Arquivo
Uma
nova ética para
uma nova modernidade
Por
Bernardo
Kucinski
Para
o aula de abertura do V Fórum Nacional de Professores
de Jornalismo, a ser realizado em Porto Alegre em 28.04.2002
O
jornalismo brasileiro vive hoje uma crise ética muito
especial. Mais do a incidência de desvios éticos
pronunciados, a característica dessa crise é o
vazio ético. Nas redações, deu-se uma rendição
genralizada aos ditames mercantilistas ou ideológicos
dos proprietários dos meios de informação.
O liberdade de informar e o direito de ser informado, canonizados
na Declaração Universal dos Direitos do Homem
e erigidos em ideologia dos códigos de ética jornalística
nos mais diversos países, tornaram-se letra morta.
Não
por acaso, esse novo ambiente ético no jornalismo é
adequado aos valores do neo -liberalismo econômico e foi
instrumental ao seu processo de implantação. Nesse
sentido é um equívoco considerar o vazio ético
das redações uma disfunção do jornalismo.
Ele existe porque tem uma função. E resulta de
um embate ideológico que se dá além da
esfera estrita da comunicação, um embate entre
propostas divergentes e civilização e de organização.
No
dia a dia, o vazio ético é reforçado por
mecanismos diversos entre os quais o fim da demarcação
entre o jornalismo e assessorias de imprensa, a fusão
mercadológica de notícia, entretenimento e consumo;
a concentração de propriedade na indústria
de comunicação, a crescente manipulação
da informação por grupos de interesse e principalmente
a mentalidade pós moderna.
Quando
aceitei o convite, que tanto me honra, para esta aula inaugural
, já tinha algumas dessas idéias delineadas. Mas
o que me levou realmente a aceitar o convite de bom grado, como
uma oportunidade feliz e não apenas como mais uma tarefa,
foi um incidente ocorrido algumas semanas antes, que desencadeou
um profundo processo de revisão das minhas ideais sobre
o problema da ética no nosso jornalismo. É disso
que pretendo tratar hoje. Antes, preciso explicar quais eram
minhas ideais sobre a ética jornalística.
Confesso
que era um fundamentalista no tocante á ética
jornalística. Minha paixão pelo jornalismo foi
tão absoluta que vesti a camisa da ética jornalística
como uma ideologia, no sentido mesmo de camisa de força,
conforme denunciado por Cornelius Castoriades. Ou seja, eu me
colocava dentro da ética jornalística, e por isso
não a podia ver criticamente ou como parte da ideologia
de uma época ou fé uma hegemonia datada. É
bom que o jornalista se coloque dentro da ética de sua
profissão, mas o professor e acadêmico deve poder
olha-la também de fora. Quem me chamou a atenção
para o caráter idealista,de minha postura
foi um professor e colega Manuel Chaparro. Não o refutei
na ocasião, mas sua observação foi fazendo
um lento estrago nas minhas convicções.
Nessa
concepção idealista eu pregava que o jornalismo
é uma atividade que se define por uma ética e
não por uma técnica. E que essa ética é
formada por um imperativo categórico, ou seja um preceito
universal de conduta aplicável em todas as circunstâncias,
e que não admite adaptação ou compromisso.É
o imperativo categórico da verdade. Por esse imperativo,
o jornalismo existe para socializar as verdades de interesse
público, para tornar publico o que grupos de interesse
ou poderosos tentam manter como coisa privada .O absolutismo
dessa ética pode ser sentido por uma de suas implicações,
a de que o jornalista não é responsável
pelas conseqüências da divulgação de
uma verdade de interesse público, seja ela qual for.
Mas é responsável e até cúmplice
das conseqüências de não ter socializado essa
verdade de interesse público. Na minha ética jornalística
absolutista, o valor responsabilidade não é simétrico.
