitais e mídias interativas, na seleção e aplicação de equipamentos e processos apropriados.

A produção de conteúdos deve atuar de maneira significativa nesse processo se especializando no desenvolvimento de aplicativos interativos, já que, mesmo usando recursos analógicos, ainda é o campo que melhor conhece os formatos que se identificam com as audiências.

Questões sobre usabilidade e navegabilidade dos menus ainda são problemas que precisam ser resolvidos, embora como lembram Barbosa Filho e Castro (2009) cada vez mais os modelos de controle remoto serão parecidos aos de um celular, amplamente utilizado pela população. Além disso, com as implementações do middleware Ginga, os conteúdos também deverão ser modificados para se ajustar às novas demandas baseadas na convergência tecnológica.

A TVD muda, sobretudo, a lógica de ver e fazer televisão. E a área técnica terá papel determinante à medida que irá apontar os limites tecnológicos em relação à navegabilidade, à funcionalidade, ao grau de interatividade e à potencialidade na geração de novos recursos.

Os técnicos e engenheiros do campo da eletroeletrônica serão impactados, da mesma forma que os especialistas em telecomunicações, capazes de desenvolverem redes que comportem as demandas futuras de interatividade. Nada se compara, porém, ao impacto que deve sofrer o campo de tecnologia da informação com o desenvolvimento de aplicativos e interfaces.

Os desenvolvedores de sistemas devem ter competências relacionadas à tecnologia de transmissão de TVD, características do SBTVD-T, formas de geração de informações para dispositivos móveis, desenvolvimento de aplicativos, programação de interatividade em seus diferentes níveis, entre outros.

Acredita-se em uma aproximação muito significativa entre esses profissionais com os da produção de conteúdos. As equipes deverão levar em consideração as características da programação a serem desenvolvidas, o uso da multiprogramação, os níveis de convergência entre diferentes plataformas tecnológicas e o tipo de interatividade a ser utilizada.

7. Considerações finais

A função social que a televisão desempenha não pode ser esquecida. A prática do jornalismo não vai abandonar seus pressupostos que o originou, porém deve estar atenta àquela considerada por muitos autores (GAWLINSKI, 2003; BARBOSA FILHO; CASTRO; TOME, 2005; CROCOMO, 2007) a principal evolução da televisão analógica: a interatividade.

Nesse sentido, o governo percebeu que a implantação de um sistema de TVD no país seria uma poderosa ferramenta de inclusão digital. Esse é um dos motivos pelos quais se aposta em um modelo nipo-brasileiro, considerado o mais eficiente do mundo por resolver as deficiências de outros padrões (CASTRO, 2007, 2008, 2009).

Considerando a implantação de um sistema que atenda as exigências de um contexto brasileiro, com pressupostos de democratização e a inclusão social, uma perspectiva importante é construir um novo telejornalismo brasileiro. Um telejornalismo mais colaborativo que acate a participação da audiência e respeite as diferenças regionais do país.

Tal experiência tem sido liderada pelos pesquisadores de universidades e emissoras, que têm buscado definir os novos paradigmas que vão reger a práxis do telejornalismo, agora digital e interativo.

Mas para que o novo modelo dê certo, os jornalistas devem se tornar participantes e ativos nesse processo de descoberta – apontando caminhos, sugerindo novas rotas e ressignificando, coletivamente, a arte de se fazer um telejornal. Isso, porém, não ocorre da noite para o dia. É um processo lento, pois os profissionais precisam mudar de uma mentalidade analógica para uma cultura digital (BARBOSA FILHO; CASTRO, 2009).

Portanto, para colaborar nessa nova perspectiva da TVD, é preciso que se faça o despertar desse hipertelejornalista, consciente de suas novas competências multiprofissionais, dos novos tempos, espaços e audiências.

Um profissional capaz de lidar com a circulação horizontal da informação de forma hipermidiática e interativa, baseado nas narrativas transmidiáticas, na comunicação em rede e na informatização da produção televisiva – enfim – certificado das mudanças estéticas, simbólicas e sociais, sem nunca se esquecer da sua função básica: informar.

