Nº 10 - Jul. 2008
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 

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ARTIGOS
 

As origens do jornal
O Estado do Maranhão

Reprodução

Por Francisco Gonçalves da Conceição e Ramon Bezerra Costa*

RESUMO

Esta pesquisa integra o projeto Mídia, Política e (E)leitores: mudanças políticas, formação de grupos de comunicação e criação de instâncias de interlocução na sociedade maranhense, vinculado ao Núcleo de Estudos e Estratégias de Comunicação da UFMA. O presente texto aborda as origens do jornal O Estado do Maranhão a partir da aquisição do Jornal do Dia pelo então governador José Sarney, o contexto sócio-político e o fazer jornalístico da época. Analisa ainda a mudança de nome do Jornal do Dia para O Estado do Maranhão, em 1973, e os principais fatos dessa história, especialmente, o fortalecimento político-econômico do grupo Sarney.

PALAVRAS-CHAVE: Jornal do Dia / O Estado do Maranhão / Alberto Aboud / José Sarney

1. A “pré-história”: o Jornal do Dia

Periódico de caráter político, o Jornal do Dia – um órgão a serviço da comunidade circulou pela primeira vez em 8 de março de 1953. Nessa época, tinha como diretor Arimathéia Athayde, como gerente Renato Carvalho e José Bento Neves como secretário. Nos seus primeiros anos, o jornal tinha oito páginas e funcionava na rua Joaquim Távora, número 105-B, hoje rua de Nazaré. Arimathéia Athayde esteve à frente do jornal até 12 de agosto de 1953, quando Renato Carvalho assume a direção, um mês depois, o então deputado Raimundo Emerson Bacelar, também diretor da Rádio Timbira, compra o periódico.


Fig. 1. edição do Jornal do Dia (8 mar. 1953).

Em 1955, o jornal troca de slogan, passando a se chamar Jornal do Dia – alma e pensamento da cidade. A partir de 4 de julho deste ano, Raimundo Bacelar [1] é retirado da direção do jornal e substituído por José Bento Neiva, e pelo deputado Eurico Bartolomeu Ribeiro como diretor responsável. No mês de setembro, o deputado Cid Carvalho assume a direção do jornal. Essa primeira fase do periódico termina em 1958, com o título pertencendo a Alexandre Alves Costa e o jornal ficando pouco mais de um ano [2] sem circular, até o momento em que é adquirido por Alberto Aboud.

No dia 1° de outubro de 1959 é constituída a Empresa Jaguar Ltda., um instituição com o objetivo de “explorar o ramo do comércio de serviços gráficos e correlatos, assim como a manutenção de um órgão de imprensa sob a denominação de Jornal do Dia”. O contrato da empresa foi assinado por: Alberto Wady Chanes Aboud; Benedito Rabelo dos Reis; Raimundo Vieira da Silva; José Ribamar Teixeira de Araújo; Alexandre Francis e Celeste Haickel (vale observar que já no fim da década de 1950 famílias como Vieira da Silva e Haickel, hoje proprietários de vários veículos de comunicação no Maranhão, já estavam investindo nesse ramo).

Destes, Alberto Aboud tinha a maior parte das ações e passa a controlar, diretamente, o funcionamento do jornal. A criação da Empresa Jaguar, em 1959, inicia uma nova fase do Jornal do Dia, depois de mais de um ano sem ser publicado, e é tida, pelo Sistema Mirante de Comunicações, [3] como o marco de fundação do atual jornal O Estado do Maranhão, momento que o grupo considera como o início da sua história.

Trazendo como manchete principal os problemas entre o PTB e o então governador do Maranhão, Matos de Carvalho, no dia 17 de janeiro de 1960, circulou a primeira edição da nova fase do Jornal do Dia, enquanto propriedade de Alberto Aboud. O jornal foi instalado em um casarão na Rua José Augusto Correia, número 199, hoje Rua de Santana. A sede do jornal mantinha ligação, pelos fundos, com a residência pessoal de Alberto Aboud, localizada na rua grande, onde funcionou a Loja Mesbla e, atualmente, está localizada a Loja Insinuante.

