Nº 12 - Nov. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



ARTIGOS
 

Design de notícias
Enunciação e gêneros discursivos jornalísticos

Por Eduardo Nunes Freire e Rodrigo do Espírito Santo da Cunha*

RESUMO

O presente artigo faz uma articulação entre design e discurso jornalístico, procurando identificar como o design participa como elemento de enunciação nos principais gêneros do discurso jornalístico do impresso diário. Aqui será apresentada uma base teórica e metodológica fundamentada nos princípios do design de notícias e nas teorias do jornalismo.

Imagens: Reprodução

Hoje, os jornais impressos, influenciados pelas transformações tecnológicas de impressão e pela Internet, procuram adaptar suas enunciações aos hábitos de leitura atuais. Assim, o design apresenta-se como elemento de organização que articula conteúdos para atrair e conduzir o leitor neste percurso.

PALAVRAS-CHAVE: Enunciação / Diagramação / Gêneros Jornalísticos

1. Introdução

O jornalismo impresso está passando por uma radical transformação, desde que atingiu a fase digital (FREIRE, 2007), a partir de meados dos anos 1980. Influenciado pela Internet e pelas novas tecnologias de produção gráfica, o jornalismo teve que mudar também suas estratégias enunciativas.

Se no período tipográfico o texto escrito predominava e os elementos visuais nada mais eram que adereços, na fase atual (digital) tais elementos são componentes indispensáveis da gramática produtiva e do modo como os leitores se relacionam com a leitura. Os leitores da fase tipográfica tinham como referência de leitura os livros e nada mais natural que os jornais apresentassem textos densos, opinativos ou literários. O design era algo dispensável, inexistente neste período.

Na fase litográfica (offset), os jornais foram influenciados pela TV e pelas revistas ilustradas. Os textos jornalísticos já não eram apenas opinativos, mas também informativos e interpretativos. Com a melhoria na produção gráfica, as imagens passaram a ser reproduzidas com mais qualidade. Fotografias, infográficos e cores trouxeram novas possibilidades enunciativas. O design ganha importância como articulador dos elementos textuais (verbais e visuais) para a leitura. Tal articulação ajuda a identificar melhor as características de cada texto potencializando o processo de leitura num mundo em aceleração.

Hoje, o design não é mais um acessório o qual o jornalista podia seguir sem dele tomar conhecimento. A própria tomada de decisão sobre o enquadramento do fato já leva em consideração a forma como o assunto será tratado. O jornalista já tem que ter em mente como será desenhada sua matéria para saber como se dará a fragmentação do conteúdo, os links que deverá criar entre as peças que compõem o enunciado.

O texto em mosaico mimetiza a tela do computador com suas janelas e percursos de leitura abertos. O foco volta-se para o leitor. O texto adapta-se aos tempos de leitura de cada um. Assim, como propagandeia Mario Garcia, o leitor da Folha pode lê-la em 5 ou em 50 minutos, a depender de seu tempo e interesses. Isso se dá em função das estratégias enunciativas proporcionadas pelo design.

2. Os gêneros jornalísticos: um breve panorama

Presente como disciplina nos cursos de Comunicação, o jornalismo comparado trata de analisar a prática jornalística nos meios e organizar metodologias que permitem classificar os mais diversos usos da informação noticiosa. No que se refere aos gêneros, estudiosos deste campo remetem ao caso do jornal inglês The Daily Courant, editado entre os anos de 1702 e 1735, o primeiro diário de natureza política e de circulação regular na história do jornalismo.

Seu editor, Samuel Buckley, implantou um modelo que seria aplicado até hoje pelos demais diários que surgiriam posteriormente e nos estudos sobre comunicação. Em meio à crise que perdurava sobre a imagem do jornal desde seus primeiros anos, o jornalista inglês procurou isolar as notícias dos artigos opinativos – separar news de comments. De acordo com Chaparro, Buckley introduziu, mesmo sem intenção, a idéia da objetividade no jornalismo:

Podemos supor que Samuel Buckley pretendia agregar a seu jornal uma imagem de credibilidade e independência, como condição de sucesso. O que se sabe da experiência do Daily Courant permite admitir que os cuidados maiores eram com a apuração dos fatos, principalmente no que toca ao rigor na escolha das fontes. (2008:142).

