¿Música? 9

¿Música? 9: Partituras Verbais

Local: Ibrasotope,
Rua Januário Miraglia, 43, Vila Nova Conceição
São Paulo - (11) 2579 - 9386
Data: Sexta-feira, 30 de maio de 2014 - 21h00

Direção Geral: Lílian Campesato
Realização NuSom / Ibrasotope

A série ¿Música? chega a nona edição com um concerto temático: partituras verbais. As partituras verbais ou partituras de eventos foram muito usadas como estratégia de notação e proposição musical, especialmente por compositores e artistas do experimentalismo norte-americano das décadas de 1960/70. Como uma resposta alternativa à rigidez de movimentos mais formais das vanguardas, entre eles o serialismo integral, as partituras verbais, assim como as partituras de eventos, exploram a abertura e ambiguidade que um texto verbal pode suscitar quando empregado para indicar procedimentos musicais. Muitas vezes, as partituras são compostas de frases imperativas e curtas; em outros casos os textos contêm instruções detalhadas que dirigem as ações dos músicos. Assim, essas partituras verbais podem apresentar simultaneamente um caráter descritivo e prescritivo, sem entretando evocar as extratificações pré-definidas pelo sistema de notação musical tradicional, em que notas, compassos e quadraturas impõem um território de ação musical já bem definido e consolidado. Ao contrário, as partituras verbais se dirigem mais ao estímulo para a realização de ações ou para a coordenação de processos e gestos musicais, do que ao controle preciso dos eventos sonoros e de sua realização no tempo. Com o ¿Música? 9 o NuSom, Núcleo de Pesquisas em Sonologia da USP, propicia um espaço de experimentação e discussão crítica a partir de um repertório já bem estabelecido, que é recriado coletivamente a partir das reflexões dos integrantes do grupo.

Veja aqui as fotos do evento

Veja as partituras no trabalho criado por André Bandeira: http://musica9.hotglue.me/


PROGRAMA:


21h00 Drip Music - (1959-1962)
George Brecht (1926 – 2008)
Interprete e adaptação: Vitor Kisil

George Brecht (1926 - 2008) possuía formação em química e foi um artista fortemente relacionado com o grupo Fluxus. Dentro de sua produção, destacam-se as Event Scores (partituras de eventos), como é o caso de Drip Music, que consiste basicamente em breves instruções para serem seguidas pelos executantes. Drip Music esteve presente no repertório do grupo Fluxus desde suas primeiras apresentações e tornou-se uma das obras mais emblemáticas do grupo por sua relação com o conceito de fluidez que está presente no nome do grupo. Para esta versão, a partitura serve como ponto de partida para a criação de uma instalação, intitulada Drip (fissy) Music: música [efervescente] por gotejamento. Uma torneira conectada a um tubo com água em seu interior goteja sobre um recipiente de vidro. Dentro do recipiente há uma substância efervescente coberta por um líquido oleoso que não reage com esta substância. Conforme a água pinga dentro do recipiente ela atravessa a camada de líquido oleoso e passa a entrar em contato e a reagir com a substância efervescente presente no fundo do recipiente. A reação química ocorre sob o líquido oleoso e o gás resultante emerge para a superfície, através deste líquido, na forma de bolhas. Cada gota de água que cai no recipiente influencia ligeiramente as reações químicas. A efervescência é captada sonoramente e visualmente, fazendo com que as reações químicas ao serem amplificadas, reforcem uma dimensão poética presente na simplicidade do fenômeno.

Agradecimento: Kooi Kawazoe


21h32 a 21h52 - Stones (1968) e The New Sound Meditation (1989)

Christian Wolff / Pauline Oliveros
Performance: Coletivo Al Revés (Alexandre Marino, Bruno Hiss e Rafael Gherini)

Stones, de Christian Wolff, é um exemplo bastante claro de seu trabalho dos anos 1960, quando se aproximou de compositores como Cornelius Cardew. Nesta peça, os comandos de "extrair sons de pedras" são bastante abertos, permitindo infinitas possibilidades, porém com um caminho claro e definido a ser seguido (utilizar pedras, não quebrar nada). The New Sound Meditation, de Pauline Oliveros, é também um exemplo bastante representativo do trabalho dessa compositora. Nela, sua proposta de "deep listening" se faz bastante evidente, sendo necessário, para executá-la, escutar com muita atenção o ambiente externo onde ocorre a peça e o "ambiente interno" do executante. As duas peças estimulam a experimentação, a concentração e a escuta atenta. São obras abertas, com infinitas possibilidades de realização. O silêncio é o traço mais marcante. É preciso completa entrega ao momento, quando interações são possíveis. Nem antes, nem depois, apenas o agora.

Sobre nossa versão: As duas peças serão executadas ao mesmo tempo e sem amplificação. Os intérpretes formarão um circuito, dividindo-se entre as peças de Oliveros e Wolff. Ao longo da apresentação, os lugares serão trocados e cada integrante ocupará diferentes posições dentro da performance. O objetivo é que os trabalhos se fundam, interagindo um com o outro. Para executar a obra Stones, diferentes tipos de pedras serão espalhadas pelo espaço, para que, desta forma, a performance tome um caráter mais dinâmico e explorativo, além de ocupar o espaço de forma mais interessante tanto sonoramente como plasticamente.


