Nº 10 - Jul. 2008
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 

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ARTIGOS
 

Conselho do Leitor:
Um sistema de resposta social?

Por Camila Cardozo Arocha*


RESUMO

Reprodução

O objetivo do presente estudo foi relacionar o Conselho do Leitor com a teoria do Sistema de Resposta Social de José Luiz Braga. As leituras evidenciaram que este tipo de circulação social aborda a interação com o leitor sob a ótica capitalista, passando a impressão que a única regra válida no mundo em que vivemos é o lucro, embora a visão mercantilista que as empresas de comunicação possuem não descredencie totalmente a troca de experiências entre os leitores e jornalistas.

PALAVRAS-CHAVE: Dispositivos / Leitor / Impresso / Zero Hora / Mediação

1. Introdução

Neste artigo pretendo relacionar o Conselho do Leitor do jornal Zero Hora com o Sistema de Resposta Social. O interesse por esse dispositivo surgiu pela possibilidade de analisar a midiatização através da relação entre a comunicação e os processos sociais, por exemplo, na observação que os jornais vêm incentivam a mediação entre os jornalistas e seus leitores-consumidores através de um espaço onde os consumidores têm a liberdade para questionar como se desenvolve o trabalho do jornalista. Essa é a idéia do Conselho do Leitor, além de se constituir como um espaço de discussão entre quem dá crédito à notícia – já que compra o jornal - e quem a produz sob critérios profissionais.

A hipótese de Braga (2006) sobre a perspectiva de um terceiro sistema de processos mediáticos é o enquadramento teórico que permitiu a aproximação com o meu objeto de estudo: “Partimos da hipótese de que a abrangência dos processos mediáticos na sociedade, não se esgota nos subsistemas de produção e de recepção” (Cf. Braga, 2006, p. 1). A perspectiva de um Sistema de Resposta Social lista uma série de possibilidades do cidadão se relacionar com a mídia. A hipótese considera as atividades exercidas por meio de dispositivos sociais.

Propomos (...) a constatação de um terceiro sistema de processos mediáticos, na sociedade, que completa a processualidade de mediatização social geral, fazendo-a efetivamente funcionar como comunicação. Esse terceiro sistema corresponde a atividades de resposta produtiva e direcionadora, da sociedade em interação com os produtos mediáticos. Denominamos esse terceiro componente da processualidade mediática de “sistema de interação social sobre a mídia" ou, mais sinteticamente “sistema de resposta social” (Cf. Braga, 2006, p. 2).

Este artigo fará parte da minha qualificação de Mestrado. Neste primeiro momento tento analisar que tipo de demanda os conselheiros repassam ao jornal, quais as preocupações e criticas dos leitores. A descrição do Conselho do Leitor a seguir, indica que esse “lugar” não representa os mesmos leitores a quem o texto jornalístico é direcionado (o leitor médio), [1] mesmo assim o que é discutido sobre a mídia circula entre os infinitos espaços de discussão dos conselheiros, por exemplo, sua família, sua comunidade, seus Blogs. Os conselhos debatem o conteúdo do jornal, configurando-se mais do que um meio de interação que debate as questões políticas ou os últimos acontecimentos no esporte. Constitui-se, de fato, de um grupo com o propósito de discutir como o jornal está se posicionando e porquê.

Para dar embasamento teórico as investigações, utilizo às teorias que se referem aos discursos sociais.

Los medios se están mezclando con todos os aspectos significativos del funcionamiento social. (...) la comunicación mediática es esa configuración de medios de comunicación resultantes de la articulación entre dispositivos tecnológicos y condiciones específicas de producción y de recepción, configuración que estructura el mercado discursivo de las sociedades industriales (Cf. Verón. Apud Carlos, 2007).

As interações entre sujeitos e campos sociais se dão, pois, mediante os contratos de leitura, a saber, conjunto de regras e de instruções construídas pelo campo da emissão para serem seguidas pelo campo da recepção, condição com que ele se insere no sistema interativo proposto e pelo qual ele é reconhecido e, conseqüentemente, se reconhece como tal. O estabelecimento e o funcionamento dos contratos de leitura pressupõem, por outro lado, a existência de dispositivos técnico-simbólicos de cujas leis próprias resultam as modalidades dos contratos de leitura (Cf. Fausto, 1995, p. 199).