O jornal circulava seis vezes por semana (terça a domingo) e trazia no expediente Alberto Aboud como diretor responsável, José Ribamar Teixeira Araújo como diretor-adjunto e Walbert Pinheiro como secretário. Entre os jornalistas que trabalharam no Jornal do Dia estão: Ribamar Fonseca, Sebastião Jorge, Edson Vidigal e Carlos Cunha.


Fig. 2. edição do Jornal do Dia sob
direção de Alberto Aboud (17 jan. 1960).

No portal Imirante, uma das mídias do Sistema Mirante, na seção Quem Somos, o dia 1° de maio de 1959 é apresentado como a data de fundação do jornal O Estado do Maranhão. Mas durante a pesquisa não foi encontrado nenhum registro do Jornal do Dia para essa data, até porque ela está no período em que o jornal não circulou. Prova disso é que a empresa que relançou o Jornal do Dia só é formada em 1° de outubro de 1959 e o jornal volta a circular em 17 de janeiro de 1960. Com isso, é improvável que a fundação do jornal remeta a 1° de maio de 1959. Inclusive, o aniversário do Jornal Dia, após a compra por Alberto Aboud,era comemorado na data em que este voltou a circular, a edição de 17 de janeiro de 1961, trazia no editorial, intitulado “Cumprimos nosso dever”, palavras de comemoração ao primeiro ano do jornal.

A resposta que podemos esboçar para esse impasse e que será considerada na pesquisa é a seguinte: entre a venda do Jornal do Dia por Alexandre Costa a Alberto Aboud, o jornal ficou sem circular entre outubro de 1958 até janeiro de 1960. Por isso, quando retoma suas atividades, em 17 de janeiro de 1960, inicia-se uma nova fase, que tem na criação da Empresa Jaguar seu marco de fundação, ainda que o jornal só comece a circular três meses depois. 

Enquanto se chamava Jornal do Dia o aniversário do periódico era comemorado no dia 17 de janeiro, mas com a troca do nome, em 1° de maio de 1973, primeira edição com o novo título (O Estado do Maranhão) passou-se a comemorar os aniversários do jornal no dia do trabalhador, mas mantendo-se o ano de 1959 como marco de fundação do jornal. Pois é o momento em que é inaugurada a nova fase do Jornal do Dia da qual José Sarney irá participar, como veremos à frente. A informação equivocada no portal Imirante é motivada pelo interesse do Sistema Mirante em criar uma tradição do jornal, a partir da demonstração de sua longa história.

Alberto Wady Chanes Aboud era de uma família de empresários libaneses que chegaram à São Luís no início do século XX. As empresas da família englobavam uma companhia de navegação fluvial, usinas de extração de óleo, algodão e beneficiamento de arroz. Aboud entrou no ramo da imprensa por pura conveniência política, pois julgava que para executar um projeto político e alcançar a vida pública precisava de um veículo de comunicação.

Por isso, negociou com Alexandre Costa a compra do Jornal do Dia. Porém, mesmo antes de comprar o jornal elegeu-se deputado estadual pelo PTB em 1958 e em 1962 entrou para a Câmara Federal pelo PSD, partido do então chefe político do Maranhão, Victorino Freire. Alberto Aboud ficou no PSD até 1965, quando foi apoiar o candidato das Oposições Coligadas [4] para o governo do estado, José Sarney – esse apoio se materializou, entre outras coisas, com a colocação do Jornal do Dia à disposição da campanha de José Sarney.

