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Opinião - Artigos


Telejornalismo discriminatório

Por Paulo Sergio Pires*

Em geral tem piorado o nível ético no telejornalismo brasileiro, mas em contrapartida fica cada vez mais belo ou belíssimo. De fato, os telespectadores nunca viram em suas telas tanta beleza feminina reunida junta para dar notícia. Se o time das "telejornalistas" de hoje disputasse um concurso com seleções de outras épocas seria difícil uma competição equilibrada: as moças de hoje dariam de goleada. Mas a pergunta séria é: estará havendo uma hiper-estetização do telejornalismo?

Será que antes de tudo passou a valer apenas a imagem, ou melhor, a forma, e não o conteúdo? Convém salientar que este inexpressivo autor não é contra as beldades, afinal, beleza é fundamental. Mas que se deixe um espaço de trabalho nas telas para as feias competentes também. Elas merecem ter seu trabalho visto, e não apenas lido ou ouvido.
Ao que parece, virou pré-requisito imprescindível, além da destreza jornalística, repórteres e apresentadoras com estampa impecável na frente das câmaras.

No entender deste inexpressivo autor, o telejornalismo não deveria ter tamanha preocupação com o visual dessas coleguinhas. O jornalismo deve ser um corte dos extratos da sociedade como de fato ela é, gente feia e biotipos diversos, fora do padrão da ditadura da beleza, que a indústria cultural teima em perpetuar como arquétipo. Como está, talvez aquela tese de que a linguagem do jornalismo esteja se aproximando da publicidade tenha mais um argumento a favor.

Moda é outro mundo

A aparição de pessoas mais robustas, mais grisalhas, que usam óculos, ou que tenham até alguma deficiência física seria uma forma de demonstrar que o telejornalismo não é discriminatório ou preconceituoso - como dispõe o artigo 10 do Código de Ética da Fenaj:

"O jornalista não pode concordar com a prática de discriminação por motivos sociais, políticos, religiosos, raciais, de sexo e de orientação sexual".

Então, eu pergunto, onde estão as repórteres experientes que tanto fizeram pelo jornalismo televisivo nos anos 80? Foram compulsoriamente aposentadas? Onde estão outros cortes do espectro de nosso amplo mosaico cultural?
O desafio para todos que tiveram paciência de ler este artigo até aqui é apontar qualquer repórter de televisão do sexo feminino com mais de 45 anos. Dá para contar numa só mão, não é? Ou nem dá para enumerar.

Alguém poderia contra-argumentar com a pergunta: haveria alguma manequim nesta faixa etária caminhando pelas passarelas fashion? Naturalmente, com todo o respeito, moda é outro mundo. A estranheza fica maior se circularmos nas redações das revistas femininas ou nos suplementos voltados para mulheres. O cenário será incrivelmente diferente. Por que razão? No caso masculino, alguém alegará que até há profissionais sexagenários. Mas, com certeza, esses casos são também exceções. E o caso masculino deixo para outros especialistas.

Deus me livre!!!

Com toda a segurança, a maior parte das "telejornalistas", se assim desejassem, poderia partir para carreira de modelo. E a bem da verdade algumas até despontariam como top model. Por sinal, várias dessas moças que compõem a linha de frente das emissoras são ex-modelos, algumas com experiência internacional nas passarelas e nos estúdios fotográficos.

Outras são ex-atrizes e algumas, de programas esportivos, até viraram assuntos provocantes nas capas de revistas masculinas. Convém salientar que aparentemente todas elas são muito competentes também, apesar da beleza.

Mas considero que na hora de contratar uma repórter televisiva uns quilinhos a mais não deveriam pesar na escolha do profissional. Nos Estados Unidos, ao que consta, há uma legislação que impede a discriminação na hora da seleção dos recursos humanos. Então, como eles explicam ter também tanto mulherão nas telinhas?

Se na publicidade usam-se modelos para vender produtos e serviços, no telejornalismo estão sendo colocadas para vender notícias. Mas isso não seria necessário. A pauta, as imagens das matérias, a escolha das fontes, as narrativas, a edição deveriam por si garantir a qualidade da notícia e do telejornal. Ou será que tudo isso perdeu seu valor, e o que vale são a formas, ou melhor, dizendo a forma, e não o conteúdo?

O rádio também passou por algo parecido e teve sua fase de estetização acentuada. Durante anos, essa mídia só aceitava quem tivesse vozeirão, voz de sabonete, como falavam. Hoje, o que importa é o conteúdo e o talento de contar histórias, como diria o jornalista e escritor Gabriel García Márquez. Agora, há até gente com voz de "taquara rachada" narrando o fato nos microfones como qualquer outro bom locutor radiofônico. Há até uma pessoa que a gente só vai saber o sexo no final da matéria, quando ele dá o crédito.

A contradição na TV é que durante um longo tempo editores procuraram suavizar a beleza das mulheres, obrigando-as a prender o cabelo ou atenuar a maquiagem para não competirem com as notícias apresentadas. Hoje, tudo indica que as apresentadoras/modelos ou modelos/apresentadoras estão indo ao ataque, ficando cada vez mais provocadoras e sensuais, como num corriqueiro comercial de xampu. Qualquer hora dessas elas poderão encenar um merchandising e vender cosméticos, jóias e tailleurs no próprio telejornal.

Deus me livre!!! Mudaria de profissão no dia seguinte.

Sou solteiro

Nestes novos tempos televisivos, um canal voltado à classe popular está experimentando a inserção de mulheres lindíssimas, bem vestidas, que mais parecem elegantes comissárias de bordo ou secretárias-executivas do que profissionais da notícia. O inusitado desta vez é que essas moças aparecem com as pernas à mostra. O problema da ciência do jornalismo é saber se os telespectadores masculinos a partir de agora ficarão de olho na queda do dólar ou atentos à subida do pepino.

Na velha e surrada Rússia, ou melhor, na nova Rússia, os editores radicalizaram, e ousaram lançar o "strip jornal". As apresentadoras começam dando as notícias vestidinhas e acabam peladinhas mesmo, não dando nada, muito menos notícia de qualidade. Ou melhor, não estão nem aí em desnudar os fatos, como o jornalismo competente preconiza. Elas ficam como Eva no paraíso e ponto final. Tenho a impressão de que a espetacularização da informação está chegando ao limite, em alguns casos. Ou será que está ultrapassando?

Em outras épocas, os amarrotados editores dos jornais sensacionalistas (ou populares, para quem preferir) costumavam pregar a tese de que "mulher bonita vende jornal". Bem ao lado de manchetes sanguinárias invariavelmente eram estampados retratos de garotas com formas generosas em trajes muitas vezes milimétricos.

Após o quase desaparecimento dos jornais marrons, idéias como essas podem estar indo surfar em outras praias, mesmo que as tais moças não fiquem de biquíni. A preocupação com o belo é louvável, mas será que é tão relevante assim em se tratando de informação social? Será que a estetização aguda da imagem é boa para o jornalismo de alguma maneira? Se beleza não põe mesa por que pô-las nos sets de telejornais?

Como resolver toda essa problemática?

Deixo a pergunta para os filósofos e os coleguinhas e as coleguinhas (principalmente as bonitas e as feias). E, mudando um pouco a linha desse artigo exegético e provocador, um aviso: sou solteiro e estou à procura de uma namorada e futura esposa. Uma pré-condição indispensável: precisa ser bonita.

*Jornalista, publicitário e professor universitário. Mestrando em Ciências da Comunicação (ECA-USP), integra o Grupo de Estudos sobre Pensamento Jornalístico Brasileiro.

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