A proposta de Fausto (1995) permite compreender como os jornais constroem suas matérias significantes a partir de aspectos verbais e não-verbais do discurso. A suposição central é que cada jornal estabelece uma relação com seus leitores a partir de propriedades do seu próprio discurso engendradas para serem aceitas e consumidas por esses leitores. Todos os momentos da troca comunicacional que se dá por meio da mídia estão interligados e exercem mútua influência. Por isso, ao tratar do tema da recepção e da produção de notícias, procuro verificar as interferências nesta relação, em que o público já é imaginado e considerado na produção, e o receptor busca maneiras de se expressar perante o veículo de comunicação.

2. Interatividade

Os processos de interatividade vêm avançando e produzindo diferentes visões sobre a figura do leitor/consumidor que deixou de aparecer como personagem passivo. Ele quer participar e com isso torna-se cada vez mais relevante o debate midiático ou a necessidades de refletir-se sobre a influência das mídias na vida do cidadão. As inúmeras maneiras que os bens de consumo midiáticos são incorporados pelos consumidores em distintos contextos sociais interessam, não só ao meio acadêmico que considera o consumo como uma relação constitutiva da sociabilidade atual, mas interessa as empresas de comunicação.

A abertura do espaço midiático, para discussão sobre o que a mídia faz, junto aos campos sociais para serem midiatizados no âmbito do dispositivo é percebida como uma estratégia de oferta de sentidos. As empresas montam estratégias para entender as manifestações e percepções dos leitores sobre o jornal, suas fotografias, linha editorial e comercial. Em troca querem saber a percepção do seu leitor-consumidor sobre os seus produtos. 

Outro ponto que Braga explicita é o que relaciona a interatividade com as novas tecnologias. Entendendo que não foram às ferramentas como a Internet, que trouxeram a interatividade. Os veículos de comunicação sempre tiveram contato com seu público, cartas, telefones entre outros meios que de certa forma garantiam algum tipo de contato entre jornalistas e leitores. O que ganhamos nos últimos tempos é a maior visibilidade dessa relação. São Blogs, fóruns, páginas de jornal da Internet que estimulam a discussão dos leitores, solicitando inclusive sua participação para a construção do trabalho jornalístico como o envio de relatos e fotos. O que Braga diz é “na realidade a interatividade faz uso destas tecnologias para aperfeiçoar as trocas. Braga (Cf. 2006, p. 2) ratifica este entendimento:

Discordamos da perspectiva de que só agora, com as redes informatizadas, verdadeiros processos bidirecionais ocorrem. Ao invés, desde as primeiras interações mediatizadas, a sociedade age e produz não só com os meios de comunicação (...). Ao fazer isso, chega inclusive, (...) a desenvolver os novos objetivos e funções para as tecnologias inventadas a serviço inicialmente de pontos de vista relacionados à produção / emissão.

Os leitores interessados participam com o envio de e-mails que lotam as caixas postais eletrônicas de jornalistas. Ainda funcionam as antigas seções de cartas, que selecionam e editam as mensagens para que se “encaixem” no formato do jornal, além do Blog da redação e em raros casos, Ombudsman e Conselhos de Leitores. A comunicação entre os grupos presentes no Conselho (jornalistas e leitores) é da instância de regulação social entre pessoas em conflito ou que têm interesses divergentes.

Para Ferreira (2002) “O que caracteriza o jornalismo como ação social são a fundação e desenvolvimento histórico e social dos dispositivos”. O dispositivo midiático implica algumas limitações processuais. O enquadra. Todo o trabalho de construções de notícias ocorre em um ambiente físico, podemos pensar em um estúdio de rádio, as redações de imprensa, não esquecendo a televisão e dos meios virtuais.

É verdade que há um lugar de autoria da notícia jornalística, mas o campo jornalístico se amplia para esferas diversas de recepção (a recepção que faz o campo acadêmico, os leitores habituais, os estudos de matérias jornalísticos em sala de aula, o uso do material jornalístico como agenda para outros dispositivos discursivos como os blogs, os fóruns, os chats etc.) (Ferreira, 2002).

Desta forma, é de grande importância para o meio midiático e para os consumidores analisar se o Conselho do Leitor existente em um veículo com grande penetração de mercado é uma ferramenta utilizada para melhoria do produto jornalístico (autocrítica) ou apenas forma deste veículo apresentar-se para seu público como aberto à opinião popular, porém sem utilização prática dentro do jornal.

