NJSR entrevista Juca Kfouri

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Especial para o NJSR on-line.


A repórter Isabela Bono realizou uma entrevista com o jornalista Juca Kfouri para a terceira edição de 2011 do NJSR. O tema debatido foi a preparação do Brasil para os grandes eventos esportivos que serão realizados aqui nos próximos anos – a Copa do Mundo de Futebol de 2012 e as Olimpíadas em 2016.

Juca Kfouri é colunista de Esportes do Uol (http://blogdojuca.uol.com.br) e do jornal Folha de São Paulo, também funcionário da ESPN-Brasil. É formado em Ciências Sociais pela USP e já trabalhou em importantes veículos de comunicação, como a Revista Placar e a TV Globo.

Notícias do Jardim São Remo: Vale a pena realizar eventos como as Olimpíadas e a Copa do Mundo no Brasil?

JUCA KFOURI: A copa do mundo faz todo sentido no país do futebol, cinco vezes campeão, desde que seja a Copa do Mundo do Brasil, não a Copa do Mundo da Alemanha no Brasil. O que estamos vendo é uma tentativa de fazer aqui a Copa para mostrar um país que não é real. Muito dinheiro está sendo gasto em construção de estádios e outras coisas secundárias, enquanto o essencial que seria pensar no legado que ficaria para as cidades é esquecido. Sou contra uma Copa do Mundo que ergue estádios em estados em que nem sequer há futebol profissional, e que diz que o Morumbi, já há 50 anos no futebol mundial, não pode ser sede de um evento que dura 3 meses. Isso é um escárnio contra a nossa cidadania. A Copa do Mundo que o presidente da CBF prometia ser a Copa do Mundo das entidades privadas é a Copa do Mundo do dinheiro público, enfim, será uma Copa paga pelos nossos impostos.  O caso das Olimpíadas é pior, porque nós não temos estrutura para esporte. Ainda mais no Rio de Janeiro, onde a Olimpíada será organizada pelas mesmas pessoas que fizeram o escândalo do Pan, gastando 4 bilhões de reais quando o orçamento planejado era de 400 milhões. E sem levar os legados prometidos para a cidade do Rio, como a despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas e a construção do metrô de Jaquarépaga até o Galeão. Construíram-se equipamentos com a desculpa de que se o Brasil fosse eleito sede das Olimpíadas eles já estariam prontos e hoje sabemos que nada disso será utilizado. Ou seja, mas uma vez nós vamos ver nosso dinheiro ser empregado em projetos megalomaníacos e sem propósito, que não vão deixar nenhuma herança.

NJSR: Então o senhor acha que esses eventos não deixaram nenhum legado para a população?

JK: Do jeito que as coisas estão andando hoje, não. Já se fala até em jatinhos para os aeroportos em vez de fazer as reformas que eles realmente necessitam. As coisas não estão caminhando de maneira a nos deixar otimistas.

NJSR: Existe algum programa, por parte da CBF, para o público de menor renda ter acesso aos estádios?

JK: A CBF diz que fará, mas até agora nada foi apresentado. Em regra, a Copa do Mundo não é para pobre. Mas na África do Sul onde os ricos não foram, os estádios foram abertos para a população, que foi colocada até de maneira artificial para que o país não passasse vexame. É possível que o mesmo aconteça aqui no Brasil.

NJSR: Existe a possibilidade do número de turistas nesses eventos ser pequeno?

JK: Eu acho que seria natural, estamos acostumadas a Copas na Europa, onde os países são próximos, mas o Brasil é diferente, até porque está do outro lado do oceano. No entanto, o pessoal da América do Sul pode vir.

NJSR: E o senhor acredita que haverá problemas com cambistas na venda de ingressos pra Copa do Mundo?

JK: A própria FIFA e a CBF se encarregam. Não tem lugar pra amador, os profissionais fazem isso.

NJSR: Houve um relatório da ONU que delatou que pessoas estavam sendo desalojadas para ceder espaço para obras da Copa e das Olimpíadas, existe alguma chance que tenhamos aqui algo semelhante ás cidades de lata da África do Sul?

JK: Os desalojamentos estão sendo feitos por meio de ordens judiciais, mas sabemos como as ordens judiciais são conseguidas no Brasil. Acredito que tem todas as chances de termos algo semelhante, porque as pessoas retiradas e empurradas para as periferias têm que sobreviver de alguma maneira, se não numa cidade de lata, em uma nova favela, ou em um cortiço.

NJSR: Muitas pessoas afirmam que a crise da Grécia foi agravada pelas despesas com as Olimpíadas, quando o país contraiu muitas dividas. Existe alguma possibilidade de acontecer algo parecido no Brasil, que vai sediar dois grandes eventos?

JK: Os gastos com as Olimpíadas tiveram fortes responsabilidades na crise grega. Seria perverso que duas grandes vitórias do governo Lula, trazer os dois maiores eventos do mundo para o Brasil, se transformassem em seus dois maiores fracassos. Espero que isso não aconteça, mas nós corremos esse risco.

NJSR: Os atrasos que estão acontecendo com as obras da Copa do Mundo representam um acidente ou um atraso providencial?

JK: É aquele atraso previsto, para que amanhã as obras sejam feitas em regime de emergência. Haverá pressa para terminar as coisas, e a pressa é amiga da corrupção.

NJSR: E existe alguma chance de essa Copa do Mundo no Brasil não sair?

JK: Um país que pleiteia vaga no Conselho de Segurança da ONU não vai se submeter a tal vexame. O Brasil fará o que for necessário, do jeito que for, e provavelmente com obras inconcluidas, mas terá a Copa aqui.

NJSR: A Copa poderia trazer algum benefício especificamente para os habitantes das comunidades? Há alguma forma de inseri-los no processo?

JK: R-Como eu havia dito, a Copa é pra gente rica, a comunidade vai ver da televisão.

NJSR: Na Alemanha, a população participou ativamente da escolha dos estádios que seriam sede de jogos do mundial, por meio de passeatas e mesmo plebiscitos. Por que os brasileiros, em geral, permanecem inertes ao processo?

JK: O grande mal de um país que passa por períodos ditatoriais é a perda da consciência dos seus direitos, que demora gerações para ser readquirida. Os alemães, que tem muito mais condições de fazer estádios do que nós, tiveram esse tipo de embate. Aqui as coisas são feitas, enfiadas goela abaixo, e são poucos os que protestam, e quando protestam são processados.

NJSR: E existe alguma forma de fazer com que essa participação do público aumente?

JK: Eu acho que a única maneira de aumentar a participação cidadã é através da educação.

NJSR: As vitórias da Espanha, principalmente no futebol, levaram muitas pessoas a falar em uma geração das Olimpíadas de 92, existe alguma chance de o Brasil ter uma geração “pós-olimpíadas” de 2016 ou “pós-copa” de 2014?

JK: Se houvesse essa chance, nós já estaríamos observando mudanças, isso não é algo que se faz em 4 anos. O Brasil não tem a menor idéia do que quer ser quando crescer em matéria de esporte, não existe uma política esportiva no país. Não faz o menor sentido pensarmos em uma geração de medalhistas olímpicos se a população brasileira não pratica esportes. O esporte no Brasil devia ser tratado como questão de saúde pública, não apenas como uma forma de ganhar medalhas.

NJSR: Então o Brasil não terá grandes vitórias nas Olimpíadas?

JK: Não há a menor possibilidade. Se ficarmos entre os 10 primeiros, temos que agradecer.

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