Opinião
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A
coragem de Zé Hamilton, o repórter mutilado na
Guerra do Vietnã
Por
Eduardo Ribeiro
Dia
desses, entretido e concentrado em meus afazeres profissionais,
fui abordado por meu sobrinho, Patrick, na Mega Brasil, que,
encantado, trazia às mãos para me mostrar a última
edição da Revista Trip. Foi um choque. Um misto
de surpresa e alegria, e, confesso, uma emoção
que há muito tempo não sentia, vinda das páginas,
das imagens ou das letras de alguma revista.
Me
reencontrei com aquele velho e bom jornalismo. Aquele mesmo
praticado com esmero e coragem pela imperdível Realidade,
que os mais antigos conhecem e louvam, e que os mais jovens
têm obrigação de conhecer. A Trip deu
um show e fez como a Realidade, trazendo para sua capa um
dos principais protagonistas daquele período, o premiadíssimo
repórter José Hamilton Ribeiro.
Quem
não comprou a revista não deve perder tempo.
E eu aproveito aqui, de público, para dar os parabéns
ao Paulo Lima, Fernando Luna, Fred Paiva e toda a equipe
da Trip pelo brilhante e corajoso trabalho.
Zé Hamilton
posa, pela primeira vez, e o faz de forma serena e reflexiva,
sem a perna estilhaçada por uma mina no Vietnã,
e - apaziguado consigo e com seu destino -, tem ao lado,
na foto da capa (assinada pelo Márcio Scavone), a
prótese que o ajuda a caminhar desde o fatídico
episódio, que já vai lá longe, em 1968.
Sou,
de fato, muito suspeito para falar do Zé Hamilton,
por tudo o que ele representou para minha carreira, me iniciando,
quando era o editor do jornal Unidade (do Sindicato dos Jornalistas
de São Paulo), lá pelos idos de 1980, na difícil
arte de falar de jornalismo e de jornalistas. Me deu, de
presente, a seção Moagem, campeã ainda
hoje de leitura do jornal, e que deu origem a este Jornalistas&Cia,
tanto na versão impressa (editada pela M&A Editora)
quanto eletrônica (aqui neste Comunique-se).
Zé Hamilton é um
dos mais premiados jornalistas brasileiros e uma escola de
jornalismo por onde passa. Em cada palestra - e são
dezenas por ano, em universidades, sindicatos, seminários
- arrebata pequenas multidões, com suas opiniões
firmes e muitas vezes controvertidas, que mudam o eixo do
pensamento e obrigam a uma profunda reflexão.
Inquieto,
por natureza, está sempre inventando ou reinventando
coisas. Ora um livro, ora uma nova seção, ora
um catira (ou seria cateretê?). E gosta, como poucos,
de uma boa prosa, quando aproveita para contar causos e histórias
de Santa Rosa do Viterbo, sua terra natal.
A
reportagem da Trip traz um singelo perfil de nosso repórter
maior, reproduzindo algumas das pérolas colhidas ao
longo de sua vida. Uma delas: "Uma vez me perguntaram
se ficou difícil ser repórter com uma perna
só. A resposta: ser repórter com uma perna
só é mais difícil do que com duas, mas é mais
fácil do que com quatro".
A
matéria o trata de o "Senhor da Guerra",
mesmo aos 67 anos de vida, e lembra que, coincidência
da vida, teve, no genro, Sérgio Dávila, o seu
continuador. Dávila, como se sabe, integra o time
de repórteres especiais da Folha de S. Paulo, e foi
escalado pelo jornal para cobrir a guerra do Iraque. Sobre
o episódio, a propósito, na entrevista concedida
ao Paulo Lima, Zé Hamilton lembrou que "ele (Sérgio
Dávila) veio falar comigo depois de ter falado com
a minha mulher, que lhe disse que não deveria ir,
que era muito perigoso e tal. Ela atuou como uma mãezona
protetora. Eu disse o seguinte: se um grande jornal decide
ir para a guerra e convoca seu repórter especial, é normal
que ele aceite a missão. Se um repórter com
esse título, especial, diz que não irá à guerra
porque não quer, ele é especial pra quê?"
Zé
é há mais de 20 anos repórter do Globo
Rural, um dos programas que mais encantam telespectadores e
jornalistas, tanto pelo projeto, quanto pelos nomes que nele
atuam. Morremos todos de inveja, no bom sentido, por não
participar de um time com essa qualidade e talento. Tudo bem.
De fora, ao menos podemos criticar e aplaudir. O que faço,
aqui, de público. Deus dê vida longa a um dos nossos
mais brilhantes, talentosos e corajosos repórteres. Não
deixem de comprar a revista.
Fonte:
Portal Comunique-se, 22/5/2003
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