3. Conselho do leitor do jornal Zero Hora

Um fenômeno crescente ocorre na mídia brasileira há, pelo menos, 10 anos. Com o discurso de que, cada vez mais, é o público que escolhe o que lê, os meios de comunicação investem na imagem de que estão se tornando mais interativos. Oferecem ao leitor seu ombudsman, Conselho, Blog e e-mails entre diversos outros recursos de fácil acesso. Além de convidar o leitor a participar como “colaborador” enviando fotos e relatos sobre assuntos pertinentes. 

Essa forma de aproximar o leitor da redação pode ser encarada como uma forma de aferir o perfil de leitores. As reclamações, observações e elogios que chegam à redação podem, ou não, interferir do conteúdo do jornal. Descobrir se essa interferência influência na pauta é uma das preocupações desse trabalho.

Zero Hora instituiu seu Conselho do Leitor em agosto de 1999. A sugestão de montar um conselho foi trazida por Jayme Sirotsky, que conheceu este modelo em jornais europeus.  Desde 2002, quando o conselho sofreu mudanças, para a escolha do grupo de conselheiros são aceitas sugestões de nomes da editoria do leitor e de jornalistas da RBS e sempre é convidado um estudante de Jornalismo.

Cada grupo de conselheiros tem mandato de um ano e comparece para as discussões uma vez por mês, numa reunião que dura em torno de duas a três horas – sempre com a presença de algum colunista convidado pelos próprios conselheiros.

Desta reunião é produzida uma ata com todos os assuntos abordados pelos conselheiros, então encaminhada para os editores responsáveis que a transformam numa coluna que é publicada no primeiro domingo de cada mês, com cerca de quatro mil caracteres. Os critérios para convidar os conselheiros são referentes à participação individual de cada um com o jornal e também à forma que lêem ZH. Em geral a Editora-chefe, que é efetivamente quem escolhe os conselheiros, dá preferência a pessoas que estão sempre mantendo contato e participando com críticas e sugestões, Marta afirma que o jornal procura selecionar leitores de todas as classes sociais e níveis de escolaridade. O que não se mostra representado no grupo de Conselheiros analisados.

Queremos a opinião de leitores com vários tipos de leitura. Procuramos pegar de todos os tipos de leitores, para ter uma discussão mais rica, não é que a gente só vai ter aqui professores, pós-graduados, não nós queremos todos os leitores. E também aceitamos sugestões interessantes, o Valter Bier nosso diretor de circulação, por exemplo, sugeriu que nós convidássemos um dono de banca de jornal, por que ele tem a experiência de ver ali o que o povo gosta, o que o povo não gosta e na hora de selecionar eu chamo estas pessoas e normalmente elas estão loucas para vir, são pessoas super interessadas no jornal (Entrevista à pesquisadora, 2005).

Zero Hora não tem um estatuto formal à disposição de seu público, por isso na primeira reunião é estabelecido com os conselheiros que não existe assunto proibido. Durante a pesquisa, em um contato com a redação do jornal, foi fornecido um “Guia de como Montar um Conselho do Leitor”, a princípio um material de uso interno, que informa que tudo pode ser questionado, desde que com uma discussão de alto nível. Zero Hora demonstra estar disponível por e-mail ou por telefone a qualquer momento para todos os leitores e, principalmente, para os conselheiros. 

O papel da mídia é servir a comunidade. No papel funciona assim. Os meios de comunicação devem estar preparados não só para visar vantagens financeiras e sim para bem informar, educar seus leitores a participarem do jornal. A Deontologia basicamente é “Um conjunto de princípios e de regras, estabelecidos pela profissão, de preferência em colaboração com os usuários, a fim de responder melhor às necessidades dos diversos grupos da população” (Cf. Bertrand, 2002, p. 22). 

De todo o grupo de conselheiros de 2005, grupo que observei do começo ao fim, apenas um participante não tinha formação universitária. Professores universitários, juizes, gestores de grandes empresas, fazem parte do grupo. E sempre tem um estudante de jornalismo, por que a empresa entende que a RBS é muito questiona dentro das universidades e por isso chama para o debate um universitário. Isto pode ser reflexo do público-alvo que o jornal espera atingir. Ou simplesmente uma forma de tornar os debates mais produtivos.

