Direito das minorias é difícil no Brasil

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Alessandro Soares discute sobre o caso de Marco Feliciano e a luta contra o preconceito

A eleição do deputado Marcos Feliciano como presidente da comissão de direitos humanos e minorias no congresso nacional, fez com que o debate sobre a intolerância e o preconceito contra as minorias voltasse ao dia a dia da população. O professor Alessandro Soares da Silva (USP), estudioso de manifestações populares, como a parada gay, aceitou o convite do NJSR e concedeu uma entrevista abordando essa polêmica e todas as suas consequências socias e políticas.

Professor Alessandro, toda a polêmica envolvendo o deputado Marcos Feliciano, fez renascer um debate socialmente muito importante que é a conquista dos direitos por parte de algumas minorias, como o grupo lgbt. Como você enxerga a situação atual desse debate e o que essa questão envolvendo o deputado Marcos Feliciano contribui para a discussão?

pagina 3 - entrevista

Avanços apesar do sistema político

No Brasil essa questão da concessão de direitos as minorias é muito complicada. Tomando como exemplo a luta lgbt, vemos nas américas: Canadá, Uruguai, Argentina e alguns estados Norte Americanos que já tem leis aprovando o casamento homossexual. Aqui o que acontece é uma maior visibilidade que o caso ganha com toda essa polêmica, mas que não se constata uma mudança de fato no cenário. Temos por um lado o Feliciano se fortalecendo e de outro a população de uma maneira geral, dando voz ao movimento lgbt, mas não necessariamente isso resultará em voto numa próxima eleição ,o que acontece seguidamente no nosso país. Aqui a política ainda se concentra muito no candidato e não no partido, fazendo com que não haja uma definição da posição a respeito de assuntos polêmicos,dos candidatos antes de eleitos. Ninguém quer tomar uma posição que ameaçe sua candidatura. Além disso o que vemos também é que a população não se une em torno de determinadas causas. No Brasil mulher não vota em mulher, negro não vota em negro e gay não vota em gay necessariamente, o que, para assuntos polêmicos como esse, só dificulta.

O senhor então considera que a atitude dos políticos e dos eleitores compromete a luta dessas populações minoritárias por seus direitos?

Olha, não diria que a culpa é inteiramente dos políticos ou dos eleitores até porque a política no Brasil só é feita desse jeito porque o sistema político adotado aqui nos leva a isso. No Brasil a uma mistura. O voto é tanto para o candidato, como para o partido, como para a coligação o que cria uma câmara dos deputados que não necessariamente representa a real intenção dos eleitores.

A isso você soma a distorção que existe na representação da população de cada estado. São Paulo tem 70 deputados, o Acre 8. A diferença é grande, mas deveria ser maior, afinal São Paulo tem 48 milhões de habitantes e o Acre 700 mil, ou seja acontece que no sul e sudeste se concentra a população, mas é o norte, nordeste e centro-oeste que levam a maioria na câmara. Não que os estados do sudeste sejam mais progressistas, mas nós vemos estados como Alagoas e Maranhão dominados há anos por algumas famílias, onde agendas extremamente conservadoras como a preservação da família, a defesa da ordem e da propriedade ainda são assuntos que garantem a eleição de alguns deputados.

Como um terceiro fator, temos a necessidade do governo ter de fazer inúmeras alianças com partidos menores para conseguir governar. Nessa situação do Marcos Feliciano, devemos lembrar que ele é do governo Dilma. O PSC é situação e foi só por isso que chegou a presidência da comissão dos direitos humanos, porque para manter a aliança com o PSC, PT e PCdoB abriram mão da presidência da comissão dos direitos humanos. E isso acontece repetidas vezes, como por exemplo a indicação dos ministros, que deveria ser por competência, mas não é pela necessidade do presidente em ter maioria no congresso, sem a qual não consegue governar.

Aí vemos que essa somatória de absurdos levam a população a se afastar da política e os políticos a se afastarem de uma unidade ideológica num partido. Temos ou partidos grandes com candidatos muito diferentes, ou partidos pequenos reféns de seus doadores, como é o caso do PSC, que hoje foi capturado por algumas igrejas e é usado por elas como ferramenta de influência política.

