Um dia na vida de um jogador amador

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Acordar cedo, treinar antes do trabalho, enfrentar lesões: confira a rotina de João Paulo

Na noite antes de entrar em campo, João Paulo não costuma dormir às dez horas em ponto. Embora se considere uma pessoa calma – sua maior qualidade – João fica ansioso e pensativo, com a mente ocupada pela habitual partida de domingo. Ele sabe que, após acordar às sete horas, não poderá demorar muito no banho, para tomar seu café com leite, colocar um pedaço de pão na boca e ir pegar a sua chuteira de cravo.

Ao sair de casa, João caminha em direção ao campo, esperando o time chegar. Lá, será decidido em que lugar irá jogar. Ainda reserva, ele pode ser utilizado tanto no campeonato local quanto em algum amistoso. Enquanto aguarda a definição, os seus fones de ouvido tocam alguma música de reggae.

Atacante “fixo na área”, João Paulo de Paula Ângelo é jogador do Vila Nova e do Paradão, dois times de futebol amador. Há quase quatro anos na São Remo, foi descoberto por outros jogadores enquanto batia bola dentro do campo.

Buscando seu espaço

João vai para o jogo sabendo que passará a maior parte do tempo sentado no banco de reservas. No entanto, a reserva não o incomoda, pois ele sabe que poderá entrar no segundo tempo para definir uma partida. Em busca da titularidade, João não deixa de fazer “cooper” e seus exercícios, sempre em busca de se aprimorar fisicamente.

João não dá como certa a presença de familiares e amigos. Às 9 horas de domingo, eles devem estar dormindo e dificilmente verão o rapaz vestir o uniforme azul, sua cor favorita. O uniforme é distribuído pelo treinador, responsável também por lavar as roupas. Qualquer número agradará João, que não tem um número favorito nem superstição.

Quando entrar, João ficará atento para não ficar muito perto da área e esquecer de voltar para marcar. Caso isso aconteça, ouvirá os repetitivos gritos de seu treinador: “vem mais pra baixo!”.

A sensação de ganhar, para João, é de extrema felicidade. Assim foi quando ele marcou o gol da vitória do Vila Nova depois de entrar no final da partida. Nesse dia, João conta que teve de ser acordado aos berros pelos companheiros de time, para que ele não perdesse a partida.

As derrotas não são muito comentadas pela comunidade, mas sempre que João balança as redes adversárias, ele vira assunto:
– Teve um que disse que meu gol foi “mó cagado”! “Oxe”, mas eu já fiz gol muito melhor!

 João não é adepto à nenhuma religião, ainda que sempre comemore os gols agradecendo a Deus. Ele diz que seu entrosamento nos dois times é muito bom e que nunca brigou dentro de campo. O mesmo não se pode dizer em relação ao seu período na escola: antes de largar os estudos na quarta série, João era o terror das professoras, brigando com colegas e até mesmo xingando quem estava por perto. Seu maior arrependimento é ter largado os estudos.

Na sala de aula, costumava esperar pela hora da chamada, para causar mais uma de suas travessuras. Quando a professora chamava o nome de alguém que havia faltado em determinado dia, ele mudava a voz e berrava: “presente!”

Fora de campo

Prestes a completar 21 anos, João trabalha como segurança noturno. Quando precisa virar a noite de sábado para domingo trabalhando, às vezes prefere não ir jogar.

Na volta para casa, João almoça com a sua avó de consideração e com o seu tio, com quem ele mora na São Remo. Depois, provavelmente ficará em dúvida entre descansar no sofá ou jogar alguma partida no videogame, um jogo de aventura ou de futebol.

Para ele, sua mãe Sandra é a pessoa mais importante. Separada de seu pai, ela o apoia e tem orgulho dele estar tendo essa oportunidade jogando futebol, já que João nunca treinou quando era criança.

Mesmo sem se preparar para ser jogador de futebol desde pequeno, João mantém a esperança de um dia atuar profissionalmente. Seu sonho, além de conhecer o Itaquerão, o estádio do seu Corinthians, é parar de fumar cigarro, hábito que adquiriu com 17 anos, mesma idade em que deixou a Vila Dalva para morar na São Remo.

João, no entanto, é paciente. Considera-se otimista e acredita ter conseguido uma excelente oportunidade. Do banco de reservas, espera pela hora do treinador olhar para trás e chamá-lo pelo nome:
– Aí é quando eu me motivo e busco energia. Quando estou ali, eu vou para cima e desejo demonstrar a todos o meu futebol.

Vinícius Andrade

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