4. Sistema de resposta social

Alguns conceitos precisam ser abordados para que se perceba o esforço de tentar compreender o Conselho do Leitor como dispositivo.

Para Braga, o desdobramento de um terceiro sistema – O de Resposta Social – colabora para compreendermos os processos de circulação social da midiatização.

A lógica presente em diferentes processos de circulação social é a econômica, no sentido capitalista, em que se busca direta ou indiretamente o lucro, através da ampliação dos públicos, da seleção para consumo, do marketing, da vizibilização etc. (Cf. Braga, 2006, p. 322).

Para “determinar o que se enquadra dentro dos ”processos sociais de enfrentamento e controle da mídia”, o autor ressalta que é de grande relevância não confundir os conceitos de resposta e retorno. Para o autor, “nem toda resposta retorna eficazmente ao interlocutor”. (Cf. Braga, 2006, p. 4). Inicialmente Braga estabelece que o Sistema de Resposta Social trata-se da crítica da mídia, que não se deve confundir com falar sobre a mídia. Esta diferenciação se faz necessária, pois estabelece um acercamento, sendo que existem diversos produtos midiáticos que falam sobre a mídia (revistas especializadas em novelas, programas de divulgação de outros programas...):

Devemos então distinguir: o que a mídia veicula (e que caracteriza, na verdade como sistema de produção); e que tendo sido veiculado pela mídia, depois circula na sociedade. Estamos tratando dessa segunda ordem de processo (...) nesse tipo de circulação que nos interessa é que vamos encontrar o que a sociedade faz com a sua mídia: é, portanto uma resposta (Cf. Braga, 2006, p. 7).

O fato de que os dispositivos socialmente gerados para organizar falas e reações sobre a mídia utilizam - com freqüência – a própria mídia como veiculadora esta seria uma razão adicional para a dificuldade de percepção do que chamamos de sistema de interação social sobre a mídia, como componente a ser diferenciado dos sistemas de produção e de recepção (Cf. Braga, 2006, p. 16).

Naturalmente, os novos dispositivos mediatizadores deslumbram pelas possibilidades técnicas de aproximação, contato e, ainda, por suas características de inclusividade e penetrabilidade, mas desafiam pela sua coexistência com outros processos sociais não midiáticos. Para o autor, a comunicação não se limitaria a estudar os meios de comunicação como característica inerente e exclusiva da área e como única possibilidade de percepção das relações sociais hodiernas, mas deveria lançar luz sobre o que há de conversacional ou de troca comunicativa. Em outras palavras, “observar como a sociedade conversa com a sociedade” (Cf. Braga, 2001. Apud Vilaça & Lima, 2006, p. 2).

Uma maneira de referir-se à interação comunicacional é considerar que se trata aí dos processos simbólicos e práticos que, organizando trocas entre os seres humanos viabilizam as diversas ações e objetivos em que se vêem engajados [...] e toda e qualquer situação que solicita co-participação (Cf. Braga, 2001. Apud Vilaça & Lima, 2006, p. 2).

Segundo o autor, é “Através do controle social os poderes, os valores profissionais e sociais diversos que possam ser ameaçados por lógicas estritas de produção cultural comercial serão analisados pelos seus leitores-consumidores” (Braga, 2006). Os processos sociais de enfrentamento e controle da mídia foram considerados para determinar a escolha de 10 “objetos” de estudos” que se enquadravam como dispositivos de Resposta Social, dentre eles o Conselho do Leitor do jornal Zero Hora.

A sociedade se organiza para tratar a própria mídia, desenvolvendo dispositivos sociais, com diferentes graus de institucionalização, que dão consistência, perfil e continuidade a determinados modos de tratamento, disponibilizando e fazendo circular estes modos no contexto social.  A própria interação com o produto circula, faz rever, gera processos interpretativos (Cf. Braga, 2006, p. 13).

5. Conselho do Leitor x Sistema de Resposta Social

Observo como relevante verificar algumas estratégias e processos desenvolvidos por um determinado veículo de comunicação como dispositivo social de resposta.

Por isso os conceitos de Braga serão relacionados como o Conselho do Leitor do Jornal Zero Hora para dar continuidade à pesquisa que já vem sendo desenvolvida a mais de um ano.