É
uma ética Kantiana, na qual o valor verdade transcende
todos os demais valores e se coloca de modo absoluto. E por
que a ética Kantiana se aplica ao jornalismo ? Porque
se o jornalista começa a ponderar sobre as conseqüências
das verdades que tem a dizer, sobre a conveniência de
revelar parte da verdade e omitir outra, começa a assumir
um outro papel social; deixa de ser jornalista para ser um censor
e um juiz daquilo que o povo deve ou não deve saber.
Na ética kantiana, não cabe esse julgamento. A
verdade não pertence ao jornalista, que apenas recebeu
um mandato da sociedade para procurar os fatos, e até
certos privilégios éticos para executar esse mandato,
como o direito de bisbilhotar na vida alheia ou de surrupiar
certos documentos. desde que a serviço do interesse público.
Na
cultura anglo-saxônica, em que essa ética jornalística
prosperou e ganhou status de ideologia do jornalismo, há
até mesmo duas etimologias para expressar o valor responsabilidade,
na ética do jornalismo, em sua relação
como valor verdade; fala-se que o jornalista deve ser
accountable por suas ações , mas não
é responsible pelas verdades que revela.
Poderíamos traduzir como: o jornalista é responsável
por todos os seus atos, mas não pode ser responsabilizado
pelas conseqüências de ter revelado verdades. Ou
poderíamos dizer: a responsabilidade do jornalista esgota-se
no ato de revelar a verdade.
Explico
tudo isso que já se sabe, até de modo um pouco
maçante, para mostrar que essa ética é
fundamentalista: não permite nenhuma redução
da verdade, nenhum compromisso, sob nenhum pretexto, porque
por definição isso não é necessário,
já que não é da conta do jornalista o que
acontece depois que revelou o que tinha que revelar.
Essa busca de verdade de interesse público implica na
adesão a uma deontologia, uma ética de procedimentos
e que não se limita á técnica de bem escrever,
abarcando todas as etapas da busca de verdade ou, para usar
uma palavra mais precisa, da busca da veracidade dos fatos.E
os fundamentos dessa deontologia são a honestidade intelectual
e a perícia .O jornalista ético é o que
age com a mesma honestidade intelectual que caracteriza o bom
cientista. Ai está então, em resumo, o que vinha
sendo minha visão da ética jornalística
e a essência do que eu passava aos meus alunos e colegas
sempre que havia oportunidade.
Tudo
isso entrou em crise no incidente que vou relatar. Estava dando
a penúltima aula de um curso de pós-graduação
lato-senso denominado saúde e cidadania,
de um modulo sobre jornalismo social. A aula tratava de ética.
Minhas idéias provocaram uma reação alérgica
imediata e muito forte que culminou com uma rebelião
da classe. O mote geral era o de que eu estava exigindo posturas
irreais, que em todas as redações o jornalista
tem que fazer o que o patrão manda, e o que a publicidade
manda. E choveram os relatos pessoais de incidentes de supressão
de matérias, de opiniões, de trechos e de pautas.
Foi
então que eu me dei conta que aquela era uma das classes
mais homogêneas que eu já havia tido: eram quase
todos jornalistas em serviço ativo, nas mais diversas
redações, desde A TV Globo até revistas
técnicas setoriais. E quase todos na faixa dos 30-35
anos de idade, ainda jovens mas não novatos. A maioria
já tinha uns dez anos de experiência nas costas.
Era a revolta de uma categoria toda contra a exigência
de uma ética.
Perguntei
a eles qual a diferença entre um médico que mata
e um jornalista que mente? Ofendidos, não responderam.
Disse a eles que navegar é preciso, viver não
é preciso, ou seja, ninguém precisa ser jornalista.
Também não gostaram. Responderam que tinham sim
o direito de serem jornalistas sem precisarem ser éticos.
Por necessidade de sobrevivência. Não sendo deles
a culpa e sim do sistema, tinham esse direito. Finalmente disse
a aees que eu não estava ali para fazer julgamentos morais,
mas que eu só podia ensinar na escola uma ética,
a do jornalismo livre e comprometido com o interesse público,
que se desenvolveu nos melhores tempos do jornalismo Ocidental.
