Entrevistas
Entrevista
com
Sebastião Squirra
Projeto
Memória do Jornalismo/UFSC.
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- Como você começou no Jornalismo?
Comecei
em meados dos anos 70 porque eu vinha de uma formação
artística e achava que não devia estar no campo
tecnológico ou administrativo. Eu me sentia mais propenso
à área da comunicação. Me engajei
na fotografia, fiz amizade com pessoas que queriam trabalhar
com jornalismo de televisão, de cinema. Com isso, tive
a oportunidade de ir para a televisão logo no início
dos anos 70. Ainda longe do Jornalismo, fui fazer assistência
de produção no Vila Sésamo.
Tinha
uma vontade de estar naquele meio porque a televisão
era um veículo muito rápido, diferente do teatro,
das artes plásticas, das relações públicas.
Eu ficava, na verdade, entre rádio, televisão
e jornalismo.
Em
meados dos anos 70 fui para Paris fazer um mestrado na Sourbonne,
onde estudei os meios de comunicação. Foi quando
entrei para o Jornalismo, em meados dos anos 70. Era o ambiente
com o qual eu me identificava. Logo que voltei comecei a dar
aula de telejornalismo. Minha preocupação era
fazer com que os alunos produzissem um telejornal diário,
fazendo reportagens, editando noticiários. Na verdade,
a minha chegada no Jornalismo vai se dar basicamente pela minha
vontade em estar no meio das comunicações.
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- O Hemingway dizia que tinha hora para sair do Jornalismo.
Você pensa nisso?
De
uma certa maneira eu já larguei o Jornalismo. Minha última
experiência foi em 85 com a morte do Tancredo, onde eu
resolvi me dar um tempo para finalizar o mestrado. Quando acabou,
eu já estava com vontade de continuar os estudos, me
aperfeiçoar, e fui para o doutorado, onde me acostumei
com a vida acadêmica, afinal já estava dando aulas
na ECA.
Fiquei
lá até dezembro de 98 e agora dou aulas na Metodista.
Eu olho para trás e descubro que eu virei mais um pesquisador
e menos um jornalista. Sou um professor, não sou praticante.
Eu acho que o jornalista não precisa ser aquela pessoa
que está dentro de uma redação. Por que
nós, e o Hemingwai também, somos jornalistas,
agimos eticamente, temos os nossos compromissos sociais... só
que não estamos fazendo jornalismo. Mas hoje eu me definiria
como professor.
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- Quais foram os momentos mais marcantes de sua carreira?
Tive
momentos muito difíceis e muito gratificantes. Peguei
a mudança do telejornalismo de cinema para vídeo,
tive oportunidade de acompanhar a produção do
Globo Repórter, por exemplo. Mas as experiências
mais agradáveis foram na TV Bandeirantes, onde passei
a dirigir um núcleo de produção jornalística.
Pude ir para o exterior, andar pelo Brasil, produzi reportagens
longas em vários setores, que era o que mais me agradava.
Sobrevoei as cataratas das Sete Quedas até ela desaparecer,
tive em Serra Pelada, viajei por todo o Brasil.
E isso me fascinava, sempre gostei desse lado imprevisível
do Jornalismo. Sofri muito pois ficava noites sem dormir, não
tive muita vida social, pois o jornalismo de televisão
é muito difícil e sofrido. Trabalha-se no Natal,
ano novo, feriados, datas em que as outras pessoas costumam
estar se divertindo.
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- Qual a diferença entre os profissionais que estão
vindo para o mercado hoje e os que ingressaram na sua época?
Quem
chega hoje, geralmente, está muito mal formado, pelo
volume de universidades que estão surgindo, as fábricas
de diplomas. A industrialização do ensino na área
do Jornalismo é muito nociva. No passado os estudantes
eram mais politizados, preocupavam-se mais com as questões
sociais.
Eram
aqueles que estavam muito próximos da conscientização
política, viam o Jornalismo como um instrumento de mudança
social, de valorização do equilíbrio do
governo, dos descasos dos poderosos. Diferente de hoje, os jornalistas
que entravam no mercado na minha época vinham da escola
da rua, do discurso, da militância política, da
escola da formação intelectual. As faculdades
hoje, com raras exceções, investem pouco nessa
área de formação do aluno. Aliás
até eles não têm se preocupado muito com
isso.