Apesar de considerar o Conselho do leitor como uma estratégia de autocrítica, já que este espaço foi desenvolvido pela empresa para verificar a credibilidade e forma de aperfeiçoamento do seu produto, no caso, o jornal, o autor entende que este dispositivo tem problemas como um Sistema de Resposta Social:

Uma segunda dificuldade decorreu da percepção de que o sistema de resposta era responsável pelo retorno – da sociedade ao sistema produtivo direcionando, em parte, a própria produção. (...) Entretanto, se parece mesmo ser verdade que o “falar sobre a mídia" gera informações de feedback. (...) Alguns processos ocorrentes no subsistema, ainda que possam resultar em informações de retomo, não são ativados expressamente com este objetivo, sendo voltados antes para o desenvolvimento de competências usuárias. (...) (o retomo por medida de audiência, por exemplo, não parece ter semelhança com os processos que me interessam (Cf. Braga, 2006, p. 4).

Os dispositivos de resposta social representam bem mais que uma nova forma de interação como o leitor, ouvinte ou telespectador. O fato de uma empresa do porte da RBS manter um contato efetivo como um grupo de leitores, por mais que sejam vistos como consumidores, faz com que essa “ferramenta” deixe de lado seu papel meramente de grupo focal de consumidores e se transforme em certo controle da mídia. As fazê-lo, interfere de forma diferenciada no fazer jornalístico, midiatizando-o e tornando conceitos como o da credibilidade insuficiente para explicar o jornalismo.

No mesmo texto, porém, Braga (Cf. 2006, p. 323) expõe que o Conselho do Leitor embora possua deficiências como falta de objetividade do seu uso, não perde sua validade como sistema de crítica da mídia.

Assim o dispositivo crítico interpretativo desenvolvido pelo sistema de produção nem por isso deixa de ser crítico. Certamente faz parte do sistema de resposta. (...) Tem menos probabilidades de atender a interesses e necessidades sociais de outros setores que não o da produção midiática.

Sentir-se atendido em suas demandas e perceber que há espaço para que se manifeste no jornal são algumas motivações que fazem com o que o leitor procure o jornal para expressar sua opinião, fazer uma sugestão ou crítica.

A comunicação a que se expõe é representada como uma opção do destinatário, num processo racional de adequação dos meios disponíveis para os fins almejados. É nesse contexto que toda hipótese de efeito linear do conteúdo dos meios de comunicação de massa sobre as atitudes, os valores ou comportamentos do público é invertida, uma vez que é o receptor quem determina se haverá ou não um processo de comunicação real (Cf. Wolf, 2003, p. 68).

De acordo com o “Guia para montar um Conselho do Leitor” do jornal Zero Hora, material de uso interno, que foi fornecido pela editora-chefe Marta Gleich, os conselheiros podem levantar questões pertinentes em relação às fotografias, diagramação, colunistas, critérios que o jornal utiliza para escolher suas fontes, enfim, podem-se discutir tudo, desde que tenha relação com o conteúdo do jornal e sirva para esclarecer essas e outras dúvidas dos conselheiros.

Cada jornal tem seus critérios próprios para escolher seus conselheiros. Zero Hora, por exemplo, recebe indicações da editoria de atendimento ao leitor. Outros jornais preferem abrir a seleção a todos os seus leitores, colocando anúncios e solicitando currículo dos candidatos para triagem em entrevistas. A esse respeito, Marini questiona:

O jornal perde a identidade ao dar ouvidos aos leitores? A Redação se melindra com as críticas? Os leitores entendem de Jornalismo? Como se defender em relação aos lobbies dos leitores quando as portas são abertas? Afinal, os leitores devem mesmo se intrometer em assuntos da redação? Essas perguntas, e muitas outras, sempre são feitas quando se pensa em implantar um Conselho de Leitores. É natural que elas existam, devido à falta de história a respeito do tema, que é tão novo quanto polêmico. Não faz parte ainda da formação dos jornalistas, nas faculdades e na cultura das redações, o diálogo institucional com os consumidores sobre o controle de qualidade do produto. Por isso, pode soar estranho quando se fala em incentivar os leitores à participação em um canal direto, legítimo, permanente e democrático, que não seja burocrático e que transcenda à impessoalidade das cartas e e-mails (Marini, 2004).

