Opinião
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A
morte das revistas científicas
como prenúncio da sociedade
dos jornalistas mortos
Por
Luís
Peazê*
A
morte noticiada
Em
plena reeleição do governo FHC o Dr. Renato Sabbatini,
Diretor do EDUMED - Instituto para Educação em
Medicina e Saúde e articulista científico para
o Correio Popular (Campinas, SP) e várias revistas médicas,
previu "a morte das revistas científicas no Brasil",
em artigo com este título mesmo. Mas ele acreditava que
a sua previsão poderia não acontecer pelo fato
de a universidade nunca ter estado tão bem representada
no governo quanto naquele, a começar pelo presidente
que era professor universitário e cientista.
Mas
aconteceu, segundo ele mesmo constata perguntado pela Clínica
Literária sobre a situação das publicações
científicas. Embora estivesse se referindo às
revistas impressas que, segundo ele, perderam lugar para as
eletrônicas.
Ulisses
Capozolli, editor da Scientific American (edição
brasileira), informa que a sua revista vai bem e pontua duas
categorias de atores no meio das publicações científicas
criadoras de uma nebulosidade indesejável: os positivistas
superficiais, que levantam uma bandeira ao primeiro alarme de
uma descoberta ou afirmação contundente; e os
revisteiros tradicionais que acham que são capazes de
fazer qualquer tipo de revista, dando a entender que uma revista
científica só poder ser feita por quem é
do ramo (da ciência).
Um
passeio pela Internet e bancas de revistas deixa claro um fato:
além da Scientific American ocupam as prateleiras ao
lado das revistas pornográficas e de generalidades apenas
as não tão científicas Super Interessante
e Galileu, com suas colunas "super legal" e "dicas
para salvar o planeta", respectivamente, misturadas a duas
ou três matérias genuinamente científicas,
mas nem por isso isentas da espetaculosidade editorial.
Então,
se as revistas científicas brasileiras (impressas) estão
mortas, os jornalistas que escrevem sobre ciência seriam
os próximos condenados à morte? Afinal, como está
a difusão da produção científica?
E isto é o que deve interessar antes de tudo, não
exatamente a coisa "veículo" ou o agente social
(ativo) desta coisa.
No
entanto este agente, o jornalista, tem sido como nunca objeto
de notícia conforme se lê no site Comunique-se,
dirigido exclusivamente a jornalistas, e se ouve vendo, ou vê
ouvindo, no Observatório da Imprensa que repete que nunca
mais você vai ler jornal como antigamente...
Por
outro ângulo, há um anseio no meio científico
pela popularização da ciência, não
só no Brasil, como revelou a Dra. Gerlinde Teixeira do
Laboratório de Imunologia da UFF e membro da Sociedade
de Museus e Centros de Ciência, como no âmbito internacional.
O
mesmo anseio transpirou tanto na 2ª Conferência Mundial
de Jornalistas Científicos ocorrida em Budapeste em 1999
(a 1ª foi em Tokyo em 1992) e a 3ª, ocorrida em São
José dos Campos no ano passado, onde ficou decidido pela
comunidade internacional de jornalistas científicos que
uma entidade que abrigasse mundialmente este segmento de jornalismo
deveria ser fundada. E foi, a WFSJ - World Federation of Science
Journalists (Federação Mundial de Jornalistas
Científicos), apenas nenhum brasileiro faz parte do seu
conselho diretor, e isto deve significar alguma coisa.
A
causa desse anseio é, contudo, em grande parte pela exiguidade
de espaços na mídia convencional dedicados a matérias
científicas. Sabe-se que há uma década
vem ocorrendo um enxugamento (que seca!) de recursos humanos
nas redações dos jornais e revistas de grandes
tiragens e, como em todo enxugamento, as primeiras gotas a serem
sacrificadas são aquelas que não trazem nenhum
benefício imediato em larga escala - à parte se
o raciocínio empresarial a longo prazo está certo
ou errado, o fato é que as palavras "notícia
científica" nas reuniões de pauta parecem
ser proibidas.
Não
fossem, as editorias de ciência teriam um time fixo de
jornalistas, de preferência especializados, e não
precisariam ficar abrigadas na aba de seções genéricas,
como a internacional, por exemplo, ou dividindo espaço
com seções como família & saúde.
Mas por que não diluir as notícias sobre ciência
por todo o veículo, até nos classificados? O importante
é publicar a ciência.
É certo que há veículos que diluem a demanda
de sugestões (boas) de pauta sobre ciência pelas
suas seções de acordo com o assunto, o problema
é que o enfoque invariavelmente acaba sendo pela face
econômica ou política.