Após o golpe Militar, Aboud filia-se a Arena e através dessa legenda é reeleito à Câmara dos Deputados. Em 1968, já fora da administração do Jornal do Dia, é eleito prefeito de São José de Ribamar. [5]

No ano de 1968, o então governador do Maranhão, José Sarney – UDN – (1966 a 1970), entra para o quadro societário do Jornal do Dia. Neste ano, Alberto Aboud havia vendido o periódico a um grupo político formado por José Ribamar Marão, que possuía metade das ações do jornal, e a outra metade pertencia a um grupo formado por Clodomir Millet e Nunes Freire. [6]

Em novembro de 1968, segundo citação de José Sarney, na edição do dia 1° de maio de 1999, do jornal O Estado do Maranhão, ele trocou sua casa na rua Rio Branco, número 228, Centro de São Luís, pelas ações de José Ribamar Marão, ficando com metade delas, pouco depois, adquire as outras, tornando-se o proprietário do Jornal do Dia. É também no ano de 1968 que o poeta e jornalista Bandeira Tribuzzi passa a dirigir, a convite de Sarney, a redação do periódico.

A aquisição de um jornal, por José Sarney, é motivada por interesses políticos, como ele próprio descreve em entrevista concedida a Paulo César D’Elboux, em 18 dezembro de 2002, em Brasília:

Eu criei o jornal porque eu tinha que ter um instrumento político (...). O jornal não era de empresário, não era um negócio que nós estávamos precisando, era uma inspeção do processo político (Cf. D’Elboux, p. 37).

Os jornais maranhenses nas décadas de 1960 e início de 1970 tinham um caráter essencialmente político, não existia a preocupação de “cobrir” diversos fatos que poderiam interessar à sociedade. As poucas notícias nacionais e internacionais publicadas eram buscadas em programas de rádio ou em cabogramas. [7] Assim, como relata Benedito Buzar, o jornalismo maranhense nessa época funcionava sob o tripé: polícia, política e esporte. Os jornais tinham apenas a incumbência de noticiar, ou mesmo defender, o que interessava aos donos, ao grupo político proprietário do jornal.

Ainda que hoje, o jornalismo esteja, majoritariamente, limitado aos donos das empresas jornalísticas e as questões políticas ainda sejam preponderantes na imprensa maranhense, a diferença, atualmente, é que há uma diversidade de assuntos cobertos, houve um aumento na quantidade de profissionais trabalhando e uma profissionalização, no sentido de que existem cursos superiores de jornalismo, teorias e princípios éticos para balizar o trabalho.

Nesse período, o Maranhão tinha a economia fundada na agricultura, uma população de, aproximadamente, mais de 2 milhões de pessoas, com uma grande parcela analfabeta e a maior parte residindo na área rural (82%), contra 18% do centro urbana. [8] Com isso, os jornais impressos serviam de divulgação para uma pequena elite letrada com acesso a esse bem e localizada na capital do estado, pois a circulação dos jornais se dava, especialmente, em São Luís, era mínima a quantidade de jornais que chagavam ao interior do estado devido a precariedade nos veículos de comunicação e de transporte.

Apesar da pouca penetração dos jornais, pelos motivos expostos acima, eles eram importantes e esperados pela população de São Luís, pois traziam as idéias e informações oposicionistas. A população ludovicense tinha uma forte tradição política e era, em sua maioria, contraria ao atual governador, Victorino Freire, e a quase a totalidade dos jornais faziam oposição a este governo, quase não existiam jornais governistas, ao contrario de hoje, quando a maior parte dos veículos de comunicação está atrelada ao poder público. A pouca penetração das idéias oposicionistas no interior do estado estava, então, relacionada, entre outros fatores, à carência e a não chegada dos jornais impressos nesses municípios, o que facilitava a ação governista.

2. O pai do jornal: uma breve trajetória de José Sarney

José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, vinha de uma história política gestada no movimento estudantil, foi um dos representantes do chamado Movimento de 45, [10] era bacharel em Direito e respeitado nas rodas intelectuais de São Luís. Candidatou-se pela primeira vez a um cargo eletivo em 1954, quando pleiteou uma vaga na Câmara Federal, pelo PSD, partido do então chefe oligárquico do Maranhão, Victorino Freire, com o apoio do qual se inseriu na política estadual, ficou na suplência, chegando a assumir o mandato algumas vezes. Depois, consegue se eleger como deputado federal em 1958 e se reeleger em 1962, já na UDN – União Democrática Nacional.