Apesar de inovadora, a fórmula do diário não se tornou um sucesso pretendido pelo veículo, pois muitos de seus leitores preferiram a opinião, e o jornalismo opinativo viveria seu ápice por um longo tempo na imprensa. O Daily fechou as portas, mas permaneceu o paradigma entre Opinião x Informação, nas palavras de Chaparro, se impondo como critério de classificação e análise de notícias pela maioria dos autores.

Na busca por uma taxonomia para os gêneros jornalísticos, destacam-se aqui as visões de três importantes pesquisadores brasileiros: a de Luiz Beltrão, a de José Marques de Melo e de Manuel Carlos Chaparro.

Luiz Beltrão advogava a existência de três categorias de gêneros, como se vê na tabela abaixo.

Jornalismo Informativo

Notícia
Reportagem
História de interesse humano
Informação pela imagem

Jornalismo Interpretativo

Reportagem em profundidade

Jornalismo Opinativo

Editorial
Artigo
Crônica
Opinião ilustrada
Opinião do leitor

Tab. 1. Classificação de gêneros jornalísticos por Luiz Beltrão. Fonte: BELTRÃO, 1980.

Melo revê a classificação de Beltrão e reduz os gêneros jornalísticos impresso a duas categorias:

Jornalismo Informativo

Nota
Notícia
Reportagem
Entrevista

Jornalismo Opinativo

Editorial
Comentário
Artigo
Resenha
Coluna
Crônica
Caricatura
Carta

Tab. 2. Classificação de gêneros jornalísticos por José Marques de Melo. Fonte: MARQUES DE MELO, 2003.

Para Chaparro, a temporalidade e a angulação não podem ser adotadas como critério de classificação dos gêneros, pois os fatos imprevisíveis e não programados ocupam pouco espaço na imprensa diária. As pautas dos jornais já são montadas de acordo com a previsão dos fatos e seus desdobramentos. De acordo com o autor, a dicotomia entre opinião e informação já perdeu importância para caracterizar gêneros jornalísticos. Na classificação de Chaparro, os gêneros jornalísticos seriam:

Gênero Comentário

Espécies Argumentativas

Artigo
Carta
Coluna

Espécies Gráfico-artísticas

Caricatura
Charge

Gênero Relato

Espécies Narrativas

Notícia
Reportagem
Entrevista
Coluna

Espécies Práticas

Roteiros
Indicadores econômicos
Agendamentos
Previsão do tempo
Consultas
Orientações úteis

Crônica: classe de texto livre de classificações
Tab. 3. Classificação de gêneros jornalísticos por Manuel Carlos Chaparro. Fonte: CHAPARRO, 2008:178.

Mesmo que alguns tipos não tenham sido incluídos na classificação de Chaparro (como o editorial, as análises e os comentários, ou a infografia), no nosso entender, esta taxonomia é a que melhor contempla a diversidade de conteúdos hoje presentes no jornalismo impresso, influenciado pelas transformações aqui já tratadas. A seguir, de forma resumida, em função mesmo das limitações de um artigo, detalharemos a classificação de Chaparro, complementando naquilo que julgamos necessário. Tal classificação foi a adotada na análise que será apresentada sobre as representações destes gêneros pelo design de notícias.

O gênero comentário segundo Chaparro (2008) abarcaria as espécies argumentativas e gráfico-artísticas. Deste gênero fazem parte os diversos conteúdos em que a opinião e a subjetividade preponderam. Os artigos são assinados e trazem as opiniões qualificadas de especialistas sobre assuntos pontuais. As cartas (ou e-mails) apresentam as opiniões dos leitores. As colunas geralmente são assinadase também podem ter um caráter argumentativo. Representam os pontos de vista de pessoas destacadas pelo jornal para opinarem sobre os mais variados assuntos da atualidade.

