Opinião
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Propaganda
enganosa na política
Por
Gaudêncio
Torquato
Errar
é humano, persistir no erro é burrice. O governo
e o PT dão mostras de que não se incomodam com
o ditado. Faz pouco tempo que o governo mandou retirar do ar
propaganda enganosa, que mostrava uma fazenda particular de
hortaliças de um grande proprietário como exemplo
do programa de apoio ao programa nacional de agricultura familiar.
Já
o PT, em seu programa partidário e nas inserções
publicitárias na TV e no rádio, faz uma comparação
entre 15 meses do governo Lula com 96 meses do governo FHC,
para induzir o eleitor a concluir que as coisas estão,
hoje, bem melhores. Afinal de contas, dizia o programa petista,
a gasolina subiu 288% no governo anterior e apenas 5,9% na administração
de Lula.
Trata-se
de propaganda enganosa mais escancarada ainda. Além de
se desconhecer a engenharia financeira para explicar a brutal
diferença (coisa que os consumidores não estão
sentindo no bolso), comparar posições entre períodos
diferentes, mais que sofismar, é debochar da inteligência
dos cidadãos.
O
fato é que a propaganda política, no Brasil, está
a merecer um rígido acompanhamento e controle, sob pena
de continuarmos a ouvir o festival de mentiras, versões
e baboseiras que os partidos políticos impõem
à sociedade. Em ano eleitoral, o espaço da mistificação
se expande e, mesmo com o cipoal da legislação
em vigor, a propaganda consegue burlar as normas éticas
e os princípios da impessoalidade recomendados à
comunicação partidária.
Recursos
são intensamente usados para distorcer os fatos e falsear
a verdade. A propaganda doutrinária e política,
a cargo de partidos, conforme se tem observado nos espaços
de TV e rádio, confunde-se com a publicidade institucional
do governo, sendo aquela regulamentada pela lei orgânica
dos partidos políticos e esta, pelo art. 37 da Constituição,
cuja recomendação é a obediência
aos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade.
O personalismo aprofunda suas raízes em um solo cada
vez mais escasso de princípios doutrinários.
Nesse
ponto, cabe a inflexão: por que a publicidade comercial
dirigida aos consumidores é rigidamente controlada e
a propaganda política não recebe um olhar mais
atento da autoridade legal, no caso os Tribunais Regionais Eleitorais?
O sistema de comunicação comercial é avaliado
pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Código
Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária.
O
Conar, órgão executivo da auto-regulamentação
publicitária, atento à defesa do consumidor, está
sempre examinando processos, tomando decisões e até
retirando do ar inserções publicitárias
com jeito de propaganda enganosa. Ora, propaganda com fins políticos
não pode abusar do princípio constitucional do
direito à informação protegido pela Constituição.
Induz, como a propaganda comercial, a versões falsas,
leva consumidores a comprar gato por lebre, manipula consciências,
enfim, age sobre o sistema de cognição dos cidadãos,
alterando a sua compreensão a respeito de fatos e significados.
Não
se pense que a ausência de controle da propaganda política
ocorre porque o cidadão tem capacidade de discernir e
julgar o que é honesto, verdadeiro e mentiroso. A alquimia
da manipulação de mentes é tão sofisticada
nos laboratórios da política quanto nas agências
que criam imagens para vender produtos de consumo de massa.
Por
isso, está a merecer um código de defesa do consumidor-eleitor.
Ademais, não se deve esquecer que o partido político
é pessoa jurídica de direito privado, sujeitando-se,
assim, ao sistema normativo que regula eventos e ações
naquele campo. Se os espaços entre o público e
o privado são, no Brasil, tão imbricados a ponto
de não se saber onde começa um e termina outro,
essa confusão se torna ainda mais intensa nos programas
partidários e governamentais, quando os dois corpos ocupam
o mesmo espaço.
Se
até hoje inexiste um sistema de auto-regulamentação
da propaganda partidária, é porque, no âmbito
da política, o discurso acaba incorporando ao conceito
de liberdade de expressão um vezo de liberalidade. Nesse
caso, o discurso vai além dos limites impostos por critérios
éticos e morais, sendo freqüente a utilização
de espaços gratuitos da programação partidária
para uma generosa e eloqüente defesa de perfis, estilos
e gestões.
Ou
seja, a liberalidade descamba para a irresponsabilidade. Como
pano de fundo do descontrole da locução política,
enxerga-se a cultura de imunidade que cerca os conjuntos da
representação política. Deputados e senadores,
pelo art. 53 da Constituição, são invioláveis
civil e criminalmente por quaisquer de suas opiniões,
palavras e votos. Não se nega a necessidade desse passaporte
para a defesa das funções parlamentares. Usar,
porém, tais prerrogativas para defesa ou ataque de correligionários
e adversários em espaços legalmente constituídos
para a expressão partidária - que implica necessariamente
apresentação de escopo doutrinário - é
um abuso que deve ser contido.
A
publicização, seja partidária ou governamental,
integra o ideário democrático. Informa, orienta,
interpreta e esclarece as missões e as ações
de cada ente político. Mas uma não deve ocupar
o espaço da outra. E ambas precisam se regrar por critérios
da moralidade, que se traduzem na exigência de expressão
da verdade.
Fonte:
Jornal do Brasil, 17.05.2004.
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