Opinião
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Acrobacias
dos
repórteres improvisados
Por
Paulo
Sergio Pires*
Venho
acompanhando as últimas mudanças no telejornalismo
ou jornalismo televisivo, e confesso que tenho ficado chocado.
Não bastasse o banho de sangue que encharca as telinhas
à tarde, agora há nos vídeos showmen que
fazem qualquer coisa para exercitar a vaidade e obter 15 minutos
de fama diária.
Num
certo programa, um piloto de helicóptero virou repórter
aéreo. Além de pilotar habilmente sua máquina
de milhões de dólares, fica especulando sobre
o que pode ser um atropelamento, um incêndio ou um assalto.
Tudo visto de longe, do alto, em nome do espetáculo,
do ineditismo ou de outro apelo qualquer do marketing da TV.
O problema é a falta de uma vigorosa, precisa e real
apuração do fato, como manda o massacrado velho
jornalismo. Helicóptero é bom, sim, mas para notícias
de trânsito.
Fico
imaginando por que os motoristas dos carros de reportagem estão
sendo marginalizados. Será que os pilotos são
melhores repórteres do que os motoristas porque dão
asas à imaginação? Acho que o sindicato
dos motoristas deveria entrar com ação na Justiça
por discriminação. Mas, de fato, quem sai prejudicado
é o telespectador, que nem sabe disso, porque seu momento
de diversão, lúdico, foi plenamente suprido, como
também ao assistir à partida de futebol.
Como
o negócio televisivo, contudo, cada vez mais é
vender audiência, deixe essa bobagem de ética aos
puristas, teóricos e outros chatos, que não sabem
o que é ganhar dinheiro. O importante é quantos
pontos foram conseguidos e por que preço se poderá
vendê-los às agências de publicidade e anunciantes.
Quase
todos felizes
O
mais lamentável é que nossas entidades de defesa
de classe ficam imóveis, e nem reclamam com a associação
dos pilotos de helicópteros, que estão tirando
o lugar de um profissional habilitado para aquele trabalho aparentemente
banal, mas que estudou ética e treinou reportagem por
alguns anos antes de alçar vôos mais altos. É
claro que nenhum jornalista pilotaria aeronaves sem treinamento
e horas de vôos necessários. Mas, para ser jornalista
hoje basta ser alfabetizado e ter um charme diferenciado, não
é mesmo? O resto que se dane...
Zapeando
com o controle remoto, deparo-me com respeitável doutor
em Medicina. Oncologista de primeira linha, infectologista de
última hora, escritor premiadíssimo de livro-reportagem
e agora entrevistador e repórter reluzente na área
de saúde. Assistindo atento, observo suas perguntas ao
colega de um caso clínico qualquer sobre nódulos.
O
intrigante é que este profissional, de reconhecida competência
médica, finge que não sabe as respostas quando
pergunta ao colega entrevistado. E, para ficar com traços
verossímeis, chega a rebater, na entrevista, algumas
perguntas com mais dúvidas sobre o caso. Como se não
entendesse minimamente daquilo, ou como qualquer modesto repórter
o faria. A primeira coisa que aprendi na faculdade é
que o primeiro compromisso do jornalismo é com a verdade,
não é mesmo?
Acho
que esses programas parecem mais encenação teatral,
obra de semificção, se é que existe isso.
Mas o novo modelo "telejornalístico" vigente
em vários canais poderá ser o caminho corrente
da informação televisionada, em que o importante
é a forma, e não o conteúdo. Nesse novo
mundo o mais desejável é a distração,
não a informação. O interesse se volta
para a vaidade do emissor, e não à necessidade
real do receptor.
E
todos viverão felizes para sempre. Menos os jornalistas,
é claro.
*Jornalista,
publicitário e professor universitário. Mestrando
em Ciências da Comunicação (ECA-USP), integra
o Grupo de Estudos sobre Pensamento Jornalístico Brasileiro.
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