No
esporte, só para citar uma fonte estimuladora permanente
de produção científica, não se lê
nada sobre fisiologia, e novos desenvolvimentos mecânicos
e industriais. De qualquer forma a coisa parece ser explicada
mesmo é pelo fator mercado em detrimento do conteúdo
editorial. No caso da Scientific American lhe sobra pouca alternativa,
posto que seu conteúdo vem 70% pronto da versão
americana (traduzido), restando-lhe apenas 30% para a produção
nacional. Sua circulação se iguala a um jornal
de esporte, o Lance, por exemplo e isso é bom.
As
duas outras revistas não ficam nem muito abaixo nem muito
acima, o que importa considerar é que as três são
amparadas por três motores potentes do mundo das publicações
impressas. A Ediouro (dos Coquetéis de palavras cruzadas),
a Abril das Playboys e tantas outras conhecidas e a Globo da
Globo. Assim, como as três transportam em suas páginas
uma experiência de revisteiros de massa, é compreensível
que, para capturar a atenção dos leitores seja
necessário um pouco de pirotecnia, sensação
e é claro "picture", porque, compreender a
expansão do universo e a importância dos mosquitos
na vida do ser humano sem figurinhas é cansativo.
Numa
esfera mais afastada, diga-se enclausurada, as revistas científicas
puras, dos bancos acadêmicos, reduzem-se ao alcance de
um mailing list onde todos são conhecidos do editor que,
por sua vez, tem uma única fonte de conteúdo,
aquela universidade a que pertence, e é de fato crível
que estejam escorrendo para o ralo da Internet por uma questão
pura e simples de administração de custo. E é
claro, quem escreve nestas revistas não são os
jornalistas, são os pesquisadores e pós-graduados.
O corredor da morte
O
4º Encontro Mundial de Centros de Ciência a ser realizado
no Rio de Janeiro em abril de 2005 sediado no Museu da Vida,
leia-se Fiocruz, terá como tema "Centros de Ciência:
Rompendo Barreiras, Engajando os Cidadãos" (o título
original é em inglês, a tradução
é livre) e o resumo de seus objetivos ambiciosos é:
perseguir caminhos para possibilitar aos cidadãos exercitarem
seus direitos e se beneficiarem dos avanços das ciências.
Para
o jornalismo, é de fato um mar de informação
a explorar, a divulgar, com nomes de atores sociais para todos
os gostos, de artistas a esportistas, de políticos a
empresários. Por que então este vazio? Sonolência,
ou letargia, morte antevista ou medo de morrer dos jornalistas
científicos, que procuram nadar aonde da pé, ou
pescar aonde dá peixe fácil de vender, e não
se aprofundam nas matérias? Pois, para complicar ainda
mais, o jornalismo nunca foi tão visado como objeto de
crítica - poderia ser de estudo, mas tem sido de crítica
mesmo.
A
ponto de as opiniões se dividirem, isso por si só
já é um complicador suficiente, entre os colegas
do ramo sobre a linguagem que, segundo os primeiros anos de
faculdade de comunicação com especialização
em jornalismo, recomenda seja (completamente diferente deste
artigo) limpa, direta, sem adjetivos e, quando a abordagem for
interpretativa que esteja bem separada da informativa, assim
como o jornalismo de opinião esteja bem diferenciado
do investigativo. Neste ambiente, como não aceitar que
o jornalismo científico fique arredado num canto da redação?
Mencionada
a linguagem, não por acaso, recebe-se ocasionalmente
notícias dos laboratórios americanos, sempre dos
americanos, sobre os desenvolvimentos de softwares lingüísticos,
ou redatores inteligentes capazes de ler várias fontes
de textos e criar um texto novo. Mas, em português, esses
programas de criação de texto jornalístico
estão longe de criar associações com palavras
como "sonolência" com o significado da passividade
ou mesmice, que sozinhas não encerram o sentido de metáfora
daquela.
Continuando
o mergulho para fora do assunto central aqui, jornalismo científico,
mas caindo não muito longe, recentemente foi fundada
a Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
que nasceu, segundo a Professora Dra. Zélia Leal, orientadora
de pós graduação da UnB, parte pela pressão
inversa de uma classe de acadêmicos oriundos de áreas
humanas como a sociologia que não considera o jornalismo
uma disciplina para estudo científico, e preferem as
aventuras na semiótica e outras vias.
Grande
parte, suspeita a Dra. Zélia, pelo fato de que muitos
desses doutores orientadores de educandos de jornalismo, nos
bancos universitários, passam direto da graduação
ao doutorado sem a prática do dia-a-dia numa redação,
e este é outro problema, grave.