Disse também que era um equívoco pensarem que
a violência intelectual que cada um deles sofria no dia
a dia das redações, não teria conseqüências
de longo prazo. Disse que era um equívoco banalizarem
essa situação.
O
incidente me abalou profundamente, mas depois comecei a rememorar
situações que já vinham de longe, e mostravam
que havia algo de furado na minha posição fundamentalista
de ou tudo ou nada. Lembrei-me da descoberta de que muitos alunos
de jornalismo aprendem a cascatear, ou seja, a inventar matérias,
já no primeiro ano do curso. Forjam entrevistas que não
existiram. Cozinham matérias de outros sem se referir
à autoria inicial. Digamos que isso está ainda
no universo dos malandragens da adolescência escolar,
como o habito de colar em provinhas. Mas a dimensão é
outra, quando se sabe que cascatear é um traço
marcante do jornalismo brasileiro.É possível até
que esse verbo nem exista no jargão jornalístico
de outras culturas.
Lembrei-me
também de um aluno que propôs uma reportagem sobre
uma desastrosa expedição do navio da USP à
Antártida, a partir de informações de um
amigo que participou da viagem. O barco quase soçobrou,
porque só um dos lados tinha holofotes. O freezer pifou
e por isso eles perderam todos os espécimes de krills
que haviam coleado. Finalmente estourou uma epidemia de diarréia
a bordo, mas nessa altura, o médico já havia saltado
do navio em Porto Alegre.
Sugeri
ao aluno que checasse bem as informações e escrevesse
a reportagem par ao Jornal do Campus. Qual não foi a
minha surpresa quando o aluno me entregou o que eu chamei de
a anti-matéria.Um texto que escamoteava todo o que aconteceu,
com expressões, como apesar de alguns problemas,
terminou relativamente bem a viagem do navio Besnard à
Antartida.. Quando questionei o aluno ele respondeu que
não queria se complicar criticando as autoridade da USP.
Ou seja, esse jovem ainda nem havia começado a vida de
jornalista e já tinha decidido que contar a verdade não
faria bem à sua carreira.
Comecei
a mapear o destino dos meus alunos já formados: a maioria
engajou-se em projetos jornalísticos sem nenhuma ambição
intelectual, filosófica ou política. E uma minoria
significativa entendeu a profissão meramente como uma
boa oportunidade de ganhar dinheiro. Foi bastante frustrante
ver discípulos de grande valor intelectual, selecionados
por um vestibular competidissimo e rigoroso, e com os quais
compartilhei boas experiências de jornalismo ainda no
campus universitário e desenvolvi uma relação
de amizade, se conformarem com uma visão tão banal
dessa profissão que eu via como tão fascinante
e dessa forma aceitar uma proposta banal para sua própria
vida. Para eles a vida decididamente não era uma meta-narrativa.
Para eles a utopia era um conceito morto, desprovido de qualquer
significado.
Há
dois anos, para substituir um professor, comecei a ministrar
a disciplina ética e deontologia do jornalismo
e de novo, surgiram os sinais de que algo estava errado nos
fundamentos do meu ensino. Num dos primeiros exercícios
de classe, que funcionou como uma espécie de pesquisa
de opinião dos alunos, ficou claro que para boa parte
deles a existência de um código de conduta para
jornalistas era um absurdo. Cada jornalista tinha o direito
de pensar e agir a seu modo. Era a demonstração
de que no ambiente da pós-modernidade é difícil
haver um código de conduta porque não existe a
aceitação de valores dominantes e rejeita-se a
idéia da coerção, mesmo a coerção
moral.
Naquela
classe não havia patrões para imporem a auto-censura
e nem os inspirava tanto assim a idéia do oportunismo,
do jornalismo como uma forma de ficar rico. Esses alunos, ainda
bem jovens, de primeiro ano, rejeitavam genuinamente a possibilidade
de haver uma ética , porque isso estava em conflito com
seus valores fundamentais, acima de tudo os valores individualismo
e tolerância .