Apesar da falta de iniciativa de alguns deputados a gente vê em casos como de Jean Wyllys e também o exemplo dado pelo STF que conferiu aos homossexuais o direito do casamento que há uma evolução na luta por esses direitos. Na sua opinião qual é a causa dessa evolução?

A gente vê em São Paulo algo em torno de 3 milhões de pessoas na parada gay. Isso é uma Belo Horizonte de gente, sendo que 30% das pessoas que estão lá são heterossexuais. Isso só demonstra que houve um crescimento do interesse da população nesse caso e por mais que o voto não se decida por isso, eventos como esse desenvolvem uma consciência política e geram uma maior compreensão por parte das outras pessoas. Eventos grandes assim, fazem quem não está lá, mas fica sabendo, pensar no caso e ultimamente o que se vê é cada vez mais pessoas a favor das liberdades individuais. Afinal de contas, a sexualidade nada mais é do que uma escolha, algo que em teoria deveríamos estar livres para escolher. E esse diálogo com a liberdade faz pensar e por isso que há uma certa evolução. Entretanto, não se pode falar só em avanços quando temos absurdos inovadores acontecendo. Na PEC das domésticas, as mulheres do congresso foram poquíssimo feministas, no estatuto da igualdade racial a palavra “raça” foi eliminada do texto e agora temos Marcos Feliciano na presidência de uma comissão montada para defender os direitos humanos e as minorias, garantir que todos tenham acesso aos seus direitos. Porque a gente tem que lembrar: Marcos Feliciano não é só homófobo, como racista e machista. Ou seja, a ferramenta política que essas pessoas que vivem um cotidiano de invisibilidade, de esquecimento e subordinação tinham, está tomada por alguém que luta contra tudo o que já foi conquistado. Se ser gay já é algo difícil, imagina hoje você ser negro e gay, negra e lésbica…

E o que esses retrocessos representam na luta, além de deixar ainda mais lenta a conquista desses direitos?

Infelizmente todos esses retrocessos acabam afirmando alguns valores mais conservadores e podem acabar banalizando discussões importantes. Por exemplo hoje se generaliza os evangélicos pela imagem passada pelo Feliciano, quando na verdade muitas igrejas escrevem cartas e dão discurssos em tom oficial desaprovando as atitudes e falas do deputado. Mas no meio de todas as polêmicas isso se perde de vista. O feliciano agora foi acusado de nepotismo, ou seja, não é a religião que faz dele um deputado ruim, apesar de que é sempre bom separar seus dogmas religiosos da sua vida enquanto pessoa pública.

Essa separação de religão e política seria necessária para que nossa situação política se aproximasse de um ideal?

No caso da luta pelos direitos humanos com certeza. Além de uma reforma no sistema político, são necessárias duas coisas: a separação do público e do privado e a aglutinação das pessoas em torno de uma causa, de uma pauta política comum.

Quero dizer que, enquanto deputado, senador, prefeito a pessoa que ocupa um cargo público não pode impor goela abaixo da população ideias da sua religião. Ele não pode impor um Deus cristão a um Judeu, ou a um budista ou a um ateu. A constituição propõe uma separação clara, o que não ocorre hoje em dia quando se fala de “Bancada Evangélica” no congresso.

Na sua última resposta, você falou das pessoas se unirem por uma causa, uma pauta na agenda política. O que falta para aquelas 3 milhões de pessoas das paradas gays chegarem a um consenso e começarem a ter representatividade de fato?

Acho que mais uma vez a gente cai na questão de que a culpa é tanto das pessoas, que muitas vezes parecem capazes de se fechar em torno de uma causa única, quanto do sistema político que força os candidatos a lançarem campanhas individualizadas sem necessariamente se fidelizarem aos ideias do partido ao qual pertencem.

Uma coisa leva a outra, o sistema deixa o eleitor confuso, o eleitor perde o interesse e assim se perde uma unidade e sem essa unidade o governo tem de ficar fazendo inúmeros acordos para conseguir governar, e é por isso que eu reitero: Marcos Feliciano é situação, ele pode pertencer a um partido conservador de direita, mas ele é aliado do governo Dilma e isso só ocorre devido ao formato que existe, um formato que exige que o partido da situação abra mão de muita coisa para conseguir passar uma lei, um orçamento.

Por Arthur Pinto da Silva

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