Ocupação urbana prejudica a mobilidade

Problemas de gestão e a falta de voz popular acarretam desorganização no transporte coletivo

O NJSR entrevistou Natasha Mincoff Menegon, arquiteta e urbanista. Ela é técnica do Pólis (Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais) e desenvolve pesquisas em planejamento urbano.

O processo de crescimento e ocupação[da cidade de São Paulo] foi desordenado, mal planejado e contou com pouco investimento. Principalmente a partir da década de 60/70, quando começa a haver um maior fluxo de migração à cidade de São Paulo, as pessoas chegam e não têm lugar adequado [parar morar]. Com isso você tem esse processo em que o planejamento viário é inexistente. A quantidade de pessoas não foi planejada daquela forma naquele lugar e o transporte chega depois, as linhas de ônibus e as linhas de trens, isso tudo colabora para a conformação urbana que temos hoje.

Outra coisa é a falta de investimentos públicos. Você tem historicamente um padrão de investimento governamental direcionado para o transporte particular e para as áreas mais ricas da cidade. Quando você vê o descolamento da renda, você percebe que onde há maior renda, há maiores investimento viários. Então você tem essas duas coisas: investimento em transporte individual e concentrado para áreas específicas. Claro, há investimento em outras áreas, Radial Leste, Cupecê, mas, grosso modo, o investimento é feito em áreas mais ricas.

Você, então, concorda que grande parte do problema é planejamento?

Na verdade não. Creio que a maior parte do problema não é a falta de planejamento, pois, houve vários planos, plano-diretores até, feitos nos últimos tempos. Os planos foram feitos, mas não foram aplicados. Um exemplo é o plano feito na gestão de Marta Suplicy, onde seriam integradas as linhas e corredores de ônibus, que depois resultou na implementação do Bilhete Único, mas isso não foi implementado. Sem gestão, os corredores não duraram. Você precisa ter investimento e precisa ter gestão, como qualquer plano público.

Para integrar essas áreas você acha que a construção de corredores é a melhor solução?

No plano-diretor tem uma estimativa. Ela leva em consideração a expansão do metrô, da CPTM e tem o corredor de ônibus somente como uma complementação. O transporte de alta capacidade, metrô e trem, em uma cidade como São Paulo, é necessário, não há como ficar somente com ônibus.. Portanto, você não pode descartar nenhuma modalidade de transporte público.

Em sua opinião, por que a passagem é mais cara? Afinal, comparado a outros países, a passagem no Brasil é bastante cara.

A passagem aqui é subsidiada. Um grande problema é essa discussão das concessões das empresas de transporte. A negociação é sempre difícil. Você nunca sabe o que acontece, agora, aliás, há maior controle, graças ao Bilhete Único. A fim de mapear a razão do custo elevado é necessário maior transparência nos dados: quantas pessoas pagam a passagem, médias diárias etc.

Esses dados não são públicos?

Até onde eu sei, são. Mas falta transparência. Aliás, seria até interessantes vocês investigarem. Como é feita essa publicação, como são feitas as concessões atualmente, quanto é o repasse às empresas e quanto é o subsídio, principalmente. O subsídio é importante, a questão é que geralmente ele vai pro bolso do concessionário, isso é uma hipótese.

O que é planejamento urbano?

Planejamento de uma forma geral é uma avaliação da situação atual, uma taxa de pesquisa, de levante e de compreensão da realidade para fazer um projeto a fim de melhorar essa realidade. É necessário que haja estratégias de planejamento com participação popular. É importante que se desmembre um pouco a situação entre as áreas para que as pessoas possam ser ouvidas. Finalmente, o planejamento inclui a alocação de recursos e de uma gestão, esse conjunto de coisas: você entender a realidade, montar um plano com transparência e participação popular e alocar os recursos de forma transparente de forma que a população possa entender.

As estratégias de planejamento viário participativas são mais adequadas a atual situação paulista?

Acho que as estratégias participativas tendem a produzir um resultado melhor, pois as pessoas se apropriam do problema e depois podem cobrar resultados. Muitas vezes você mal consegue entender os orçamentos que são divulgados pelas prefeituras, pois eles são colocados de forma tão complexa que parece que são feitos para não serem entendidos. Por isso acho que a transparência é algo importante no planejamento urbano, pois, só tendo mecanismos onde as pessoas possam acompanhar de forma clara e sistemática aquilo que elas ajudaram a planejar teremos um resultado eficaz.

O quão participativa é a elaboração de projetos hoje em dia? Existe participação popular?

Olha, para planejamento existe. Inclusive avançamos muito em termos de regulamentação da participação. Às vezes, você vê o Ministério Público questionando um projeto do governo é porque ele desrespeitou as diretrizes participativas. Um exemplo disso é o do prefeito Kassab, que há alguns anos tentou emplacar um plano-diretor sem a consulta popular. O plano foi suspendido após algumas entidades civis terem recorrido. Há, portanto, mecanismos legais para garantir a participação.
As prefeituras sempre fazem a consulta, muitas vezes não da melhor forma possível, mas sempre há. O brasileiro não tem uma cultura de planejamento, é um processo recente, algumas prefeituras são mais populares, outras menos. Enfim, é um processo, cada vez há mais mecanismos, estamos avançando.

Quem participa dessas consultas?

Geralmente conselhos, que têm representes eleitos, civil e também representantes da prefeitura. A divulgação é feita na rua, escolas…

Qualquer pessoa pode participar?

Sim. A audiência é pública e portanto deve ser noticiada em jornais, por exemplo. Há regras. Se você não as cumprir pode “melar” o processo inteiro…

Eu nunca vi uma audiência…

É que São Paulo é uma cidade muito grande. O que acontece é que devido ao tamanho somente as pessoas mais engajadas acabam sabendo e participando: movimento de moradia, por exemplo.

Onde um cidadão comum poderia acessar?

Faixas em escolas, sites, depende. Cada prefeitura tem sua estratégia.

É a própria prefeitura que faz a divulgação?

Sim.

Então, essa coisa de participação popular pode ser considerada parte da acessibilidade?

É uma possibilidade de participação efetiva.

Por Mariana Fonseca e Vitor Hugo Moreira

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