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Arquivo


Dossiê Herzog
Por Frente Nacional pela Democratização da Comunicação

19.10.2004
Jornalistas querem investigação e justiça

A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) vem a público manifestar seu veemente repúdio à resposta do Centro de Comunicação Social do Exército a respeito da série de reportagens “Arquivos da Repressão”, publicada no Correio Braziliense, no último domingo, 17 de outubro.

A matéria destaca fotos inéditas, mostrando como o jornalista Vladimir Herzog foi humilhado, pouco antes de ser assassinado nos porões da ditadura, em 25 de outubro de 1975, há 29 anos.

É no mínimo leviana a posição do Exército ao afirmar que não há documentos históricos, comprovando as torturas, mortes e desaparecimentos. Como também pode ser considerada uma provocação declarar que “as medidas tomadas pelas Forças Legais foram uma legítima resposta à violência dos que recusaram o diálogo...”

Além de protestar contra esse tipo de manifestação que legitima a tortura e o assassinato de cidadãos por órgãos do aparato de Estado e admite a censura e o cerceamento às liberdades democráticas, a FENAJ exige que o Governo, numa demonstração de maturidade institucional e respeito aos direitos humanos, promova uma ampla investigação sobre as condições de morte ou desaparecimento dos seguintes jornalistas brasileiros, durante o regime militar:

  • Joaquim Câmara Ferreira - Morto em 1970
  • Edmur Péricles Camargo - Desaparecido em 1974
  • Hiran de Lima Pereira - Desaparecido em 1975
  • Jayme Amorim Miranda - Desaparecido em 1975
  • Luís Inácio Maranhão Filho - Desaparecido em 1974
  • Luiz Guilhardini - Morto em 1973
  • Mário Alves de Souza Vieira - Desaparecido em 1970
  • Ruy Osvaldo Aguiar Pftzenreuter - Morto em 1972
  • Norberto Armando Hageber - Desaparecido em 1978
  • Orlando da Silva Rosa Bonfim Júnior - Desaparecido em 1978
  • Luiz Eduardo da Rocha Merlino - Morto em 1971
  • Wladimir Herzog - Morto em 1975
  • Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar - Morto em 1976
  • David Capistrano da Costa - Desaparecido em 1974
  • José Toledo de Oliveira - Desaparecido em 1972
  • Thomaz Antonio da Silva Meirelles Neto - Desaparecido em 1974

Brasília, 19 de outubro de 2004.

Fonte: Nota Oficial - Diretoria da FENAJ - Assessoria de Imprensa Federação Nacional dos Jornalistas.


19.10.2004
Jornalista morreu sob
tortura em outubro de 1975


O jornalista Vladimir Herzog foi morto em 25 de outubro de 1975 nas dependências do DOI-Codi de São Paulo. Naquela época, Herzog era diretor de jornalismo da TV Cultura.

Na noite do dia 24 de outubro, agentes dos serviços de inteligência foram à TV Cultura convocar o jornalista para prestar depoimento sobre suas ligações com o PCB (Partido Comunista Brasileiro). Ele prometeu comparecer, na manhã do dia seguinte, ao quartel da rua Tutóia. A proposta foi aceita. Seu depoimento foi uma sessão de tortura. Dois jornalistas presos com ele confirmaram o espancamento. Herzog morreu nesse mesmo dia.

Segundo a versão oficial, Herzog se enforcou na cela com um cinto do macacão de presidiário. O médico-legista Harry Shibata foi responsável pelo laudo necroscópico que sustentava a tese de suicídio. A solução apresentada não era muito original: segundo Elio Gaspari ("A Ditadura Encurralada"), tratava-se do 38º suicida do regime militar e o 18º a matar-se por enforcamento.

A Sociedade Cemitério Israelita rejeitou a versão apresentada pelos militares e decidiu não enterrar o jornalista na ala destinada aos suicidas: "Vi o corpo de Herzog. Não havia dúvidas de que ele tinha sido torturado e assassinado", declarou o rabino Henry Sobel. No dia 31 de outubro de 1975, foi realizado um culto ecumênico em memória de Herzog na Catedral da Sé, do qual participaram 8.000 pessoas, num protesto silencioso contra o regime.