O desafio que temos pela frente portanto é de como reconstruir
uma ética jornalística em tempos pós -modernos.Uma
ética pertinente, que não paire no ar, descolada
dos jovens, como uma mera cobrança de culpas que eles
nem sequer reconhecem... Os códigos de ética diferem
de país para país, ou de tempos em tempos, justamente
porque refletem mudanças de ênfase ou de articulação
de valores das matrizes éticas de cada cultura ou de
cada tempo. De hábitos novos, surgem novos valores, que
por sua vez se aplicam na forma de normas de conduta, entre
elas os código aplicados de ética, como são
os diferentes código de ética profissionais, inclusive
os dos jornalistas
Os
diferentes códigos aplicados de ética são
portanto exercícios datados de hegemonia ideológica.
Seus processos de formulação e de legitimação
se dão em contextos discursivos também datados.
Hoje, vivemos um novo tempo discursivo, marcado pela negação
das utopias e pela ausência de um padrão ético
hegemônico, exceto no sentido metafísico de que
a ausência de padrões também seria um padrão.
Fatores objetivos contribuíram para a quebra de valores
tradicionais. As revoluções da biotecnologia,
que inovaram o campo da reprodução humana, alteraram
definições fundamentais como as do início
da vida e do momento da morte. O homem passou a ser definido
como um animal simbólico e não como ser racional.
Sua relação com a natureza passou a ser de uma
solidariedade de destinos e não mais de dominação.
O fracasso do socialismo real deu lugar á supremacia
do neo-liberalismo.
Nesse
novo ambiente, as éticas socialmente constituídas
cederam espaço a uma ética definida em torno de
cada indivíduo, o que parece uma contradição
em termos, um paradoxo, já que as condutas pessoais só
podem ser avaliadas na sua articulação com outras
condutas. Pode ser uma ética provisória. O fato
é que hoje, dentro de limites bastante amplos, cada um
tem o direito de pensar e agir como quiser. O exemplo mais expressivo
está no campo sempre delicado da sexualidade: cada um
pode adotar a preferência sexual que quiser. É
também uma ética de muitos direitos e poucos deveres.
Cada um tem o dever de pensar antes de tudo em si mesmo, em
seu projeto de vida. Uma ética em que o dever é
definido como negação do social como celebração
da individuação ética.
Não
se trata da morte dos valores, mas da prevalência de determinados
valores como tolerância, pluralismo, sucesso pessoal e
liberdade individual que no seu conjunto e principalmente na
forma como se articulam, definem uma matriz ética perversa
pelos critérios de virtuosidade de nossa ética
agora ultrapassada. Talvez devamos dizer que a ética
da pós- modernidade é marcada também pelo
declínio dos valores solidariedade e compaixão
que marcaram a humanidade nos pós-guerra, e pelo predomínio
de valores não valores, como o ceticismo,o cinismo, a
negação da utopia e da justiça social.
Não
por coincidência, são esses não valores
que mais servem á etapa de super-concentração
do capital e de supremacia dos interesses do capital, sobre
os interesses do homem, que marcam o mundo de hoje. Também
nesse sentido, a aparente ausência de uma padrão
ético dominante, é apenas um verniz que encontre
uma ética de anti-valores que se encaixa perfeitamente
numa ideologia neo- liberal dominante.
Por isso, vivemos hoje a mais básica de todas as dicotomias
da ética : a do indivíduo versus sociedade. Sendo
os códigos morais socialmente constituídos, eles
são hoje negados liminarmente por essa nova mentalidade
que contesta a própria possibilidade de haver uma recomendação
de conduta universal. Cada indivíduo nesses tempos pós-
modernos, teria a faculdade de decidir sua própria conduta,
cultivar seus próprios valores. È a desqualificação
do direito de exigir determinados comportamentos. È o
retorno também á mais básica e fundamental
de todas as discussões éticas: sobre a necessidade
ou não de haver uma ética.