Tais pontos de vista não são necessariamente os mesmo do jornal, o qual se expressa pelo editorial. Nesta pesquisa identificamos um tipo que poderia ser classificado dentre as espécies argumentativas: as análises e comentários dos repórteres. Tanto o Diário do Nordeste quanto O Povo dispõem de peças (no corpo da matéria ou reportagem) pelas quais os autores da analisam um determinado fato, apontando as conseqüências, ou procurando revelar aquilo que não é percebido apenas pelo relato do acontecimento.

Chaparro explica que “a caricatura tem a marca forte do traço, porque acentua detalhes caricatos de uma pessoa; a charge é uma representação burlesca, caricatural ou não, em que se satiriza uma ideia, situação ou pessoa, normalmente em conteúdos de crítica social ou política” (2008:179). Erbolato (2002:242), ainda acrescenta que a charge possui a mesma força de um editorial. Acrescenta-se a discussão, o cartum, que para este é uma “anedota gráfica, com ou sem legendas, que satiriza o comportamento humano, mostrando as suas fraquezas, hábitos e ações”. Chaparro salienta que o cartum (ou cartoon) não possui compromisso com a atualidade, apenas com o humor.

Apesar de não ter sido citado por Carlos Chaparro, cabe aqui citar também a infografia, um tipo que se enquadra tanto como espécie gráfico-artística (no seu formato), quanto como espécie narrativa (no seu conteúdo). A infografia é um recurso muito utilizado pelos jornais e revistas e que procura facilitar a compreensão de um assunto, e para atrair a atenção dos leitores por meio da representação gráfica.

O gênero relato é dividido por Chaparro em espécies narrativas e práticas. Os tipos componentes deste gênero têm como característica a representação objetiva e a informação. Destacam-se as histórias de vidas, o relato dos acontecimentos, a apresentação de personagens de uma forma imparcial (na medida do desejável, e do possível). Envolve também os conteúdos de serviços e entretenimento. O que diferencia os tipos das espécies narrativas e práticas são seus objetivos e estratégias textuais (enunciações).

As crônicas foram identificadas por Chaparro (2008:178-179) como classe de texto livre de classificações. Na interpretação do autor, baseado em estudos pré-liminares, a crônica destaca-se pela “liberdade em transitar entre jornalismo e literatura, entre narração e argumentação, entre realidade e ficção, entre emoções e poesia”.

Em livro que aborda as principais discussões sobre a teoria do jornalismo, Melo (2006:194) defende a inclusão da crônica como gênero jornalístico, principalmente pela importância do registro histórico que possui este gênero e pelo amplo espaço conquistado pelo gênero na imprensa diária brasileira e latino-americana.

Vale salientar que as estruturas não são herméticas como se pode pensar. Principalmente nos dias de hoje. Numa notícia (relato) é possível identificar comentários, como no caso dos pontos de vistas dos repórteres (análise) como citado anteriormente. A reportagem, então, é uma miscelânea genérica. O design, como se verá a seguir, também deixa suas marcas na superfície discursiva dos textos jornalísticos.

3. A enunciação pelo design: marcas visuais no tecido

Segundo Verón, a análise de discursos "tem por objetivos reconhecer as economias discursivas" (2004:159) dos conjuntos textuais, de um modo operacional, a partir das marcas deixadas na superfície discursiva. Das marcas destacadas por Verón, o design pode ser incluído dentre as "unidades significantes não-homogêneas" (por comportar marcas lingüísticas e não- lingüísticas), analisável como gramática de produção.

Uma gramática é sempre o modelo de um processo de produção discursiva. O ponto de partida da análise sendo inevitavelmente conjuntos significantes dados, isto é, sentido investido em discursos atestados, o movimento da análise consiste em reconstituir o processo de produção a partir do “produto”, consiste em passar do texto (inerte) à dinâmica de sua produção (Cf. VERÓN, 2004:51).

O processo analítico requer o estudo das enunciações presentes no material a ser analisado. Em análise de discursos, a unidade mínima a ser analisada é o enunciado, que está em oposição à enunciação, sendo esta o ato de produção de um texto, enquanto que o enunciado é o produto desse ato. “O enunciado é considerado uma seqüência verbal que forma um todo constitutivo de um determinado gênero de discurso” (Cf. CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004:196).