Três anos depois, em 1978, a Justiça responsabilizou a União por prisão ilegal, tortura e morte do jornalista. Em 1996, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos reconheceu que Herzog foi assassinado no DOI-Codi de São Paulo e decidiu conceder uma indenização para sua família.

Fonte: Folha de S.Paulo.


19.10.2004
Onde se entrava vivo para sair morto

Numa noite de 1976, acendeu-se na redação de uma revista semanal brasileira um tenso debate sobre uma decisão que precisava ser tomada com urgência, por causa do horário de fechamento da edição: publicar ou não a sequência de imagens de um homem primeiro hesitando e depois se jogando para a morte do parapeito de um edifício em chamas, no centro de Porto Alegre.

Os redatores contrários à publicação sabiam que as fotos dessa tragédia eram "notícia", por condensarem a essência da narrativa jornalística de qualquer catástrofe com perda de vidas. Mas argumentaram que a sua divulgação representaria antes uma violência contra uma família enlutada e traumatizada do que um serviço ao leitor.

Esse episódio veio à memória do jornalista quando topou com a primeira página do Correio Braziliense de domingo. Nela, sob o título "Herzog, a humilhação antes do assassinato", explodem duas fotos inimagináveis daquele colega de escola, companheiro de profissão e amigo de muitos anos que a ditadura militar torturou e matou no sábado, 25 de outubro de 1975, no DOI-Codi de São Paulo.

Por que mostrar, 29 anos depois do seu martírio, esse Vlado despido, de frente e de perfil, sentado num banco, o rosto coberto pela mão direita, horas - ou, quem sabe, minutos - antes de receber os choques a que o seu coração não resistiria? A Justiça já não declarara a União responsável pela prisão ilegal, tortura e morte do então diretor de jornalismo da TV Cultura, Vladimir Herzog?

A farsa do seu suícidio por enforcamento já não tinha sido também desmascarada? Por que então submeter a viúva, os filhos e a mãe ao tormento de se deparar com algo talvez ainda mais dilacerante, a esta altura, do que os retratos do Vlado morto? Qual o mérito jornalístico em revivê-lo, literalmente nu diante de seus inimigos, nessa Abu Ghraib da Rua Tutóia?

Tem mais. Ainda que se dê ao Correio o benefício da dúvida, é uma história estranha. Segundo a reportagem, transcrita já no domingo pelo Estado de Minas, as fotos - seis ao todo - teriam sido tiradas por um cabo do Exército e estavam esquecidas nos arquivos da comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Não está claro como foram achadas.

Pelo menos duas pessoas receberam algumas delas por e-mail, antes da publicação. A figura da imagem frontal foi reconhecida. A de perfil foi dada como autêntica por analogia. Mas numa terceira foto, que o jornal de Belo Horizonte publicou na primeira página, se vê, à frente de um Vlado difícil de identificar, uma mulher de boca e braços abertos, como se gritasse.

De todo modo, o Correio fez a coisa certa. Ao contrário do caso do suicida de Porto Alegre, neste prevalece o interesse comum. Clarice Herzog honrou a memória do marido ao dar tudo de si para exumar a verdade do seu holocausto. Agora, as suas derradeiras fotos antes da imolação prestam um serviço público: acabam com o último grão de dúvida que ainda pudesse subsistir sobre o que o regime de 1964 fazia com os que entravam vivos para saírem mortos de suas masmorras.

*Luiz Weis, jornalista, trabalhou com Vladimir Herzog no Estado, na revista Visão e na TV Cultura. Esteve preso no DOI-CODI Luis Weis - O Estado de S.Paulo.


19.10.2004
"Acidente" provocado pela linha dura


Morte de Vladimir Herzog em 1975 aconteceu no auge das operações de combate ao PCB, chefiadas pelo general Ednardo D'Avila Mello, então comandante do II Exército, em São Paulo

O assassinato do jornalista Vladimir Herzog no dia 25 de outubro de 1975, numa unidade do II Exército, o Doi-Codi da Rua Tutóia, em São Paulo, tanto pode ter sido um acidente de trabalho dos agentes do órgão como uma provocação da linha dura do Exército contra a política de ''distensão'', mas a onda de prisões contra o antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi uma operação militar planejada e muito bem-sucedida.