Se
fossemos re-elaborar uma ética jornalística compatível
com o novo ambiente ético, teríamos que partir
dos valores dominantes dessa matriz e os rearticular de modo
que percam seu sinergismo perverso. A tolerância poderia
ser um dos valores dessa nova ética jornalística
desde que no contexto de uma matriz ética em que não
entre como anti-valor, como negação da necessidade
de outros valores, e sim como indicativo da necessidade de aceitarmos
as diferenças com o legítimas. A tolerância
nesse contexto seria um valor importante para se antepor á
inclinação à exclusão, típica
do argumento neo -liberal.
Certamente
o sucesso pessoal um dos valores centrais da ética neo-liberalismo
poderia ser encaixado de tal forma numa matriz ética
que se torne socialmente útil. Nos momentos de maior
desespero ético, tenho apelado junto a meus alunos para
o mais puro individualismo. Pergunto a eles: vocês querem
ser mais um jornalista medíocre no meio dessa massa de
jornalistas que nunca farão nada de importante na vida?
Provoco seu brio. Machuco sua auto-estima. Pergunto onde foram
parar seus sonhos? Se não tem sonhos como todos jovem
tem . Se não tem a ambição de serem os
melhores, os mais bacanas, os mais bem sucedidos. É um
argumento cativante porque parte da mentalidade existente, fundada
na idéia do sucesso pessoal, do vencer na vida, chegando
de modo natural à concepção do grande jornalista,
ou seja do bom jornalista. E o bom jornalista é necessariamente
um jornalista ético.
O
passo seguinte é discutir o que é ser bom jornalista
e como fazer sucesso na profissão, como se destacar da
massa dos medíocres. Lembrei-me que costumava terminar
meus cursos a alunos de quarto ano, quando eles já se
preparavam para enfrentar a competição ferrenha
no mercado, com uma aula em que dava dez sugestões para
ser um jornalista bem sucedido. Por exemplo, eu aconselhava
os alunos a evitaram de início as grande redações
e procurarem se robustecer em redações pequenas
e em áreas não estratégicas do jornalismo.
Dizia que jornalista bem sucedido é aquele que sabe o
que os outros não sabem que tem fontes que os outros
não tem. Ou seja, trabalhava em prol do jornalismo de
qualidade, até mesmo validando a idéia perversa
da competição.
A
maioria das sugestões diziam respeito ao processo de
acumulo de conhecimento e de fontes, á criação
de uma saber e de uma competência jornalística.
Dizia, por exemplo, que o jornalista no Brasil nunca deve entregar
os documentos e materiais para os arquivos da empresas, e sim
montar seu próprio arquivo. As empresas perdem esses
materiais: além disso te demitem sem mais essa ou aquela,
arbitrariamente. E mais, eu dizia, em determinadas ocasiões
faça reportagens aceite incumbências pesadas, para
ter acesso a fontes e materiais que de outra forma seriam de
acesso mais difícil. O saber passa a se localizar no
jornalista e não nos arquivos das empresas. Assim o jornalista
vai se tornando um sujeito do conhecimento e um ser epistêmico.
Também um auto- didata, que vai crescendo intelectualmente
á medida que vai suprindo todas aquelas lacunas de conhecimento
deixadas pelos currículos escolares, que como nós
sabemos são montados de modo arbitrário.
O
saber é alérgico ao mau jornalismo, à manipulação
desonesta da informação. Por isso as grandes empresas
quando querem praticar o jornalista desonesto, mandam repórteres
jovens, que ainda não acumularam conhecimento, que não
tem memória histórica. Certamente o saber pode
ser um valor central a numa nova ética porque ele tem
essa característica de tornar seu portador naturalmente
resistente á desonestidade intelectual e á manipulação.
A escola tem um papel fundamental na procura de uma nova ética
, porque através dela se desenvolve no jovem a prontidão
para o saber e o conhecimento. Esse ser epistêmico
, como nós o chamamos uma vez numa das reformas de nosso
currículo, vai estabelecer com o mercado um conflito
ético feito de confrontos com editores autoritários
e proprietários de mentalidade oligárquicas. Por
um lado, isso exige do jornalista a adoção de
certas estratégias de sobrevivência. Por outro
lado, esse conflito altera a qualidade do próprio mercado.
