O deslizamento das políticas públicas

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Especialista em Geografia Urbana fala da fraqueza dos projetos de habitação em São Paulo

Isabella Bono
João Paulo Freire
Há pelo menos 28 anos a professora Glória da Anunciação Alves se dedica ao estudo dos problemas que afetam todos os dias as grandes cidades.
Infra-estrutura urbana, políticas públicas de habitação e especulação imobiliária: em entrevista para o NJSR, a docente da Universidade de São Paulo relaciona esses elementos e avalia a enchente que atingiu os moradores da área do Riacho Doce em fevereiro.
NJSR – Qual a correlação entre a formação e expansão das periferias e as enchentes que atingem São Paulo?
Glória Alves – A formação das periferias é efeito do processo de especulação imobiliária. Então as pessoas são jogadas cada vez mais longe das áreas que possuem saneamento básico. Por exemplo, no passado, pessoas foram retiradas da área da Berrini para que se modificasse o curso do Rio Pinheiros.
NJSR – Então São Paulo foi construída sem um planejamento para enchentes?
GA – O problema é que em São Paulo não há um programa efetivo do Estado para disponibilizar moradias. Aqui você quer morar aonde você pode morar. Esse “pode morar” tem várias opções: tem as áreas que sofrem enchentes todo ano bem como áreas de escorregamentos de terra.
NJSR – A melhor apropriação do centro é uma solução?
GA – Não só do centro, mas de várias áreas urbanizadas. Mas o Estado parece não ter essa mesma idéia. Por exemplo, o que estão sendo feito com a operação “Nova Luz”? Pessoas estão sendo tiradas de seus cortiços e recebem em troca uma bolsa de R$400,00.
NJSR – A senhora acredita que falta fiscalização do Estado?
GA – O Estado não pode deixar eles construírem moradias em locais inadequados.Então não podemos falar em fiscalização de algo que não pode ocorrer. O Estado faz vista grossa para evitar conflitos com os moradores. A partir do momento em que o lugar se valoriza, aí rapidamente eles retiram as pessoas de lá. A fiscalização vem dizendo “você está em área de risco, área que sofre enchente”.
NJSR – Há falta de recursos?
GA – Quando há vontade política, os recursos são encontrados.
NJSR – A população local tem alguma culpa?
GA – Culpa não é a palavra certa. Não é agora, quando acontece o problema, que eu vou falar “tá vendo, quem mandou morar ali?” A responsabilidade é do Estado. As pessoas podem minimizar o problema? Sim, mas vai depender também de como a educação vai
ser trabalhada pelo estado.
NJSR – Que política poderia atender o Jardim São Remo?
GA – Existem vários projetos de reurbanização de favelas em São Paulo, como é o caso da comunidade do Jaguaré, na zona oeste do município. Mas as reurbanizações têm dois lados: algumas pessoas sempre vão ter que sair, enquanto outras são beneficiadas. Depende muito de como a associação de moradores lida com isso.

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