21h47 a 21h58 - Wood, Stone, Metal, Skin, with Voice (1983)

Malcom Goldstein (1936 - )

Perfomance: André Martins (guitarra), Denise Aoki (voz e koto), Kooityiro Kawazoe (shamisen) e Vitor Kisil (processamento e percussão)

"Wood, Stone, Metal, Skin, with voice" é uma peça feita a partir da notação verbal e também uma referência gráfica circular, que expressa a sequência, também circular, da exploração sonora dos 4 elementos escolhidos pelo compositor. As instruções estabelecidas ajudam a fixar parâmetros como a continuidade sonora dos materiais, que são sempre na ordem: madeira, pedra, metal e pele, porém com articulações, qualidades dinâmicas variadas. A voz é sobreposta a esta camada sonora, com livre-arbítrio interpretativo. O próprio compositor afirma que os 4 elementos sugeridos são materiais de categoria ampla, sendo que ele enfatiza a busca por uma variedade de materiais sonoros a serem expostos durante a performance.
Além da voz, os 4 elementos sugeridos na partitura serão representados por cada um dos membros do grupo. A madeira será representada pelo koto, o metal será representado pela guitarra, a pele será representada pelo shamisen e a pedra será representada pela eletrônica e cerâmicas. A peça terá duração de 10 a 15 minutos e durante a execução pretendemos ir flexibilizando o tempo proposto pelo compositor afim de explorar a interação entre os instrumentos e dinâmica da peça. Dividimos a peça em 4 partes distintas, com interpretações guiadas aleatoriamente de até 11 segundos de cada membro, estendendo um procedimento sugerido pelo compositor. A partitura será projetada, em movimentos circulares que completam também 11 segundos.


22h03 a 22h23 - #2 - Proposition (1962)

Alison Knowles (1933- )
Performance: Fernando Iazzetta, Marcelo Muniz, Natacha Maurer e Priscila Montania.

A artista norte-americana Alison Knowles foi uma integrante ativa do movimento Fluxus com obras que incorporavam performance, radioarte, artes visuais e música. Suas peças fazem uso recorrente de diversos princípios adotados pela vanguarda experimental norte-americana, como indeterminação, performance, partituras de ação e a exploração gestual e tátil de materiais. Make a Salad faz parte das “event scores” chamadas Propositions em que Knowles propõe ações simples, idéias e objetos da vida cotidiana que são recontexutalizados como performances. A peça foi estreada em 1962 no Instituto de Arte Contemporânea em Londres e tornou-se um trabalho emblemático das performances criadas pela artística. A partitura, que se restringe à instrução “Make a Salad”, remete à ideia de aproximação entre a arte e a vida, motivação bastante presente nos trabalhos experimentais das décadas de 1960 e 1970.

Nesta recriação será dada atenção espacial às sonoridades produzidas durante o processo de “fazer uma salada”. Sensores piezoelétricos simples são colocados nos utensílios amplificando os sons produzidos pelas ações dos intérpretes. Um metrônomo, também amplificado, marca mecanicamente a passagem do tempo e estimula a realização dos gestos de preparação dos alimentos dentro de uma pulsação fixa. Seguindo a proposta de Alison Knowles de aproximar a realização de suas peças dos eventos corriqueiro que vivemos no cotidiano, as pessoas são convidadas a comer a salada ao final da performance.


22h32 a 23h07 - Houdini Rite (1970)

Hugh Shrapnel (1947 - )

Performance: Mário Del Nunzio (guitarra); Natacha Maurer (amarração)

A partitura sugere que os executantes da peça fiquem com seus membros presos de algum modo, e toquem seus instrumentos deste modo enquanto podem tentar libertar-se. Seu título faz referência ao escapista e ilusionista Harry Houdini, que realizava números libertando-se de algemas, cadeados e correntes (frequentemente em tanques cheios de água, dos quais tinha que escapar antes que acabasse seu fôlego).
O intérprete desta versão não possui habilidades escapísticas; com isso, serão evitados materiais metálicos (algemas, cadeados, correntes), em favor de materiais que possam ser alargados, desgastados, puídos (cordas). Optou-se também pela realização da execução em um espaço pequeno e, de certa forma, opressivo (volume alto, luz estroboscópica piscando velozmente) - espécie de analogia aos tanques citados acima.