O pseudônimo José Sarney veio antes das eleições de 1957:

(...) por iniciativa do poeta português Bandeira Tribuzi, (José Ribamar Costa) decidiu adotar o pseudônimo de José Sarney (...). Ele começou um trabalho de marketing político ligando, através do nome, a sua imagem, à imagem de seu pai, que era figura de destaque na sociedade maranhense. Com esse novo pseudônimo, José Sarney elegeu-se deputado federal, (...) sendo o segundo deputado mais votado do Maranhão. Sua campanha foi baseada no combate à corrupção eleitoral e administrativa que reinava no Estado (Cf. D’Eloux, p. 04).

2.1 O fortalecimento político e econômico

O poder político e econômico do “pai” do jornal O Estado do Maranhão, como é notório hoje, começa a se moldar quando José Sarney chega ao governo do estado. A eleição de Sarney, em 1966, marca o fim do chamado Vitorinismo. [10] Eleito pela UDN, Sarney foi conduzido ao executivo estadual por um movimento chamado de Oposições Coligadas, grupo político que se reuniu para rescindir com o poder exercido por Victorino Freire (PSD) no estado. 

Fazendo uma alusão com o recente período histórico do Maranhão, era uma espécie Frente de Libertação do Maranhão, articulação política que levou Jackson Lago ao governo do estado em 2007. Pois ambas tinham como objetivo “quebrar uma oligarquia”. Em 1965, José Sarney se apresenta como quem irá tirar o Maranhão do atraso, fazendo isso, primeiramente, por meio da quebra da oligarquia de Victorino Freire, pouco mais de 40 anos depois, forma-se outra articulação política no estado para “salvar o Maranhão” de quem o “salvou” há pouco mais de quatro décadas atrás. Mas a eleição de Sarney, em 1966, esteve mais relacionada ao contexto nacional do que propriamente a relações locais.

Com o golpe militar, em 1964, Costa (1997) destaca três efeitos que influenciaram diretamente na eleição de José Sarney para o governo do Maranhão. Primeiro, com a repressão advinda do recém chegado regime, as lideranças de esquerda, como Neiva Moreira e Maria Aragão, foram perseguidas e José Sarney, com uma posição mais centrista, se consolida como uma liderança propondo um “Maranhão Novo”.

Segundo, uma divergência interna no PSD, levou o Vitorinismo a uma cisão em torno de dois candidatos ao governo: o candidato de Victorino Freire foi Renato Archer e o atual governador do estado, Newton Bello, na tentativa de se consolidar como um novo líder político do Maranhão “banca” a candidatura de Costa Rodrigues. Terceiro, o apoio do governo do Marechal Castelo Branco (1964 a 1967) a candidatura de Sarney, que se materializou em ações como: revisão eleitoral com o objetivo de combater a corrupção, convocação das tropas do exército para garantir a lisura das eleições e apoio financeiro. A revisão eleitoral permitiu a exclusão dos “eleitores fantasmas” (foram eliminados mais de 200 mil, num universo de 500 mil), uma das principais estratégias eleitorais do PSD.

José Sarney (UDN) chega ao governo estadual com o apoio de setores populares, de políticos civis, mas especialmente dos militares recém chegados ao governo federal através do golpe de 1964, selando o início de uma longa relação que conferiria grandes ganhos ao político maranhense, especialmente na expansão do seu Sistema de Comunicações. Sarney chegou ao governo do Maranhão com um discurso de modernização, desenvolvimentista, colocando-se como uma liderança política e popular. A relação com os governos militares se mostra também na expansão do processo econômico implantado pelos militares para as regiões mais afastadas do centro do Brasil. Foi uma troca mútua: os militares necessitavam de apoio para a ampliação do seu projeto, tanto do ponto de vista econômico quanto ideológico, e Sarney pretendia consolidar-se política e economicamente, foi uma aliança perfeita.