É
necessário que o estudante tenha, paralelo ao ensino
da técnica, um subsídio teórico sólido,
que permita que ele entenda de forma global os eventos que estão
acontecendo em sua volta. E essa iniciativa tem que partir dos
próprios estudantes. Eles têm que se articular
politicamente, montar seu próprio banco de dados, ir
atrás dos livros fundamentais na Literatura, na Economia...
E isso depende de quanto o próprio aluno se exige.
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- E o que evoluiu?
O
contexto era outro, a realidade político-social era muito
diferente. É muito complicada essa comparação.
O cenário, o sistema, tudo era de outra forma. Como estávamos
sobre o AI5, em plena ditadura, era muito mais desafiador
e perigoso ser jornalista nos anos 70. Hoje o estudante precisa
descobrir novos enfoques, é importante acompanhar os
trabalhos do judiciário, do legislativo. É importante
saber como funciona o aparato militar, as forças políticas,
quem são essas elites, quem apoia quem. Isso sempre será
missão do jornalista. Temos que denunciar, informar.
6
- Existe alguma diferença dos Jornalismos praticados
nos grandes centros?
Eu
acho que ainda existe, diferente dos Estados Unidos, um monopólio
dos jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro. Eles são
muito ruins para o resto do Brasil, não informam. E a
tendência é que, como já acontece nos Estados
Unidos, exista um jornal significativo em cada estado importante
do país. Nós fazemos um Jornalismo ainda cabeça
de rede.
A
tendência é que isso acabe, nós já
temos jornais combativos em Belo Horizonte, o grupo RBS que
domina o sul do país, em Amazonas e Brasília também
existem grupos fortes, Jornalismo feito com a tintura local.
Mas eu ainda sinto uma necessidade de acompanhar o que a Folha
e a Gazeta estão fazendo. Uma questão de hábito.
É um comportamento nativo, meio mobilista. Por isso me
sinto na obrigação de acompanhar o Jornal Nacional,
mesmo gostando de ver o Paulo Henrique Amorim. Para saber as
notícias supostamente nacionais, me sinto na obrigação
de comprar um jornal do Rio ou São Paulo.
7
- E essa grande imprensa, na sua opinião, está
cobrindo bem os fatos?
Não.
Eu acho que o Jornalismo brasileiro, em todas as suas facetas,
é acanhado, pobre, do ponto de vista de investimento
e muito dependente das grandes agências de comunicação.
Até as imagens veiculadas vêm da CNN, de televisões
estrangeiras.
Ainda é um Jornalismo incipiente, está aquém
das demandas da sociedade, não atende as expectativas
das pessoas em relação aos noticiários.
Se você comprar o Le Monde, o El Pais, vai ver um outro
Jornalismo, mais atualizado, mais profundo, mais analítico,
muito mais completo. O investimento aqui, genericamente falando,
ainda é muito acanhado.
8
- E a imprensa alternativa, onde é que está hoje?
Acabou
no final dos anos 80, mas a imprensa independente voltou a surgir
nesses últimos meses. A Caros Amigos, que tem um projeto
editorial absolutamente diferenciado e independente, cobre fatos
que não se vê na grande imprensa, a Reportagem,
o Jornal dos Jornais, a própria revista Imprensa, apesar
de comprometida com os anunciantes, a Palavra, a República
e a Bravo, que apesar de sofisticadas estão fora da imprensa
voltada para a massa, a Bundas, que resgata o espírito
anárquico do Pasquim. Tem também na área
de quadrinhos. A imprensa alternativa de hoje é forte,
vitalizante, politicamente engajada.
9
- Você concorda que tem certos aspectos da profissão
que só se aprende na rua, não tem universidade
que ensine?
Concordo
plenamente. O lugar do repórter é na rua, convivendo
com as fontes, diferente do projeto Folha que acha que dá
para fazer jornalismo por telefone usando salto alto e terno
Armani. Eu acho, definitivamente, que a rua é a melhor
formação para o estudante, é onde se aprende
a entender o que realmente se passa na cabeça das pessoas.
Você aprende a nortear a sua maneira de redigir a matéria.
A
rua é o melhor exemplo para um jornalista. Como escrever
uma matéria sobre tráfico de drogas se você
não sabe o que se passa na rua? Você tem que saber
o que a pessoa mediana pensa, deseja. O jornalista tem que sair
do salto, deve beber cerveja no boteco da esquina. Precisa saber
que só vai ser realmente um jornalista quando for uma
pessoa como outra qualquer. É muito importante sentir
o pulsar das questões sociais, saber como as pessoas
vivem com um salário mínimo, ter uma idéia
de como o milionário gasta tanto dinheiro. E isso não
se aprende passeando no Country Club.