O Conselho de Leitores criado na década de 1980 no Diário da Manhã de Goiânia, integrado por 50 pessoas, todas convidadas e escolhidas pelo Conselho Editorial tinha representantes de partidos políticos, entidades da sociedade civil, sindicatos patronais e de trabalhadores. Washington Novaes, repórter do jornal na época, classificou a experiência como extraordinária, "[...] porque mostrou, principalmente, que a sociedade pensa que um jornal deve ser bastante diferente daquilo que nós, jornalistas, pensamos" (Novaes, 1988. Apud Mota, 2004).

Nesta experiência, a circulação do jornal aumentou expressivamente. Mesmo uma iniciativa voltada para o lucro gere retorno, gera circulação do conteúdo discutido e por tanto compreendo como resposta social.

A observação sobre o Conselho do Leitor permite dizer que todos os campos sociais estão presentes na contextualização do dispositivo, porém com variações diferentes. A especificação de tais aspectos, nos termos dos itens a seguir apresentados e comentados, serve para apoiar a compreensão das estratégias discursivas de produção de sentido do dispositivo estudado e para perceber os processos com que são trabalhados (tematizações) os diferentes campos sociais:

a) As manifestações procedentes da própria sociedade que se encontra ali representada. Mesmo que seja uma representação, em termos determinados pela empresa que sempre convida para formar a mesa de discussões pessoas que tem certa notoriedade social, por exemplo, algum ex-reitor, professores universitários, militantes políticos, juízes de direito etc.

b) No que se pode observar sobre o conteúdo das discussões do conselho, as tematizações mais freqüentes são sobre o campo político e econômico. Questões sobre o envolvimento da empresa jornalística como os partidos e como seus anunciantes. Foram exaustivas as enunciações sobre a avaliação de desempenho do Governo Federal e estadual, e até sobre o controle da inflação e outros assuntos que não tinham sido tratados diretamente nas páginas dos jornais, mas que os conselheiros entendiam como midiatizados e por tanto cabiam na discussão. Logo após os campos da economia e da política, o campo social esportivo foi o que recebeu a maior relevância. O que curiosamente era confundido ou misturado com o conteúdo das rádios (Um freqüente atravessamento dos dispositivos midiáticos dentro do dispositivo de resposta social).

c) Alguns repórteres e editores eram convidados a integrar as reuniões para comentar fatos e declarações provenientes dos diferentes campos sociais e da própria mídia, (Por exemplo, porque a ZH não utiliza alguma voz no caso dos sem terra) nesse caso, o representante do dispositivo – Jornal vale-se quase exclusivamente das falas dos agentes do dispositivo que representa, mas o discurso indireto das fontes sempre se faz presente (midiatizado).

O recorte retrata um processo de encontro de vários dispositivos dentro do dispositivo de resposta social sintonizado com os principais campos sociais midiatizados pela cultura de massa. Sabe-se da importância da opinião dos leitores/consumidores de todos os produtos de comunicação, inclusive jornais, principalmente para o norteamento da sua postura editorial e para medição de sua eficiência, tanto jornalística quanto comercial. Porém, além da convicção de que esta é, teoricamente, uma boa estratégia, precisa-se saber se isso acontece na prática, se o leitor realmente transforma o jornal.

Na realidade, o dispositivo estudado é o Conselho do Leitor, que em certos aspectos tem caráter meramente organizacional; é preenchido por campos sociais diferentes daqueles que, em princípio, se poderiam pressupor como dominantes na comunicação organizacional.

6. Considerações finais

A mídia tem a capacidade de repercutir e de gerar discussão. Sua atuação, quando tecnicamente atual e simbolicamente eficiente parte do pressuposto de que não deve lançar idéias diretamente à população, mas, sim, organizar um grupo de assuntos ou de notícias que seus patrocinadores e o senso comum consideram relevantes. Por isso se justifica o interesse em saber o que mais os leitores têm a dizer.

Os conselhos de leitores têm a função de promover uma discussão em relação à qualidade, direitos e deveres das mídias. No caso do Conselho de Leitor promovido por um único jornal impresso no qual os membros deste são seus próprios leitores, o objetivo é promover o debate aberto entre o jornal e seu leitor sobre a qualidade do jornalismo que está sendo produzido e o posicionamento editorial do jornal. Desse modo, o conselho do leitor tenta promover a discussão entre esses dois lados para esclarecer critérios de produção de notícias aos leitores que do seu lado contribuem para o jornal trazendo as suas percepções como consumidores dizendo o que gostam ou não no jornal.