As estatísticas do II Exército saltaram de nove prisões, em setembro, para 128 prisões em outubro daquele ano, o auge de uma operação que levou milhares de militantes à cadeia em todo o país e desarvorou completamente o PCB. Dentre eles, estava José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Frei Chico era vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano e foi barbaramente torturado.

As estatísticas do general Ednardo D'Ávila Mello, comandante do II Exército, registram a prisão e a morte de Vladimir Herzog, mas nenhuma referência ao caso foi feita pelo general no relatório. É como se nada de importante houvesse acontecido.

A ficha de Herzog, judeu nascido na Iugoslávia e naturalizado brasileiro, registra apenas que ele se apresentou ao Doi-Codi no mesmo dia em que ''suicidou-se''. Segundo o órgão da repressão, o jornalista fora recrutado para o PCB pelo colega Rodolfo Konder, que também foi preso, quando trabalhava na revista Visão.

Integravam a ''célula comunista'' os jornalistas Miguel Urbano Rodrigues, português exilado no Brasil, Luiz Wies e Antônio Alberto Prado. A célula teria sido ampliada com os recrutamentos de Fernando Moraes, George Benigno Jatahy Duque Estrada, Anthoni Jorge Andrade de Christo e Marco Antônio Rocha.

Herzog contribuiu para o PCB com R$ 50 mensais, até meados de 1974, mas dobrou a contribuição quando assumiu o cargo de diretor de jornalismo da TV Cultura. Contra ele, a única acusação de atividade subversiva é essa, pois nenhuma outra atividade política é relatada no documento.

Comunistas

A prisão de Herzog, entre centenas de militantes do PCB em São Paulo, para o general Ednardo D'Ávila Mello, expoente da linha dura do Exército, também era a confirmação de que o então governador paulista, Paulo Egydio Martins, emboira da Arena - partido governista -, mantinha relações de convivência com os comunistas.

Afinal, Herzog era o diretor de jornalismo da TV Cultura, a emissora do governo paulista que à época já despontava como melhor órgão de comunicação do setor público.

Ednardo mantinha três frentes de batalha: aliado do ministro do Exército, Sílvio Frota, combatia a política de distensão do general Geisel; inimigo figadal dos comunistas, liderava a ofensiva dos órgãos de segurança contra o PCB, que havia tido importante participação nas eleições de 1974, através do MDB, elegendo o deputado federal Marcelo Gato com grande votação; finalmente, não reconhecia a autoridade de Paulo Egydio Martins, a quem acusava de flertar com a oposição e combatia sistematicamente.

Nessa empreitada, o comandante do II Exército tomava conta do que acontecia em São Paulo e não escondia sua má vontade com o governador paulista. Despachava diretamente com secretários do governo paulista, recebia deputados, reunia-se com jornalistas credenciados junto ao Exército e reproduzia essas opiniões.

''O panorama político na área aparenta incoerência. Após a conquista da união arenista na escolha de seus dirigentes regionais, surge sério desentendimento entre o poder Executivo e o Legislativo de São Paulo'', avalia o relatório nº 9/75, de setembro de 1975, assinado pelo general Ednardo.

Imagem

A prisão de Herzog se encaixava como uma luva na argumentação do general, demonstrando ''sua infelicidade na escolha de secretários de estado e assessores que estariam comprometendo a imagem do governo, a Arena e os próprios princípios da revolução de 1964''.

O relatório de outubro, que registra a prisão dos integrantes da direção do PCB em São Paulo, traduz o interesse de Ednardo D'Ávila no endurecimento do regime, com sombrias conclusões em relação as eleições de 1976: ''Evidencia-se, desse modo, que o otimismo exagerado dos círculos arenistas de uma reviravolta eleitoral em 1976 não é verdadeira e um possível resultado negativo poderá trazer sérias conseqüências para o prestígio do governo federal e das atuais instituições políticas brasileiras''.

O general fracassou apenas parcialmente: logo em janeiro, após a morte de Manoel Filho, foi defenestrado do cargo, assumindo em seu lugar o general Dilermando Monteiro; em novembro, a Arena ganhou as eleições, mas, para isso, Geisel jogou duro com o MDB, baixando o Pacote de Abril e a Lei Falcão.

Rudolfo Lago e Luiz Carlos Azedo, colaborou Eumano Silva - Correio Braziliense.


Clipping: Frente Nacional pela Democratização da Comunicação, 19.10.2004.

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