Fácil de sofrer, mas difícil de perceber

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O advogado Rafael Mendes de Lima explica o que é e como se proteger do assédio moral

Rafael Mendes de Lima é advogado militante na Justiça do Trabalho e formado em Direito pela PUC de Campinas. Possuí especialização em Direito do Trabalho pela PUC-SP e atualmente é mestrando em Direito do Trabalho pela USP. Nesta entrevista, dá algumas informações sobre o assédio moral no  trabalho.

NJSR – Muitas empresas, hoje em dia, prezam que seus funcionários “vistam a camisa” e se sintam um pouco responsáveis por ela. Até que ponto o esforço de um trabalhador ultrapassa sua função e torna-se assédio moral?

Rafael – O assédio moral se constitui em uma conduta abusiva, de caráter psicológico, que traz desequilíbrio psíquico ao indivíduo. No mercado de trabalho atual é comum haver uma pressão por resultados e desempenhos dos trabalhadores que, em determinados casos, extrapolam os limites legais e se configuram em assédio. Normalmente, a Justiça do Trabalho tem entendido que essa pressão excede os limites, por exemplo, quando são fixadas metas impossíveis de serem atingidas ou a pressão para seu atingimento seja exacerbada, mediante ameaças constantes de demissão do empregado ou adoção de punições vexatórias àqueles que tenham os piores resultados.

Quando a bronca do chefe torna-se assédio moral? O critério que define isso é a quantidade recebida ou a “qualidade” dela?  

Nesse questionamento é importante fazer a distinção importante entre dois institutos que no dia-a-dia são comumente confundidos.  Para que seja configurado assédio moral, é necessário que exista uma conduta abusiva reiterada ao longo do tempo. Assim, para configurar o assédio, é imprescindível que o trabalhador seja vítima de agressões constantes e repetitivas. Muitas vezes o ‘”grau” dessa agressividade não é alto, mas por se tratar de uma constante, causa graves prejuízos psicológicos.  Por outro lado, é possível que exista uma conduta abusiva isolada. Esta, em que pese não configurar assédio pela ausência de repetição, pode configurar uma afronta aos direitos da personalidade do trabalhador (honra, imagem, por exemplo) e também é repelida pelo ordenamento, sendo punível da mesma forma que nos casos de assédio, através da imposição do dever de indenizar o trabalhador.

O assédio moral é mais propício a acontecer em empresas grandes ou pequenas? O que facilita sua ocorrência?

Não tenho nenhum dado estatístico oficial sobre esse assunto, mas pela experiência prática, tenho a impressão de que ele é mais presente em empresas de maior porte, especialmente pelo fato de existir um número maior de superiores hierárquicos e funcionários, o que aumenta a possibilidade de ocorrência. Segundo uma pesquisa realizada pela médica francesa Marie-France Hirigoyen, que possui diversos estudos sobre o assunto, o maior percentual de ocorrência de assédio é de forma vertical descendente (chefe assedia o subordinado).

Os principais motivos facilitadores da ocorrência do assédio são ligados à personalidade, tanto do agressor como da vítima. O agressor normalmente é uma pessoa de postura arrogante, que se considera mais especial que os demais e tem problemas autoestima, necessitando sempre demonstrar que tem poder. Já o assediado, em regra, são pessoas de personalidade pouco combativa, que tenham alguma característica singular que o “diferencia” do grupo (como sexo e cor de pele, por exemplo).

Sob seu ponto de vista, a questão do assédio moral no trabalho é um problema histórico? Você o enxerga como algo crescente na sociedade contemporânea?

Sem dúvida, assim, como o bullying fora das relações de trabalho, é algo que sempre existiu na sociedade. Na verdade, acredito que não existe uma crescente na sociedade, mas sim uma maior conscientização social que facilita sua identificação que acaba por causar a impressão de uma maior incidência atual.

De que forma a Consolidação das Leis do Trabalho protege o trabalhador do assédio moral?

A CLT em si não traz disposição expressas sobre a proteção do trabalhador ao assédio moral. Os fundamentos jurídicos de proteção ao assédio moral estão espalhados em todo o ordenamento jurídico, inclusive na constituição:

Caso um trabalhador vivencie uma situação constrangedora e abusiva, como ele pode recorrer ao seu direito?

Caso seja vítima de assédio moral, o trabalhador tem o direito de rescindir o contrato por justo motivo como explicitado acima. Nesse casos, ele tem a permissão de parar de trabalhar sem que tal conduta configure abandono de emprego desde que ajuíze reclamação trabalhista requerendo a rescisão indireta do contrato de trabalho. Na mesma ação, ele poderá pleitear indenização por danos morais, sendo essa a principal “punição” imposta ao empregador.

Qual a maneira de evitar que casos de assédio continuem acontecendo nas empresas?

A primeira e mais importante medida é a educação e conscientização das pessoas acerca  do assédio moral e todos os prejuízos que são causados por ele, como forma de evitar ao máximo sua ocorrência. Somado a isso, de forma paliativa e posterior à ocorrência, é necessário que exista uma conduta severa tanto dos órgãos de fiscalização do trabalho, como da própria Justiça do Trabalho em si, que devem aplicar sanções exemplares. São inúmeros os exemplos práticos de empresa que após sofrerem condenações pesadas da Justiça do Trabalho passaram a se preocupar com o problema e adotar medidas de prevenção.

Debate_Entrevista

Rafael Mendes de Lima, advogado trabalhista, explica o assédio

 

Vitória Batistoti

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