Uma largada pela cidadania

Por
Junho de 2011
Fillipe Galeti Mauro

O auditório da diretoria da Escola Politécnica da USP era aos poucos tomado por jovens meninos e meninas, que pareciam brotar das várias entradas da sala. Via-se ali, quem sabe, futuros engenheiros, que, sob o pomposo brasão da universidade, não se desfaziam de seus encantos pueris e, nas cadeiras aonde “doutores” defendem suas teses, giravam uma grande, todavia quase profissional, brincadeira.

É a primeira vez que o programa Poli Cidadã abraça a idéia de integrar ao seu tradicional torneio de carrinhos de rolimã os jovens do Jardim São Remo. A divulgação que ocorreria apenas no Circo-Escola acabou se espalhando por toda a comunidade e 46 crianças, de 7 a 12 anos, se inscreveram para o curso.

Foram, ao total, três sábados de muito raciocínio e suor. Além de projetarem seus veículos, os jovens mecânicos e pilotos também interagiram com ferramentas de “gente grande” – cerrotes, martelos e furadeiras – que, se não pesavam mais, pelo menos eram maiores do que muitos deles. “Nós tentamos um paralelo com os projetos de engenharia, mas, é claro, de uma maneira que as crianças possam fazer”, conta Rafael Sanchez Souza, coordenador cultural do CAM – o Centro Acadêmico da Mecânica.

Assim como inicialmente no auditório, também não se percebia silêncio no galpão. Viam-se tintas, parafusos, porcas, rolimãs indo e vindo de todos os lados. Para garantir a segurança dos pequenos grandes, a oficina contou com a parceria da Faculdade de Enfermagem da USP, que disponibilizou alunas para fornecer eventuais primeiros-socorros.

Jacqueline de Sousa Carvalho é aluna da Poli, mas viveu dias de mestra. Por onde andava as crianças chamavam-na de professora, perguntando sobre os estágios de construção do carrinho e, principalmente, se já era hora de pintá-lo. “nós já podemos pegar os jornais?”, gritava o grupo sob sua supervisão.

Antonio Luís de Campos Mariani, coordenador do programa Poli Cidadã, falou de sua expectativa em chamar a atenção de seus alunos para a comunidade. “O objetivo é uma integração entre os alunos da Poli e o morador da São Remo. Aproximá-los de uma comunidade humilde é despertar em nossos alunos uma sensibilidade social”.  O professor também nos falou de sua esperança por “entusiasmar [aqueles] jovens a seguir uma carreira técnica”: “o próprio Dicionário Houaiss já diz que engenheiro é aquele que transforma a natureza para o homem. Portanto, temos que ter uma preocupação humana”.

Alguns daqueles jovens moradores do Jardim São Remo já haviam tido contato com ferramentas, mas relatam ser muito difícil surgir tal oportunidade. Jéssica de Souza Costa, de 12 anos, conta que em suas casas “não deixam mexer com ferramentas porque é perigoso e faz bagunça”. Matheus Tenório de Moura, também de 12 anos, conta que “quando vem aqui, pode dar opinião, [pois] eles te escutam”.

Findos os projetos, restava apenas aguardar mais uma semana para que, daquela linha de produção de sonhos, dominassem a “pista” da Rua do Matão, na Cidade Universitária. E, de fato, dominaram.

Antes mesmo do início do torneio já se debruçavam sobre seus carros de competição, buscando um detalhe ou outro a ser corrigido. Alguns, mais tímidos, olhavam pelo canto dos olhos os carrinhos de outros competidores mais velhos, que disputariam as baterias oficiais. Eram, ao todo, contando os “pilotos” do Jardim São Remo, mais de 100 carrinhos e seus pit-stops dispostos em frente à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

A grande imprensa compareceu em peso, como se lá ocorresse um verdadeiro grand-prix, digno de banho de champanhe na premiação. Os São Reminhos, sob as lentes e bloquinhos da RedeTV, da TV Cultura, dos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, se viam notadamente no comando de suas Ferrari’s e McLaren’s. Até mesmo o carro da TV Globo acabou participando da brincadeira. Com seu pisca-alerta ligado, percorrendo a pista em busca das melhores imagens, o torneio acabou ganhando um safety-car.

Não estavam em Mônaco nem em Interlagos. Aquela era apenas a Rua do Matão. O que não diminuía o valor de suas conquistas. Após três baterias disputadas apenas por crianças como Gustavo Oliveira Félix, vencedor da primeira largada, e Cauê Conceição Moreira, vencedor da segunda, a comunidade é quem realmente viveu naquela fria manhã a alegria de grande vitoriosa. Dentro de um caminhão que os transportava junto de seus carrinhos pela grande ladeira, podíamos ouvir retumbante quase que um hino: “São Remo! São Remo!”.

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