O conselho do leitor é mais do que um lugar onde se critica a mídia. É compreendido aqui como um dispositivo complexo que permite uma troca de experiências entre os jornalistas, a empresa e seus leitores dessa forma vai construindo cruzamentos visíveis e invisíveis.

O leitor, por sua vez, aceita todas as formas de participação que são oferecidas pelas mídias porque quer efetivamente participar. É uma necessidade que cresceu com a Internet, site de conversas, blogs e tantas outras formas que hoje são possíveis para declarar opiniões e compartilhar informações num ambiente virtual de fácil acesso e que permite muita interação. Os jornais impressos têm aceitado esse novo conceito, de leitor participante, e vêm criando espaços cada vez mais de acordo com o perfil do seu leitor.

É claro que constatar um sistema de interação social sobre a mídia (em cujo âmbito ocorrem ações de retorno, de crítica, de aprendizagem, de controle da mídia e de interpretação produtiva) não corresponde a uma visão ingênua de que a sociedade estaria sabendo enfrentar o que produz mediaticamente e sua disseminação, ou de que corrigiria automaticamente as eventuais distorções do setor de produção (Cf. Braga, 2006, p. 18).

Braga (Cf. 2006, p. 6) afirma que:

Primeiro, devemos distinguir o subsistema de interação social sobre a mídia do conceito material, e mais próximo da perspectiva econômica, de circulação de bens - em que o que importa é o fato de objetos materiais e/ou serviços serem fornecidos e recebidos. Não se trata, portanto, da possibilidade de um livro passar de mão em mão - ou de que músicas circulem pela Internet. Importa que várias pessoas tendo lido o mesmo livro ou escutado e apreciado um mesmo tipo de música; e que, tendo alguma informação sobre tais materiais, "conversem" sobre tais objetos e interajam com base nesse estímulo (Cf. Braga, 2006, p. 6).

Com base neste trecho ratifico o posicionamento do autor quanto à efetividade do conselho do leitor como sistema de resposta social, uma vez que se trata de um grupo de pessoas que se reúnem para falar sobre o conteúdo editorial do jornal, questionar as escolhas de fontes, questionarem as escolhas de imagens e tudo isso tendo contato direto com a redação do jornal.

Por fim, acredito que as leituras evidenciaram que este tipo de circulação social aborda a interação com o leitor sob a ótica capitalista, passando a impressão que a única regra válida no mundo em que vivemos é o lucro, embora a visão mercantilista que as empresas de comunicação possuem não descredencie totalmente a troca de experiências entre os leitores e jornalistas.

NOTA

[1] Certo conhecimento atribuído ao campo do jornalismo propõe regularmente aos redatores, que, ao escrever, “se coloquem no lugar do leitor”. Quer dizer: há um saber atribuído ao leitor, mas que deve ser assumido pelo campo da produção. Tais regras estão claramente presentes nos manuais de redação, nos quais, segundo a nossa hipótese, a noção de leitor já é devidamente construída (Cf. Fausto, 1995, p. 192).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAGA, J. L. A sociedade enfrenta sua mídia – Dispositivos sociais de crítica midiática.São Leopoldo: Ed. Paulus, 2006.

BERTRAND, C-J. A Deontologia das Mídias. Bauru/SP: Edusc, 1999. Tradução: Maria Leonor F. R. Loureiro.

FAUSTO NETO, A. “A deflagração do sentido. Estratégias de produção e de captura da recepção”. In: SOUZA, M. W. (Org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995.

FERREIRA, J. G. “Dispositivos discursivos e o campo jornalístico”. Ciberlegenda, n° 9, s/r, 2002. Disponível em: http://www.uff.br/mestcii/jairo4.htm. Acesso em: 15 nov. 2007.

MARINI, W. “Conselho de Leitores, um caminho”. In: ANJ, dez. 2004. Disponível em: www.anj.org.br.

MOTA, R. “Uma pauta pública para uma nova televisão brasileira”. Revista de Sociologia e Política, nº 22, Curitiba/PR, 2004.

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WOLF, M. Teorias das Comunicações de Massa. São Paulo: Martins Fontes, 2003

*Camila Cardozo Arocha é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo/RS.


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]