Para Foucault:

(...) o enunciado não é uma estrutura (isto é, um conjunto de relações entre elementos variáveis, autorizando assim um número talvez infinito de modelos concretos); é uma função de existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se eles “fazem sentido” ou não, segundo que regra se sucedem ou se justapõem, de que são signos, e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação (oral ou escrita). (2005:98).

Foucault define o enunciado como uma função enunciativa que se apóia em conjuntos de signos os quais não se levam em conta a “aceitabilidade” gramatical, nem a correção lógica. Para que se realize, tal função demanda:

(...) um referencial (que não é exatamente um fato, um estado de coisas, nem mesmo um objeto, mas um princípio de diferenciação); um sujeito (não a consciência que fala, não o autor da formulação, mas uma posição que pode ser ocupada, sob certas condições, por indivíduos indiferentes); um campo associado (que não é o contexto real da formulação, a situação na qual foi articulada, mas um domínio de coexistência para outros enunciados); uma materialidade (que não é apenas a substância ou o suporte da articulação, mas um status, regras de transcrição, possibilidades de uso ou de reutilização). (2005:130).

No par enunciação/enunciado os termos não devem ser dissociados do outro, e vale destacar que:

(...) a ordem do enunciado é a ordem do que é dito (aproximadamente poder-se-ia dizer que o enunciado é da ordem do “conteúdo”); a enunciação diz respeito não ao que é dito, mas ao dizer e suas modalidades, os modos de dizer.  (Cf. VERÓN, 2004:216).

Portanto, o design apresenta-se hoje como uma estratégia enunciativa, como um modo de dizer dos acontecimentos que são transformados em notícias nos jornais. Mas, para Giovandro Ferreira:

(...) para que um elemento seja considerado condição de produção e/ou recepção não é suficiente pleiteá-lo, é preciso que ele deixe pistas na superfície discursiva, levando assim os valores das variáveis postuladas como condições (de produção e recepção) de um determinado tipo de discurso. Se tais condições mudam, o discurso mudará igualmente. (FERREIRA, 2005).

O design, como gramática, varia de jornal para jornal, mas existem certas regras constitutivas gerais que contribuem para a estruturação do discurso jornalístico. Tais regras são baseadas em princípios perceptivos e na sintaxe que organiza as relações entre os elementos básicos da linguagem visual, que permite a construção de sentidos dos conjuntos textuais (verbo-visuais).

A forma como os conteúdos são apresentados também contribuem para a identificação do gênero ao qual pertence aquele determinado conjunto textual. O design, portanto, adianta o processo de reconhecimento, e, à medida que vai sendo incorporado ao repertório do leitor, passa a ser também uma gramática de reconhecimento.

A partir do que até aqui foi exposto, pode-se afirmar que gêneros jornalísticos podem ser apresentados na forma de unidades significantes não-homogêneas. A ênfase deste trabalho é analisar as marcas visuais e a enunciação pelo design, que envolvem cinco categorias de elementos básicos do design que funcionam com operadores de sentido: a topografia (formato, localização, equilíbrio, balanço, distribuição); a tipografia (desenho das letras que compõem o texto verbal); imagens (fotografias, desenhos e infografias); cores; e elementos gráficos (grafismos e contragrafismos) (FREIRE, 2007).

A sintaxe visual que articula os elementos apóia-se em alguns princípios que vão possibilitar que, entre o pólo da produção e do reconhecimento, seja estabelecida uma circulação de sentido. Tais princípios norteadores têm seus fundamentos estabelecidos pelas pesquisas sobre percepção humana, desenvolvidas pela psicologia Gestalt.

São eles (ARNHEIM, 2004):

a) simplicidade (para o qual o sentido da visão, de qualquer padrão, tenderá para a configuração mais simples possível nas condições dadas);

b) nivelamento (unificação, realce da simetria, redução às características estruturais, repetição, omissão de detalhes não integrados, eliminação da obliquidade);

c) aguçamento (realce das diferenças, obliquidade);

d) percepção totalizante (o todo é maior que a soma das partes);

e) semelhança e diferença (como forma de organizar as partes);

f) relação entre figura e fundo (claro e escuro, negativo e positivo); e

g) equilíbrio e tensão (como necessidade básica do ser humano e como expressão de movimento).