NOTAS

[1] Um dos autores refere-se ao contexto em que, ao visualizar um link de um vídeo feito por um sobrinho de 11 anos de um amigo, pasma-se com a habilidade apresentada pelas crianças em lidar com as novas tecnologias. Atento a essa constatação recorrente, um projeto socioeducativo desenvolvido no Uruguai conhecido como “Plan Ceibal” busca incentivar a produção de conteúdos audiovisuais digitais desde a infância.

[2] Nos termos de Castells (2001).

[3] A “multiprogramação” é resultado da aplicação de técnicas de compressão de algorítimos que permitem que sejam transmitidos mais programas em um espaço de banda onde atualmente se permite apenas um.

[4] Segundo Barbosa Filho e Castro (2008), “interatividade” é a relação que se estabelece entre o campo da produção e da recepção, onde as audiências passam a interagir, em diferentes níveis, com os produtores de televisão, podendo participar, interferir ou comentar os programas.

[5] Segundo Barbosa Filho e Castro (2008), “interoperabilidade” entende-se por um sistema de reconhecimento de códigos digitais entre diferentes redes, sistemas, middlewares e softwares.

[6] Entre as experiências para TVD no Brasil pode-se citar as atividades do Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital (LAVID) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), do Laboratório TeleMídia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), da Faculdade de Comunicação da PUC/RS e as experiências interdisciplinares desenvolvidas na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

[7] Com base na “Carta da Transdisciplinaridade”, adotada no Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade de Portugal, em 1994, “transdisciplinaridade” é entendida como o reconhecimento de diferentes níveis de realidades e lógicas, fazendo emergir dados novos a partir da confrontação das disciplinas.

[8] A expressão “indústria cultural” foi adotada na primeira metade do século XX pelos pensadores Theodor Adorno e Max Horkheimer, da Escola de Frankfurt, que se referiam a produção cultural como mercadoria e guiada por classes dominantes.

[9] Camadas de softwares que fazem a leitura integrada de diversas linguagens computacionais por meio da codificação de tabelas e códigos entre aplicações e sistemas operativos.

[10] O padrão de middleware Ginga foi aprovado na UIT para a área de IPTV, mas ainda encontra-se em estudos para TVD.

[11] Países como Uruguai, Colômbia e México já optaram por outros padrões de Televisão Digital.

[12] O desligamento do sinal analógico por parte das emissoras de TV norte-americanas estava previsto para fevereiro de 2009, porém só foi ocorrer no último mês de junho. Mesmo postergando a data e incentivando a compra de cupons promocionais para adquirir o aparelho conversor, as autoridades norte-americanas acreditam que cerca de três milhões de pessoas ainda não estavam preparadas para a transição.

[13] CDMA – Code Division Multiple Access, ou Acesso Múltiplo por Divisão de Código; TDMA – Time Division Multiple Access, ou Acesso Múltiplo por Divisão de Tempo.

[14] De acordo com dados de julho de 2009, já existem 160 milhões de aparelhos celulares no Brasil.

[15] O dialogismo em Bakhtin pode ser encontrado em “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, escrito nos anos 20 do século XX e a obra de Paulo Freire, escrita entre os anos 60 e 90 do século XX, pode ser acessada pela Internet.

[16] “Impactos ocupacionais e educacionais da TV digital no Brasil”, SENAI, 2008.

[17] Presente no livro “Cultura da Convergência”, 2006.

[18] O detalhamento dessas mudanças deverá ser tema de um outro artigo pela profundidade que a discussão exige.

[19] Na mesma perspectiva, a revisão da teoria do agenda setting vale como exemplo da potencialidade das audiências em definir os critérios de noticiabilidade a partir de agora.

[20] Essa tecnologia permite aos usuários da internet que recebam conteúdos de sites que mudam ou atualizam informações regularmente.

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*Alan César Belo Angeluci é jornalista e mestrando do Curso de Televisão Digital FAAC-UNESP. Cosette Espíndola de Castro é doutora em Comunicação pela Universidade Autônoma de Barcelona e docente do Curso de Televisão Digital da FAAC-UNESP.


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]