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- Os cursos estão preparando bem? O que seria fundamental
para um bom diploma?
Eu
acho que poucas escolas estão inovando na área
do Jornalismo hoje. A Federal de Santa Catarina é uma
delas, é espelho para muita gente. Uma escola boa é
aquela que tem bons professores, gente que tenha passado pelo
mercado, que tenha uma boa qualificação acadêmica.
É importante unir essas duas características ,
a prática e a teoria. Uma coisa só não
funciona.
O
fundamental é professor que tenha passado pela prática
do Jornalismo e que tenha uma carreira acadêmica, ao mesmo
tempo. A titulação é fundamental, não
defendo a escola só com professores profissionalizantes.
Aliás pode ter até professores sem titulação,
desde que não sejam maioria. E os graduados, na minha
opinião, tem que ser formados em Jornalismo. Em relação
ao currículo, sou totalmente favorável a abolição.
Não acho que um bom jornalista tenha que ter frequentado
uma faculdade. Nada impede que um historiador ou economista
escreva muito bem, acessivelmente. A prática comprova
isso. Muitos dos nossos melhores jornalistas nunca entraram
numa faculdade.
11
- Como membro da avaliação do MEC, você
está satisfeito com o que tem encontrado pelas universidades
do país?
Com
certeza não. As universidades estão muito fracas.
Falta prática, faltam disciplinas que façam o
aluno entender o que está se passando no mundo, faltam
projetos experimentais.
12
- Na sua opinião, qual é o melhor jornal impresso
e o telejornal, que afinal é a sua especialidade, atualmente?
Eu
acho que em termos de jornal impresso não temos um jornal
completo, que se compare com os estrangeiros. O Jornal do Brasil
e a Gazeta Mercantil são bons, diferente do Estadão
e a Folha de São Paulo que eu considero ruins.
E tenho dificuldade de acompanhar o Correio Braziliense. No
mundo, o El Pais é extraordinariamente bem pensado.
O
New York Times é outro bom jornal. Apesar de uma linha
editorial que não cobre equilibradamente a Palestina
e o Oriente médio, pois os donos são judeus, ainda
é um parâmetro de Jornalismo, principalmente para
saber realmente o que está acontecendo no mundo.
O
Chicago Tribune e o Le Monde também são excelentes.
Do ponto de vista do telejornalismo, infelizmente no Brasil
nós não temos nenhum modelo do que eu considero
um jornalismo completo. O Paulo Henrique Amorim era a minha
esperança, fazia um jornalismo independente do modelinho
fechado da mesmice da pauta da Globo. O Jornal Nacional eu só
olho para me convencer do mau jornalismo. Não que eles
não tenham capacidade, o problema é a linha editorial
determinada pelo dono.
Lá
estão alguns dos melhores jornalistas de televisão,
os equipamentos são ótimos, seguramente há
o maior volume de recursos técnicos e de dinheiro para
produzir televisão, entretanto a linha editorial ainda
está muito atrelada às formas de poder, políticas
e judiciárias.
É
um Jornalismo baseado na presidência. O Alexandre Garcia,
por exemplo. É um jornalismo de calça curta, infantil,
mas não ingênuo. Se eles falam bem do ACM, por
exemplo, é intencional. É a vontade do Roberto
Marinho. Já tive vários problemas por causa dessas
minhas opiniões, principalmente quando eu disse que o
JN era a união da puta da pior espécie com o malandro.
O Boris Casoy tem um modelo interessante e inovador, mas ainda
não é a salvação do telejornalismo
porque, apesar de fazer um produto editorial com alguns vôos
maiores, ainda respeita muito as instituições
estabelecidas.
13
- Para fechar, onde está o futuro do Jornalismo?
Está
nos estudantes, não nas empresas. Está naqueles
que vão lutar para achar um buraco nesse mercado, quer
seja dentro de uma empresa, quer seja de maneira independente.
Montar uma ONG, um produto, enfim, realizar aquela missão
máxima do jornalista que é trazer igualdade, denunciar
os abusos e, obviamente, ganhar um pouco de dinheiro porque
ninguém aqui é Madre Tereza de Calcutá
também queremos a nossa própria independência.
Entrevista
realizada em novembro de 1999.
Fonte:
Projeto Memória do Jornalismo, UFSC.
http://www.jornalismo.ufsc.br
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