Robin Williams (1995:14) simplifica, baseada na prática do design e considera como sendo quatro os princípios básicos: contraste, proximidade, repetição e alinhamento. Já Sousa (2005:272) sugere que os princípios do design são o contraste, o balanço, o ritmo, a proporção e a unidade. E Larequi (1994:39) os define como contraste, equilíbrio, simplicidade, organização, ordem temática, homogeneidade e continuidade gráfica.

4. Os gêneros pelo design

A presente pesquisa adotou como corpus uma coleção de sete edições (sete dias seguidos) de dois jornais de Fortaleza: O Povo e Diário do Nordeste. Foram analisadas todas as páginas de todos os cadernos dos referidos jornais e identificados os diversos gêneros jornalísticos (seguindo o modelo proposto por Chaparro).

Cada gênero identificado foi descrito do ponto de vista de seus componentes visuais, em tabelas que serviram de base para as análises de como os elementos do design podem participar da construção de sentido e para a identificação dos gêneros.

As representações dos dois jornais foram comparadas, para identificar se existiam coincidências estruturais que pudessem vir a ser identificadas como invariantes discursivas. A ideia original era de um corpus mais ampliado, com mais títulos. Mas, como esta é uma pesquisa em fase inicial, consideramos o experimento válido pelo registro, e como base para a construção de uma metodologia mais consistente, num segundo momento.

De um modo geral, os projetos gráficos dos jornais, adotam, como estratégia para construção da identidade visual, a repetição de elementos e estruturas. O Diário do Nordeste, por exemplo, delimita o espaço do conteúdo por meio de uma linha que ocupa toda a largura da matéria. Se a linha é contínua significa que aquele é um conteúdo independente, se é descontínua (tracejada), significa que aquele conteúdo é ligado (subordinado) a outro um maior.

O Povo não adota tal recurso de hierarquização. A estrutura dos cabeçalhos e das barras de identificação das peças se repete, cada uma ao seu modo, nos dois jornais. As pequenas variações formais, como presença ou não de um símbolo de identificação, reforçam a ideia de conteúdos de uma mesma espécie, como se verá a seguir.

5. Gênero comentário: espécies argumentativas

Deste gênero fazem parte os seguintes tios de conteúdos: artigo, cartas (e-mails), colunas, editorial, análise e comentários.


Fig. 1.
Exemplos de "Artigo".

O artigo é um espaço privilegiado de apresentação de ideias, para o qual os jornais dão um tratamento destacado, embora com rígido limite da quantidade de texto. São peças assinadas por autores devidamente identificados. O jornal O Povo, além do nome e qualificação identifica o autor com uma fotografia.

Tal recurso instaura uma relação de proximidade (olho-no-olho) que reforça a confiança e credibilidade, pela "presença" mesmo do autor. A fotografia é um forte elemento de atração do olhar, a identificação de um rosto conhecido também. Isso pode angariar novos leitores, ou atrair os contumazes. O Diário do Nordeste não tem utilizado esta estratégia.

O leitor é convidado à leitura apenas pelo conteúdo verbal do título, pois mesmo o nome do autor é eclipsado pelo corpo diminuto aplicado ao nome do signatário. De certa forma, isso explica a percepção do censo comum na cidade de que O Povo é que é o jornal de opinião em Fortaleza, pois ali o autor seria realmente visto, e lido.

A seção de opinião do leitor também tem área própria identificada em cabeçalho com explicações de como este pode participar. Os textos são compostos pelo título (curto), texto (geralmente cortado, para caber no espaço), nome e procedência. As diferenciações tipográficas demarcam cada paratexto. Geralmente não trazem fotografia, mas, diferentemente do artigo, a ausência da foto não se dá por um descaso com os leitores, mas pelos problemas operacionais de envio de fotos, ou qualidade do material.


Fig. 2.
Exemplos de "Cartas".

