As pisadas na bola do país do futebol

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Para comentarista, exageros, má administração e ufanismo dão o tom da Copa do Mundo

José Trajano, jornalista da ESPN BR, é conhecido por suas opiniões contundentes, principalmente no que diz respeito ao mundo esportivo. Ele recebeu a equipe do NJSR em sua casa e comentou sobre a polêmica da Copa do Mundo e os protestos contra o evento.

   NJSR — Você é a favor ou contra a Copa no Brasil?

José Trajano — O problema de ser contra ou a favor da Copa é mais complexo do que pode parecer porque, como estamos à beira de uma eleição, se você é contra ou a favor da Copa você pode ser confundido com um sujeito que é contra ou a favor de alguma linha política, contra ou a favor da Dilma ou alguma coisa assim. Eu prefiro concordar com a seguinte afirmação: a Copa fora de campo nós já perdemos, infelizmente. Porque houve um exagero no número de sedes – doze sedes é um absurdo, a maior parte desses estádios vão virar elefantes brancos, todo mundo sabe disso; o dinheiro público, que não ia ser usado, foi usado; os chamados “entornos” não foram atendidos como deveriam e a mobilidade urbana deixa a desejar.

   No dia 22 de fevereiro deste ano, a polícia de São Paulo usou a chamada “tropa ninja” para reprimir um protesto contra a Copa, e a presidenta Dilma Rousseff já declarou que poderá usar o Exército no Mundial para conter as manifestações. Você é a favor dessas medidas?

Eu acho que as pessoas têm todo direito de se manifestar. Eu acho que o Exército, se for pra rua, é mais para intimidar, porque o Exército não tem força de polícia.

   Em seis anos, os gastos com os estádios da Copa aumentaram 263% e, ainda assim, várias obras estruturais estão atrasadas. Você considera que tais fatos comprovam um possível fracasso da administração brasileira?

É um fracasso. Claro que toda competição, pode ser no Brasil, na África do Sul, na Rússia, tem um orçamento oficial e a obra acaba custando mais (na Inglaterra também foi assim), mas não como nesse exagero do caso brasileiro e não para obras desnecessárias.

   Apesar de tudo isso, a Copa é um grande acontecimento, que atrai turistas, movimenta a economia e promove o esporte e a integração. De que maneiras o Brasil – e a população brasileira – pode se beneficiar com o evento?

Eu gostaria que o benefício maior fosse o legado esportivo, que eu acho que não vai ser nenhum. Você acha que vai melhorar o futebol brasileiro, a CBF, as federações, a prática de outros esportes, democratizar mais o esporte no Brasil? Não, acho que não vai acontecer nada nesse aspecto esportivo… Legado de alegria, tem que ver se o Brasil ganha. Sobre o Legado econômico, algumas empresas vão faturar. Os estados ganharão com os impostos, vão receber turistas. Algumas categorias de hotelaria e restaurantes vão se beneficiar. Vai entrar dinheiro no Brasil. Mas a que preço, se considerar o que foi gasto? Tem que fazer essas contas, pra ver se empata, se valeu a pena.

   As “fan fests” – eventos que disponibilizam telões para as pessoas que não possam assistir aos jogos nos estádios – são divulgadas como uma forma de aproximar o torcedor da Copa. Como você avalia isso?

Eu acho que isso é uma cascata inacreditável. Você pode se reunir na casa de alguém, no clube, na praça, na praia, juntar uma turma pra assistir junto. E poderia até ter coisas menores como alguns blocos. Agora fazer uma coisa grandiosa, sempre os mesmos cantores, Ivete Sangalo, Cláudia Leitte, dez conjuntos de pagode que são sempre os mesmos… Para eles é muito bom, os empresários vão ganhar muito dinheiro, mas não sei se é necessário.

   Como alguém que cobriu tantos Mundiais, o que você acha que o Brasil tem a aprender com experiências de outras Copas?

A Alemanha fez uma Copa super organizada, mas comparar Brasil com Alemanha é complicado, porque é um país menor, com um povo mais organizado e mais dinheiro. E eles não cederam tanto à FIFA, enfrentaram mais. A Alemanha praticamente não construiu nada, era um país pronto, um país que, mesmo destruído pela guerra, se reconstruiu. A gente teve que construir coisas, e coisas necessárias, e prometemos construção de coisas que não vão ser cumpridas. Deve-se fazer uma Copa viável, adaptada ao país que somos, não com mania de maluco.

trajano

José Trajano. Foto: Matheus Pimentel

 

Isabela Augusto, Matheus Pimentel e Thiago Castro

 

 

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