Durante a gestão de Sarney no governo do Maranhão, ele não investiu na criação direta de outros veículos de comunicação, ficando apenas com o Jornal do Dia

Apesar de que já existirem rádios e uma emissora de TV no estado, não era interessante, neste momento, o trabalho e os investimentos necessários na criação de emissoras de radiodifusão, [11] pois Sarney estava empenhado nas conquistas políticas, que na época, não dependiam, diretamente, de instrumentos de difusão de formas simbólicas e da conquista das massas. Mas isso não significa que Sarney não tinha veículos de comunicação a seu favor e afinados com seu projeto político, pois como governador do estado e político influente que era, tinha prestigio nas emissoras da época, especialmente do grupo Difusora, de propriedade da família Bacelar, para a qual seu jornal fazia propaganda na época: “Ouça a Difusora”, a frase apareceu em várias edições do Jornal do Dia.

Na própria dinâmica política da época, era secundária a necessidade de mecanismos de transmissão de ideologia como tática de construção da hegemonia e obtenção de poder político. Os movimentos sociais e outras organizações populares ou grupos políticos com os quais seria necessário disputar lugar em regimes democráticos eram poucos e viviam na clandestinidade, e durante o regime militar, as eleições não se davam por meio de processo direito, então, a conquista das massas não era uma prioridade, era preciso concentrar as forças nas outras disputas que de fato garantiam poder. Nesse sentido, um jornal impresso que fizesse propaganda do governo, aliado com outras emissoras de radiodifusão cumpria o papel.

A relação do governador José Sarney com o Jornal do Dia e como se dava o fazer jornalístico naquele período pode ser percebido na edição do dia 31 de janeiro de 1969. Neste dia, o periódico traz uma edição especial em comemoração aos três anos do governo Sarney, com uma série de reportagens sobre “os feitos” do governo. Quase todas as páginas do jornal foram dedicadas a fazer propaganda do governador, podendo ser comparado aos atuais jornais de assessorias. Eram textos que ocupavam páginas inteiras. Matérias falando de asfaltamento, energia elétrica, saneamento e infra-estrutura e mensagens de empresas que tinham trabalhado e/ou se beneficiado com o governo, como a Construtora Itapoã LTDA. Algumas tinham um caráter de gratidão pelos benefícios que Sarney trouxe ao estado: “Saudamos no Governador José Sarney – o construtor do Maranhão Novo”.

Segundo Costa (1997), a eleição indireta de João Castelo, em 1978, para o governo do Maranhão, foi o marco da consolidação da oligarquia Sarney no estado. A partir daí, esse grupo passa a controlar o processo de sucessão do governo estadual. Os governadores eleitos ou faziam parte da oligarquia, ou ganharam com o apoio desta: João Castelo (1979 a 1982), Luís Rocha (1983 a 1986), Epitácio Cafeteira (1987 a 1990), Edíson Lobão (1991 a 1994), Roseana Sarney (1995 a 1998/1999 a 2002) e José Reinaldo (2003 a 2006) que rompeu com a oligarquia, mas só durante o mandato.

Juntamente ao governo do estado, a oligarquia também contava com o apoio de vereadores, deputados estaduais e federais, senadores e do poder judiciário. Os poderes políticos e econômicos advindos da posse de mandatos eletivos foram de importância nevrálgica para o desenvolvimento do seu poder no campo ideológico.

Hoje, a família Sarney não mais exerce influência no executivo estadual, muitos analisaram isso como “a libertação do Maranhão”, mas o poder deste grupo reside nas redes políticas e econômicas montadas no estado, que incorpora os outros poderes e, sobretudo, a posse dos instrumentos sócio-tecnológicos de mediação, que ao contrário de trinta anos atrás, tem grande importância.

3. A universidade impressa: O Estado do Maranhão

Após quatro anos como governador do Maranhão, em 1970, José Sarney é eleito senador pela Aliança Renovadora Nacional do Maranhão (ARENA/MA) para um mandato de oito anos (1971 a 1979). Foi como senador que promoveu a troca de nome do Jornal do Dia para O Estado do Maranhão. A mudança coincidiu com a troca de endereço, foi nesta época que a sede do jornal se mudou para a Avenida Ana Jansen, número 200, no bairro do São Francisco, onde funciona até hoje. O periódico, com o novo nome, foi publicado no dia 1° de maio de 1973 e, como destacado por Sarney, no editorial, “não temos nenhuma inauguração a fazer. Hoje, o Jornal do Dia chama-se O Estado do Maranhão”.