A coluna é um lugar indubitável do comentário, da argumentação no jornal. A fotografia torna-se imprescindível. Está-se diante daquilo que Verón define como "retórica visual dos personagens", pela qual, "para cada 'personalidade pública' (o colunista é um), a mídia constrói um conjunto de traços que, em virtude dessa construção, se convertem em índice de reconhecimento do personagem, de sua imagem" (2004:175).

A imagem do colunista é uma chancela, e dependendo do nome, ganha ares de grife. A foto é posada, meio de lado. O sorriso pode ser bem aceito, a depender da mensagem que o editor queira disseminar.



Fig. 3.
Exemplos de "Coluna", "Análise" e "Comentário".

Uma marca bastante perceptível na estruturação dos textos do gênero comentário é o alinhamento do texto à esquerda. Esta seria uma forma de deixar formalmente claro para o leitor que os comentários diferem dos relatos. Os primeiros, por serem mais subjetivos seriam mais "maleáveis", mais orgânicos, com mais sinuosidades, como o pensamento livre. Já o relato jornalístico deve respeitar algumas "regras de conduta".

Deve ser objetivo e "retangular", inorgânico, operacional. Há exceções. Nas entrevistas, por apresentarem um discurso direto, do qual o leitor participa pelo contato "direto" que tem com o personagem, também se vê alinhamentos à esquerda.

O que se diz aqui não é uma regra anotada em nenhum manual de estilo ou de projeto gráfico, mas algo que acontece intuitivamente como forma que melhor se adapta à percepção e que acaba sendo adotada, e só é percebida numa análise mais detida do fenômeno. [2]



Fig. 4.
Exemplos de "Editorial".

Ainda na apresentação das espécies argumentativas, do gênero comentário, temos a análise, ou comentário do repórter, a opinião de especialista e as enquetes. A proliferação destes tipos conjuntos textuais se deu por influência das novas tecnologias. Hoje os textos são fragmentados e partes do conteúdo são deslocadas para caixas complementares do texto.

Assim, se o jornalista considera importante que um especialista apresente um argumento sobre um determinado tema ele pode pedir um breve artigo e incorporar ao seu texto, como um fragmento do tecido que passa a ser a notícia.

Pode recorrer à "voz das ruas" e criar um quadro com pequenas falas de testemunhas de um fato. Antes, os jornalistas, na coleta e apuração das notícias já agiam assim, já ouviam jornalistas, mas tais falas eram transpostas ou interpretadas pelo repórter que redigia tudo em uma massa contínua de texto. O papel do design tem sido fazer o conteúdo aflorar, de uma forma organizada e que permita diferentes ritmos de leitura, a depender do tempo que disponha o leitor.

As principais características formais deste tipo de conteúdo é a disposição em caixas. Geralmente trazem fotos, quer seja como forma de autenticação da autoria da fala (no caso das enquetes, ou de especialista), quer seja para criar uma empatia semelhante à proposta nas colunas (análise pelo jornalista). Os textos também costumam vir alinhados à esquerda.

6. Gênero comentário: espécies gráfico-artísticas

O que de principal se pode comentar a respeito deste tipo de conteúdo é a relação topográfica, ou seja, a localização. Normalmente costuma aparecer nas páginas de opinião dos jornais (com exceção do O Globo que traz a charge na capa). A localização já denota a espécie a qual se filia o conteúdo.

A charge ou a caricatura, como imagem, geralmente engraçadas, já carregam um forte apelo visual, dispensando qualquer complemento. Muitas vezes funcionam como contragrafismos (brancos) que aliviam um pouco o peso geral da página (de opinião), que já é por si só visualmente densa, pela massa de texto.

7. Gênero relato: espécies narrativas

Como já foi inicialmente tratado mais acima, o design funciona como forma de estruturação do discurso jornalístico. No caso das espécies narrativas, a influência das novas tecnologias tem trazido para o jornal impresso enunciações as quais o leitor identifica como típicas da Internet, como o hipertexto e a não-linearidade. Não que o hipertexto seja algo exclusivo da Internet, ou uma novidade dela decorrente, as chamadas de primeira página existem há bastante tempo,  funcionando como hipertexto a conduzir o leitor do exterior para o interior do jornal.