22h43 a 22h51 - Music for solo performer (1965)

Alvin Lucier, (1931-…)

Interpretes: Denise Aoki (ondas cerebrais), Julián Jaramillo (assistente) e Pedro Paulo Santos: (assistente)

Music for Solo Performer é um ponto de referência na música experimental e um trabalho precoce de Sonificação. A peça introduz métodos de captação das ondas cerebrais alpha por meio de sensores eletrodos EEG (EletroEncefaloGrama), que registram a micro-voltagem da pele. As ondas alpha são amplificadas é transferidas, com meios elétricos, a falantes que excitam, por ressonância, instrumentos de percussão. A peça torna audível a atividade mental do performer, o qual estabelece relações de controle com o som através estados de relaxamento e atenção.
A recriação apresentada no ¿Música? 9 tira proveito de recursos digitais para realizar os processos de captura, amplificação e conversão das ondas cerebrais. Um dispositivo sem fio com sensor EEG acoplado à cabeça da performer envia os dados das ondas alpha ao computador onde é realizado o mapeamento. Os dados são transformados em sinais de áudio e distribuídos em dois pares de caixas acústicas de diferentes tamanhos acopladas a uma caisse claire e a uma placa de aço. Além das ondas alpha, índices de atenção e meditação foram utilizados na montagem. Durante aproximadamente 8 minutos, a performer é exposta a estímulos que buscam provocar estados mentais particulares e evidenciar o processo de Sonificação.


22h56 a 23h06 - A Few Silence (2008)

G. Douglas Barrett (1981 - )

Performance: Orquestra Errante - Alexandre Zamith, Fabio Martinelli, Jonathan Andrade, Manu Falleiros, Mariana Pasquero, Max Schenkman e Miguel Antar

Esta partitura textual, concebida em 2008 pelo artista e escritor G. Douglas Barrett, propõe uma relação muito singular entre partitura e performer, sobretudo por duas características fundamentais: (1) instiga os músicos não apenas a “tocarem algo”, mas também – e antes disso - a “ouvirem”, e (2) se apresenta não como uma partitura finalizada, mas sim como orientações iniciais à geração de partituras as quais, estas sim, direcionarão a performance. Segundo as orientações de performance, cada músico, provido de um cronômetro, deverá, durante os 5 minutos iniciais, escutar o “silêncio” ambiente e, enquanto o ouve, gerar uma “partitura” individual (definições e ordenações de tipos e durações de eventos sonoros), a qual deverá ser executada nos próximos 5 minutos. Assim, segundo o próprio Barrett, a peça instiga um processo de registro de escuta, anotação e reprise, deixando como documentação de sua própria história e da experiência de cada músico com o “silêncio” uma trilha de papéis sujos.

Nesta proposta, a peça será realizada pela Orquestra Errante (grupo instrumental dedicado a práticas improvisatórias contemporâneas). Ainda que as instruções de performance sugiram quaisquer fontes sonoras para sua realização, a opção para esta performance específica foi a de priorizar instrumentos musicais tradicionais, entretanto abordados de maneira pouco ortodoxa. A intenção prioritária que norteou os músicos durante o preparo desta performance foi a de explorar ao máximo as coincidências entre as diversas escutas e registros dos músicos no sentido de proporcionar uma efetiva confluência de performance.


23h01 a 23h22 - The Great Learning, Paragraph 6 (1968-1971)

Cornelius Cardew (1936 - 1981)

Performance: Alexandre Zamith, Antonio Goulart, Carlos Avezum, Denise Aoki, Fabio Leão, Jonathan Andrade, Lílian Campesato, Manu Falleiros, Marcelo Queiroz, Migue Diaz, Missionário José, Pedro Paulo Santos.

Esta peça representa uma parte (especificamente o 6o. parágrafo) do The Great Learning, obra de grandes dimensões constituída por 7 Parágrafos e composta por Cornelius Cardew para a Scratch Orchestra entre 1968 e 1971. O material textual da partitura foi gerado a partir de um provérbio de Confúcio, extraído de seu texto A Grande Doutrina (The Great Learning), escrito em 500 a.C.: "Desde o Imperador, Filho do Céu, até o homem comum, individualmente e coletivamente, esta auto-disciplina é a raiz". Na partitura este provérbio é fragmentado, de maneira que cada palavra ou expressão é disposta em letras maiúsculas e inicia um parágrafo de instruções de performance. As instruções contêm várias ambiguidades que exploram multiplicidades interpretativas e refletem investigações anteriores de Cardew acerca de intencionalidade e não-intencionalidade, sons incidentais, sons ambientais e respectivos impactos nas práticas improvisatórias e performativas. A partitura não determina nem a quantidade de músicos nem materiais ou fontes sonoras. Tampouco impõe aos músicos a obrigatoriedade de progredirem simultaneamente pelo texto ou mesmo de atingirem o final das instruções.

Para este evento, a peça serve como momento de encerramento a contemplar grande parte dos músicos participantes nas peças anteriores. Os ensaios foram direcionados não apenas pela prática da performance em si, mas sobretudo por discussões acerca das diversas interpretações que as instruções deliberadamente ambíguas da partitura proporcionam, com o intuito de conferir uma consistência coletiva diante da multiplicidade que a peça proporciona. Para esta performance, foram selecionadas como fontes sonoras prioritárias objetos cotidianos, e nela busca-se explorar ao máximo os momentos que escapam do comportamento geral da peça: diante da predominância de constelações de sons curtos e de pouca intensidade, os momentos de silêncio e sons longos ou intensos ganham um forte potencial de articulação a ser explorado.





Date: 
sexta-feira, Maio 30, 2014 - 21:00