A diferença residia no caráter técnico de sua produção, pois o jornal passava a ser feito em off-set e com sistema de composição eletrônica (o mais moderno da época), deixando de lado o antigo linotipo. O primeiro diretor responsável foi Artur Carvalho, que dirigia o periódico desde a época do Jornal do Dia. O editorial do jornal, intitulado “Um jornal, uma universidade”, escrito por José Sarney, destaca, como sempre presente em seus discursos, os objetivos do jornal: “modernizar a imprensa maranhense. Inovar em termos de artes gráficas e renovar em termos de elevá-la, dar-lhe dimensão cultural, semear idéias, discutir problemas”.


Fig. 3. edição de O Estado do Maranhão (1° maio 1973).

Um dos trechos mais interessantes do editorial que apresentou o jornal O Estado do Maranhão é a referência que ele faz ao direito à informação:

A informação é, hoje, como a saúde, como a vida, um direito. Numa sociedade democrática é a base sem a qual é impossível construir a liberdade; é o oxigênio sem o qual ninguém respira.

Quando José Sarney cita o direito à informação faz referência à idéia de direito à comunicação, [12] que há poucos anos começara a ser debatida no âmbito da Unesco. Esta citação pode ser considerada a primeira referência ao direito de comunicar feita no Maranhão em virtude da novidade desse debate. Apesar de positiva, o veículo no qual ela foi escrita é, hoje, um grande exemplo de atentado ao direito de comunicar no estado. Visto que o Jornal O Estado do Maranhão, junto com as outras mídias do Grupo Mirante, formam um sistema em propriedade cruzada. [13] Não há como afirmar se José Sarney escreveu isso por demagogia ou se de fato considera que o jornal contribui para o direito à informação.

Se a segunda opção for verdadeira, o fato é que ele tem uma visão equivocada e patrimonialista do direito à informação. Pois julgar que um veículo de comunicação privado, que segue os mandos dos seus proprietários, em uma sociedade na qual o direito de comunicar, de informar está subjugado ao capital econômico, fazendo com que esses direitos só possam ser exercidos por quem pode sustentar, economicamente, um veículo de comunicação é ingenuidade ou puro oportunismo.

Também no texto do editorial, José Sarney, se refere ao jornal como uma “universidade impressa (...) instrumento de cultura e fonte de melhoria educacional”. Segundo informado na edição do dia 1° de maio de 2004 do jornal O Estado do Maranhão a intenção de Sarney era fazer do seu jornal o núcleo de uma fundação que compreenderia também uma universidade voltada para o desenvolvimento cultural do povo maranhense. E o texto escrito pelo atual diretor de redação do jornal, Ribamar Correa, publicado na mesma edição, diz que “o jornal é uma universidade ao seu modo, e isso é obvio no acervo que reuniu”.

Em 2008, a imprensa maranhense completa 187 anos e o jornal O Estado do Maranhão 49. Nesse quase meio século de existência o jornal reuniu nomes como Bandeira Tribuzzi, que coordenou a direção do periódico até seu falecimento em 1977, Bernardo Almeida e Bello Parga que ficaram à frente do editorial após o falecimento de Tribuzzi, entre vários outros. E durante sua trajetória, o jornal sempre buscou inovar tecnicamente.

Foi o primeiro jornal maranhense a trabalhar com a divisão de editorias, um dos primeiros do norte-nordeste a utilizar a cor, um dos primeiros do estado a ter um caderno explorando a arte e a cultura do Maranhão, o caderno alternativo, buscou sempre as novidades da informática, sendo um dos primeiros do Maranhão a informatizar seu sistema de composição, as redações, a editoração e todos os setores do jornal, anualmente realiza reformar gráficas, entre outros avanços que tem o objetivo de colocar o jornal na liderança do mercado. Atualmente, o jornal O Estado do Maranhão chega a todo o estado e em outras unidades da federação. Tem uma tiragem média de 13 mil de segunda a sábado e 18 mil no domingo.