A narrativa dos jornais impressos de hoje, pode-se dizer, tem algo de não-linear, pela fragmentação que cria várias áreas de entrada no texto. É fato que existe um percurso proposto, uma hierarquização dos conteúdos.

O design é quem constrói este percurso, topograficamente (pela localização das matérias nas páginas e na edição como um todo), tipograficamente (dando mais peso ou ampliando o corpo das letras, para sugerir as prioridades), pela inclusão ou não de imagens (matérias com imagens são mais vistas e ganham conquistam maior valor-notícia) e pelas cores (que possibilitam identificar a editoria, por uma paleta de cores preestabelecida).

Como foi tratado mais acima, o alinhamento de texto justificado (alinhado à direita e à esquerda) forma blocos de textos retangulares. Pelo princípio da simplicidade (Gestalt), as formas simplificadas (retângulos, círculos e triângulos) são mais reconhecíveis que as formas complexas. A disposição dos textos em blocos retangulares acelera o reconhecimento, a visibilidade. Mas este tipo de composição, simplificada, carrega também o sentido de objetividade, marca identificável com o discurso jornalístico.

Pelo mesmo motivo de reforço à visibilidade e de um tratamento mais objetivo (impessoal) é que a fotografia nas páginas dos jornais diários é preponderantemente retangular. Uma ou outra fotografia aparece recortada, ou com elemento "saltando" para fora do quadro. Tais enunciações são mais típicas das revistas. Aparecem nos jornais, de forma interdiscursiva, nas matérias mais leves (soft news, ou features), mas são raras nas notícias ordinárias. 


Fig. 5.
Exemplos de "Reportagem".

 “Se a notícia é o gênero básico do jornalismo, a reportagem é o gênero jornalístico por excelência”, segundo Jorge Pedro de Sousa (2004:97). Mesmo com todas as transformações tecnológicas e de expressão ocorridas no jornalismo uma coisa não mudou: a busca por contar uma boa história. Embora hoje o jornal tenha que informar o máximo no mínimo espaço, com vista à otimização do tempo do leitor, ainda há espaço no jornal para a boa história, para a reportagem.

A reportagem reflete o esforço de levar ao leitor o máximo de informações, de conduzi-lo pelos caminhos trilhados pelo repórter, fazendo-o viver o acontecimento. Para isso, recorre a diversas estratégias e a uma miscelânea de gêneros narrativos, abrigando elementos da entrevista, da crônica, do comentário, da análise etc. Na reportagem se mostram as causas e as conseqüências de um acontecimento, apresenta-se o contexto, interpreta-se, aprofunda-se para que o leitor imirja na história, enfatizando a narração, a humanização do narrado, apresentando as impressões sobre os fatos.

No jornalismo impresso diário, a reportagem é o gênero de maior encontro entre o verbal e o não-verbal. Neste espaço discursivo o design surge como o elemento que vai traçar o percurso do olhar e ajudar a construir a narrativa. Lançando luzes, fazendo destaque, criando sutilezas integrando imagens e textos no espaço da página e da edição como um todo. Faz isso a partir de regras de formação e princípios que se estruturam como gramáticas de produção e de reconhecimento do discurso.

A entrevista também pode ser considerada como espécie narrativa, como um relato de acontecimentos por uma testemunha que apresenta seu ponto de vista à medida que é instado a isso pelo entrevistador. Também recebe um tratamento visual diferenciado. Em alguns jornais (como no O Povo), o grid (malha guia para a diagramação da página) pode ser alterado. O contexto e o clima da entrevista costumam ser destacados em pequenos textos isolados, que criam uma atmosfera de proximidade para o leitor, o que "humaniza" o personagem.

Uma estratégia retórica é a diferenciação na estrutura tipográfica entre a pergunta e a resposta. Em muitos casos a pergunta vem em itálico (deitado) e a resposta em romano (em pé, normal). Do ponto de vista semiótico, o itálico pode sugerir a fala de um narrador, que não deve necessariamente aparecer (como o entrevistador). Do ponto de vista gráfico, a leitura do itálico fica prejudicada para textos mais longos. Assim, há certa convenção de que as perguntas venham em itálico e as respostas em romano, que tem uma melhor legibilidade e não conota uma fala transversa.

