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Opinião - Artigos


Telejornalistas "encaixotados"

Por Antonio Brasil*

A guerra do Iraque divulgou uma nova forma de cobertura internacional. Pela primeira vez, as imagens do conflito foram transmitidas ao vivo via Internet pelos jornalistas "embedded" com as tropas americanas. A tradução é difícil e ainda nao existe um consenso sobre a melhor palavra para descrever essa nova estratégia de cobertura jornalística.

Os correspondentes "embedded" estariam engajados, embutidos ou até mesmo encaixotados com as tropas americanas. Em verdade, tanto faz. Os jornalistas sempre dependeram da boa vontade dos donos do poder para acesso a maioria dos grande eventos. Eles são os verdadeiros donos da festa.

Embedded ou in bed?

Mas segundo a crítica, alguns jornalistas teriam exagerado nesse engajamento e estariam mais do que "embedded". Ele estariam "in bed" com as tropas que deveriam cobrir. É uma piada ou trocadilho de mau gosto que denuncia a controvérsia e os riscos dessa nova estratégia para o futuro do jornalismo. Até que ponto um correspondente deveria ou poderia se envolver com os militares ou políticos para ter acesso a um evento importante? Em tempos de controle e censura da mídia, a justificativa para o engajamento dos jornalistas é de que não existe alternativa. Ou se enquadra, ou o jornalista não participa ou testemunha esses eventos. Se correr o bicho pega, se ficar... a crítica não perdoa.

Vale tudo

Em busca de alternativas, alguns jornalistas independentes ou mesmo "parquedistas" pagaram com a própria vida na última guerra do Iraque. Eles estavam em busca de mais notícias e menos controle. Liberdade de imprensa, distanciamento, objetividade e isenção, passaram a ser conceitos "discutíveis" e flexiveis. Variam conforme a cara e o histórico profissional do jornalista e principalmente variam conforme a linha editorial da empresa para quem eles trabalham. É um jogo complexo de interesses que envolve muita negociação com muitas concessões da parte dos jornalistas, é claro! Hoje, mais do que nunca, os donos do poder apostam no "encaixotamento" do jornalista para garantir uma cobertura mais "simpática".

Mas parece que a moda pegou. Nos últimos dias, a imprensa americana divulgou com destaque a atuação dos correspondentes "engajados" na guerra pela presidência americana. O problema que assim como na guerra do Iraque, alguns desses jornalistas já estariam "in bed", quero dizer, "embedded" com os candidatos a candidato democrata. Algumas questões éticas e profissionais estariam sendo novamente criticadas. Essa proximidade ou promiscuidade dos jornalistas com a máquina das campanhas eleitorais tem causados muitas vítimas. Mas, pelo jeito, vale tudo na luta pelos pela preferência do público americano.

O sucesso da MSNBC

Em um cenário de muita competição, os jornalistas contam com o apoio das assessorias dos candidatos para garantir acesso 24 horas aos bastidores da campanha. Nessa guerra pela intimidade dos candidatos, a MSNBC saiu na frente. A MSNBC é uma nova empresa de jornalismo que combina o poder de uma rede de televisão americana, a NBC com os recursos e agilidade da Internet com o apoio de uma empresa gigante da informática, a Microsoft de Bill Gates. Seus jovens produtores viajam nos ônibus dos candidatos e estão sempre em busca de notícias e curiosidades sobre a campanha eleitoral. Eles cobrem de tudo e trabalham muito. Desde os exercicios fisicos matinais dos candidatos até as reuniões de campanha ou as comemorações durante as vitórias. Gravam notícias para o rádio, televisão e ainda transmitem notícias ao vivo para o site da Internet.

Assim, como seus colegas durante a guerra no Iraque, esses jornalistas também carregam videofones - câmeras digitais e notebooks - para transmitir suas matérias dia e noite via internet. Alguns deles chegam a trabalhar 17 horas por dia. Mas o maior problema desses jornalistas é como evitar o envolvimento excessivo e até certo ponto inevitável com seus objetivos jornalísticos.

Eles ainda enfrentam as pressões e as tentativas de manipulação por parte dos jornalistas marqueteiros "engajados" na campanha dos candidatos. Esses jornalistas fizeram a sua opção pela política e pelo dinheiro, mas ainda tem o poder de impressionar ou mesmo "intimidar" os novos jornalistas "embedded". Eles possuem intrumentos poderosos para controlar e influenciar a cobertura, principalmente da imprensa "nanica" ou independente.

Problemas com a ABC

Na semana passada, no entanto, houve um problema com o jornalista encaixotado da ABC News. A assessoria do candidato queria impedir a divulgação de uma notícia que envolvia um de seus assessores em caso de denúncia de violência familiar. Os jornalistas marqueteiros tentaram convencer o jornalista a desistir da pauta e jogaram pesado.

O jornalista foi alertado pelos assessores de que perderia seus privilégios, o seu lugar especial no ônibus de campanha. Eles recomendaram que ele desistisse da matéria. A questão se tornou polêmica, mas após muitas negociações e concessões, nada foi resolvido. A discussão continua e o trabalho dos jornalistas "encaixotados" continua gerando controvérsias. Quais seriam os limites dos jornalistas na cobertura de uma campanha presidencial? Qual é o preço que o jornalismo estaria disposto a pagar pela proximidade ou intimidade da vida dos candidatos?

Para que tanta notícia?

Alguns críticos culpam o noticiário 24 horas nas TVs a cabo e na Internet. Eles precisam sempre de uma grande quantidade de notícias todos os dias e não se importam muito com esse preco ético ou financeiro. O público também teria a sua parcela de culpa. Estariam mais interessados em saber sobre a dieta ou os exercícios físicos dos candidatos a presidência do que nas suas propostas políticas.

Pelo menos, não se pode alegar as questões de segurança nacional e patriotismo para justificar a manipulação da cobertura. A campanha presidencial americana só está começando, mas a polêmica sobre as vantagens e desvantagens dessa nova cobertura tende a crescer. O jornalismo embedded, engajado ou encaixotado se tornou uma realidade. Do Iraque a Iowa, pelo jeito, pouca coisa mudou. A curiosidade ou interesse do público justifica tudo.

O jornalismo continua arriscando seus próprios princípios por uma cobertura total. Mas afinal, "para que tanta notícia"?

*Antonio Brasil é professor de Telejornalismo na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

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