Apesar de ter origem em uma forte tradição política com Jornal do Dia, na década de 1960, o jornal adaptou-se aos novos contextos políticos e econômicos. Mesmo sendo um veículo de propriedade de um grupo político familiar, o jornal cresceu como uma empresa de comunicação, não se limitando a ser – ainda que também cumpra esse papel – propagandista de um grupo político. Mas consolidou-se como uma empresa capitalista, explorando nichos de mercado, buscando inovar e conquistar clientes.

Essa preocupação empresarial é que justifica a permanente busca pela inovação, pois em um regime politicamente democrático e economicamente liberal os dois interesses (políticos e econômicos) se encontram e se apóiam mutuamente.

O jornal que atinge principalmente as classes A e B [14] possui vários suplementos como a Revista da Família, publicado aos domingos, com matérias sobre saúde, educação, tabus, comportamento. A Revista da TV, publicado aos domingos, traz matérias sobre os bastidores do meio artístico, resumo de novelas, programação de filmes. O Galera, publicado aos sábados, tem um conteúdo voltado para o público jovem, com matérias sobre comportamento, atitude, arte e educação. Um suplemento que chama a atenção é o Terceiro Setor, publicado aos sábados, que trata de temas ligados às pautas sociais, é o único do estado com esse perfil.

A trajetória política de Sarney mostra sua esperteza e capacidade de se adaptar às mais diversas situações. Soube consolidar-se como político em um momento no qual o apoio popular era secundário, mas ainda assim, com as promessas de progresso social conseguiu uma capilaridade significativa junto às camadas populares.

Dessa forma, a implantação dos seus veículos de comunicação se deu de maneira gradual, a medida que o controle ideológico das massas foi ganhando importância, paulatinamente com a abertura democrática. Os grandes investimentos no jornal O Estado do Maranhão com vistas a torná-lo o maior diário do estado e sua consolidação como empresa, surgiram um ano antes do início do processo de abertura gradual do regime militar, que começou no governo de Ernesto Geisel (1974 a 1978).

Em 1973, Sarney reestrutura seu jornal impresso já com a idéia de montar um sistema de comunicações, isso é perceptível em outro trecho do editorial de apresentação do jornal O Estado do Maranhão: “ao encerrar-se a etapa de construção deste jornal – uma universidade impressa – vou partir para outra: a Universidade Tecnológica do Maranhão”.

NOTAS

[1] Há indícios de que em 1955, quando muda de slogan, Raimundo Bacelar vende o jornal para Alexandre Costa, com quem ficará até 30 de setembro de 1958 – última edição do jornal localizada.

[2] Em entrevista realizada no dia 07 de março de 2008 com Benedito Buzar, escritor e jornalista que trabalhou no Jornal do Dia, ele falou que esse jornal ficou um período sem circular, exatamente entre a venda do título de Alexandre Costa para Alberto Aboud, mas ele não sabe o período. A Biblioteca Pública Benedito Leite só possui as edições do Jornal do Dia de 8 de março de 1953 até 30 de setembro de 1958 e de 17 de janeiro de 1960 até 1° de maio de 1973 (quando mudou de nome). O que nos leva a crer que o jornal não circulou entre outubro de 1958 e janeiro de 1960, quando foi relançado com novo dono.

[3] Grupo de mídia do Maranhão do qual o jornal O Estado do Maranhão faz parte.

[4] Mais à frente, o papel das Oposições Coligadas e de Victorino Freire será tratado.

[5] Informações extraídas de artigo escrito por Benedito Buzar e publicado no jornal O Estado do Maranhão, na edição de 1° de maio de 1999.

[6] É importante destacar que esse grupo apoiava Sarney no governo do estado.

[7] Segundo o wikipedia, são mensagens telegráficas transmitidas através de cabo submarino.

[8] Cf. COSTA, 1997, p. 41.

[9] Movimento cultural e político que objetivava revigorar as artes e a cultura do Maranhão.