Uma espécie narrativa a qual Chaparro não incluiu em sua classificação, mas que julgamos pertinente por sua predominância visual é a infografia. A evolução dos recursos computacionais possibilitou uma maior capacidade de relatar os acontecimentos por imagens (desenhos e fotografias) em parceria com os textos verbais. A diagramação não é mais uma atividade inacessível ao jornalista, e os designer estão sendo deslocados para equipes de arte, que contam com os repórteres, que juntos "redigem" esta categoria textual que é a infografia.

No mister de potencializar a leitura, a infografia é um poderoso aliado pela capacidade de muito dizer com poucos elementos, que dificilmente seria possível com textos puramente verbais. Além do aprimoramento das ilustrações infográficas, as representações em forma de tabelas ou gráficos também foram refinados nos últimos anos, ganhando espaço na enunciação jornalística.

8. Gênero relato: espécies práticas

São aquelas ligas aos serviços, categoria de conteúdo que cresceu muito nos últimos anos. Roteiros, agenda, previsão do tempo, indicadores econômicos e tudo o mais que pode servir como guia o leitor, como informação para orientação e tomada de decisão podem ser incluídas neste tipo de relato, tomando como base Chaparro (2008).

Gráficos e tabelas costumam ser a base da estratégia de apresentação destes enunciados. O contraste tipográfico é bastante utilizado para criar percursos de leitura e ícones e símbolos ajudam a condensar as informações nos quadros em quem tais conteúdos costumam ser disponibilizados. Também podem aparecer como elementos de fragmentação do texto, mas este tipo de relato é também objetivo, informativo e deixa a cargo do leitor os dados para que este avalie e tome suas decisões.

9. Considerações finais

Este texto teve por objetivo apresentar uma possibilidade de análise do discurso jornalístico, levando em conta as matérias significantes não-verbais. Considera-se aqui que, no estágio atual do desenvolvimento do jornalismo impresso, não é mais possível entender o jornalismo apenas levando em consideração as componentes verbais.

É preciso, portanto, procurar entender como se dá a modalização, as noções de proximidade, distância, posições dos sujeitos no discurso, ou procurar entender como as leis do discurso, ou as máximas de Grice podem ser adaptadas ao não-verbal.

Não foi possível inserir um número maior de imagens, em função do espaço. Mas resolvemos incluir um link [3] para um álbum com algumas que podem reparar esta ausência. 

Como foi dito no início, esta é uma pesquisa em fase germinativa, que tem um longo percurso a trilhar. É também como convite à aproximação destas duas instâncias discursivas e de saberes que continuam apartados.

NOTAS

[1] Este artigo foi apresentado no GT de Jornalismo do I Colóquio Internacional Mídia e Discurso, Salvador/BA, 17-19 abr. 2009.

[2] O Editorial do Diário do Nordeste foge a esta "regra", por uma opção de ampliar a quantidade de caracteres.

[3] Disponível em: http://picasaweb.google.com.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARNHEIM, R. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São Paulo: Pioneira Thompson Learling, 2002.

BELTRÃO, L. Jornalismo interpretativo. Porto Alegre: Sulina/ARI, 1980. 21ª Ed.

CHAPARRO, M. C. Sotaques d’aquém e d’além mar. São Paulo: Summus Editorial, 2008.

CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2004.

CHARAUDEAU, P. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2006.

DONDIS, D. A. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 2ª Ed.

ERBOLATO, M. L. Técnicas de codificação em jornalismo. São Paulo: Ática, 2002.

FERREIRA, G. M. “Uma proposta metodológica para o estudo da imprensa a partir das mutações na problemática da análise do discurso”. In: Anais do XIV Encontro Nacional da Compós, Rio de Janeiro, 2005.

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*Eduardo Nunes Freire é jornalista, designer gráfico, doutorando em Comunicação e Cultura Contemporâneas na UFBA e professor de design de notícias da Universidade de Fortaleza. Rodrigo do Espírito Santos da Cunha é jornalista e designer gráfico.


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]