Um
vetor importante na mudança do cenário das publicações
de notícias científicas tem sido a tendência
mundial de preocupação com o meio ambiente, que
exige dos seus atores buscarem conhecimento - embasamento nos
vários ramos da química, da biologia, da geografia,
e de várias áreas do estudo científico
- tendo inclusive que superar a iminente defasagem que afeta
a massa de interessados no assunto, posto que sobre o meio ambiente
se descobre novidades a cada ano - o caso do efeito estufa,
dos recursos hídricos e dos transgênicos.
Com
efeito, se aferirmos cuidadosamente a quantidade de linhas impressas
(ou digitalizadas) sobre ciência lidas ou transmitidas
por jornalistas pela TV (o ainda maior veículo de massa
disponível) veremos que é o maior já visto
em todos os tempos, tendo assim atingido o grande público
como nunca. Desta forma, o anseio de popularização
da ciência sentido no meio acadêmico e centros de
ciência é impertinente.
Uma
prova: Ulisses Capozzoli, editor da Scientific American, responde
que não recebe materiais de centros de pesquisa de universidades,
e quando recebe algo a fonte é um indivíduo interessado
em divulgar o seu próprio trabalho que, neste caso, raramente
chega com qualidade editorial, de texto propriamente dito.
Contra
prova: vários professores orientadores de pós
graduação foram consultados, de universidades
públicas e particulares de várias regiões
do país, e foram unânimes em afirmar que não
são visitados por jornalistas para consulta ou prospecção
de material para reportagem.
Tese:
é falso pensar que somente a tendência de preocupação
com o meio ambiente traz à tona a ciência de sob
os escombros de notícias espetaculosas e fofocas que
vendem mais do que água no deserto.
Desde
o início da era industrial a busca por novas fontes de
energia e materiais alternativos são fontes profundas
para divulgação da ciência, apenas, talvez,
as cifras de faturamento e investimento tenham sido foco de
maior importância do que o insumo da notícia em
si. A área de engenharia genética parece ser o
melhor exemplo de como um caso de ciência perde rapidamente
a vez, como notícia, para o caso dos reflexos econômicos,
numa mesma história, concorrendo ainda com a religião
que é um assunto insondável pelo racional jornalístico,
embora uma declaração do Papa tenha mais chance
de virar manchete do que a prevenção de alguns
tipos de câncer pela injeção de água
do mar na veia.
O
Dr. Renato Sabbatini, diretor do EDUMED - Instituto para Educação
em Medicina e Saúde e articulista científico para
o Correio Popular (Campinas, SP) e várias revistas médicas,
afirma que as publicações científicas online
são muito boas no Brasil, estão em franca produção
no meio universitário embora já enfrentem o mesmo
problema das finadas impressas: a falta de recursos financeiros
para se expandirem, e em muitos casos para sobreviver.
Como não há incentivo do novo governo (menos acadêmico
do que o anterior), dependem do patrocínio da iniciativa
privada que não se interessa por este segmento porque
ele tem uma baixa audiência, isto é, por mais que
a tiragem seja infinita (via wide world web) não alcança
grande massa de público. É nesta hora que os jornalistas
científicos começam o seu caminho para o corredor
da morte. E há outra tendência apontada pelo Dr.
Sabbatini, descontado aí um certo ressaibo de campus
universitário: a necessidade de autores de artigos científicos
terem que pagar para publicar seus textos.
Mas
é claro, se referiu aos cientistas que precisam publicar
seus estudos para serem percebidos no mundo científico.
Centrifugando todas as afirmações acima, certas
ou erradas pode-se tomar como resultado o número total
de associados da ABJC - Associação Brasileira
de Jornalistas Científicos, menos de um mil, e é
verdadeira a afirmação de que, neste caso, existem
no Brasil menos de 1 (um) jornalista científico (vivo)
por veículo, considerando as publicações
tradicionais da grande mídia somadas às universitárias
e as de centenas de associações científicas
que vendem o seu peixe através de suas revistas.
A
conclusão séria que este modesto articulista,
dedicado aos assuntos científicos do meio ambiente marinho
e costeiro, pode chegar é a de quê, assim como
não é mais concebível nenhuma atividade
humana, produtiva ou de lazer e entretenimento, e especialmente
educativa que não tenha forte apelo ecológico,
é pertinente pensar que a cada jornalista, dos estagiários
aos jurássicos, cabe procurar a abordagem mais técnico-científica
da prova, da evidência, da apuração, quanto
mais profunda possível em seus textos, e resistir até
o último minuto à vontade imediatista do patrão.
E
o risco de ser eliminado? Ora, tudo não passa de um grande
glamour ilusório, como numa mesa de bar onde um poeta
virtuoso declama e as pessoas em volta ouvem embasbacadas enquanto
o tempo se esvai.
*Luís
Peazê é escritor e jornalista, dirige a Clínica
Literária e é colunista do site Direto da Redação.
Fonte:
Comunique-se, 21 e 22 de janeiro de 2004.
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