[10] Apesar de Victorino Freire ainda manter certa influência na política maranhense, inclusive estando por trás do governo Nunes Freire (1975 a 1978), a eleição de Sarney marca o fim de sua influência como exercida de 1946 a 1965.

[11] A radiodifusão, também conhecida como broadcasting ou transmissão aberta, é um sistema de transmissão de áudio (rádio) ou de áudio e imagem (Televisão) caracterizada por usar ondas que trafegam no espectro eletromagnético.

[12] O direito humano à comunicação é uma junção da liberdade de expressão, do direito à informação e do acesso integral às condições de produção das mensagens informativas, atuando também como garantidor da pluralidade dos conteúdos. Significa que o Estado não deve só garantir a liberdade individual da livre expressão, mas deve oferecer os meios para que os diversos setores, grupos da sociedade ganhem equidade em apresentar seus projetos, idéias no ambiente social, permitindo assim a realização de um debate democrático. A preocupação em materializar esse novo direito é motivada pela centralidade dos meios de comunicação de caráter massivo para a tomada de conhecimento e formação de opinião, pois em um regime de democracia representativa, na qual os cidadãos delegam poderes a representantes, necessitam de amplas informações e conhecer todos os projetos e visões existentes, para que tenham clareza de para quem irão delegar o poder.

[13] O capítulo V, artigo 220, parágrafo 5º da Constituição Federal (1988), diz que: “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. O Sistema Mirante é um exemplo de concentração em propriedade cruzada, no qual um mesmo dono, a mesma empresa, possui diversas mídias.

[14] Segundo dados da página do jornal na rede mundial de computadores. Disponível em: http://imirante.globo.com/oestadoma. Acesso em: 18 mar. 2008.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, W. C. Do “Maranhão Novo” ao “Novo Tempo”: a trajetória da oligarquia Sarney no Maranhão. UFMA, 1997.

D’ELBOUX, P. C. “A Trajetória Comunicacional de José Sarney”. I Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho, s/d, s/r. Disponível em: http://www.jornalismo.ufsc.br. Acesso em: 9 jan. 2008.

INTERVOZES. Relatório da pesquisa: direito à comunicação no Brasil. São Paulo: Intervozes, 2005.

PINHEIRO, R. “Um golpe nos jornais: a cobertura jornalística da imprensa maranhense sobre a instauração da ditadura militar em 31 de março de 1964”.  S/d, s/r.

___________. “Jornais Maranhenses fizeram aniversário no Dia do Trabalhador”. In. Jornal da Rede Alcar, Ano 3, n° 30, 1° jun. 2003. Disponível em: http://www2.metodista.br. Acesso em: 31 jan. 2008.

SECMA. Catálogo de jornais maranhenses do acervo da biblioteca pública Benedito Leite: 1821-2007. São Luís: Edições SECMA, 2007.

Periódicos:

Jornal do Dia. São Luís, 8 mar. 1953.

Jornal do Dia. São Luís, 30 set. 1958.

Jornal do Dia. São Luís, 17 jan. 1960.

Jornal do Dia. São Luís, 19 jan. 1960.

Jornal do Dia. São Luís, 17 jan. 1961.

Jornal do Dia. São Luís, 31 jan. 1969.

O Estado do Maranhão. São Luís, 1° maio 1973.

O Estado do Maranhão. São Luís, 1° maio 1989.

O Estado do Maranhão. São Luís, 1° maio 1999.

O Estado do Maranhão. São Luís, 1° maio 2001.

O Estado do Maranhão. São Luís, 1° maio 2004.

Sites:

Portal Imirante. Disponível em: http://www.imirante.com.br. Acesso em: 18 mar. 2007.

Entrevistas:

BUZAR, B. Entrevista concedida a Ramon Bezerra Costa em 7 mar. 2008, em São Luís/MA.

CABALAU, C.; CARDOSO, R. Entrevista concedida a Ramon Bezerra Costa em 27 fev. 2008, em São Luís/MA.

*Francisco Gonçalves da Conceição é professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Ramon Bezerra Costa é graduando em jornalismo na Universidade Federal do Maranhão (UFMA).


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]