Trata-se, nesse sentido, de um conflito necessário, um
conflito produtivo. E o fim da falsa discussão se a escola
educa para o mercado ou contra o mercado.
É
na escola também e apenas na escola, que o aluno ter
hoje o aporte de conhecimento sobre as teorias da ética
e da moral necessárias para seu posicionamento especifico
no debate ético. Não temos aqui instâncias
como comissões de ética ou direitos como a clausula
de consciência, que permitem o acompanhamento regular
do debate ética durante a carreira do profissional. Os
poucos ombudsman que temos já está visto, limitam-se
a corrigir erros localizados de informação ou
erros gramaticais, com isso legitimando os grandes processos
de supressão da verdade e da liberdade do jornalista.
Na
busca de uma ética não metafísica, contemporânea
e condizente com o ambiente discursivo da pós-modernidade,
há três outros aportes possíveis. O primeiro,
é o que cobra a qualidade do jornalismo e da informação
como um dos direitos do consumidor. O consumidor em duas dimensões;
como indivíduo que paga por um produto e tem o direito
de receber um produto de qualidade, e o consumidor como cidadão,
membro de uma sociedade que tem o direito de informar e ser
informado como parte de seus direitos de cidadania. Essas são
abordagens compatíveis com a mentalidade neo-liberal
e portanto mais fáceis de serem trabalhadas.
Uma
segunda abordagem é a denúncia da supressão
da liberdade do jornalista no seu local de trabalho como um
ato de assédio moral. Esse é um conceito
novo, como se vê fundado no indivíduo e que naturaliza
por assim dizer o direito político á liberdade
intelectual. Através dele, pode-se fazer a crítica
da praticas autoritárias nas redações a
partir de um discurso tipicamente pós-moderno e portanto
com legitimidade discursiva. Notem o paralelismo do conceito
de assédio moral, com o de assédio
sexual.
Finalmente,
quero terminar com o que considero a maior dimensão do
problema ético que vivemos hoje no Brasil, sua dimensão
política. Está claro, pela intensidade com que
os meios de comunicação de massa são hoje
manipulados pelos grupos dominantes para se manter no poder,
que nosso principal problema ético hoje não é
de natureza moral e sim política. A supressão
dos ditames da ética jornalística clássica
e a banalização do assédio moral nas redações
existem porque são instrumentais no uso dos meios de
comunicação de massa pelos classes dominantes
para sua perpetuação no poder.
Isso
significa que a luta por uma nova ética é também
e acima de tudo uma luta política. E portanto essa luta
tem que ser condicionada por algumas das leis da política,
tais como ser referida a interesses sociais e desenvolver-se
através de etapas e objetivos táticos e estratégicos
bem definidos. Estar articulada às demais lutas políticas
do momento.Lutas como pela Instalação do Conselho
de Comunicação Social, pela cláusula de
consciência, pela limitação á concentração
na indústria da comunicação. Na verdade,
poderíamos organizar todas essas ações,
sob a retranca da ética. Porque, entre tantos paradoxos
de nossos tempos, um deles é de que a pós- modernidade
até aceita uma luta pela ética, desde que colocado
em termos morais e pessoais não político-ideológicos.
De
qualquer forma, a proposta de uma nova ética que resgate
o pluralismo e da verdade a serviço público, e
re-elaborada como construção pedagógica
de um novo jornalista contra-hegemônico, é hoje
uma proposta necessária e importante, para a sociedade
e para o jornalismo.
Bernardo
Kucinski
São Paulo, abril de 2002
Palestra
de Bernardo Kucinski na íntegra. Texto preliminar, para
discussão, sujeito a correções e revisão.
Fonte:
Fórum Nacional de Professores de Jornalismo.
<www.professoresjornalismo.jor.br>
Voltar
|