O cenário educacional atual é mais complexo do que parecia há pouco tempo. Imaginei que hoje, depois da pandemia, estaríamos mais felizes e preparados, ao voltar para as salas de aula, por termos superado um período tão longo e difícil no online compulsório. Tenho percebido que há muitas tensões, ansiedades e cobranças, principalmente sobre os docentes, vindas de dentro e fora todos os lados (dirigentes, estudantes, pais…). Não é fácil manter os estudantes atentos e interessados neste novo cenário fi-digital (físico-digital) . Muitos professores estão estressados, tentando atender às demandas de “recuperar perdas” no currículo, gerenciar grupos de alunos com níveis diferentes de conhecimento, enquanto veem uma parte dos colegas desatualizados  e desmotivados.

As tensões na educação são um reflexo das que vivemos como cidadãos. Os níveis de ansiedade e angústia são elevados, na maior parte das pessoas, pelo impacto da pandemia nas nossas vidas, agravado pela deterioração da economia, as incertezas no cenário político e o aumento da desigualdade social.

Vivemos eu m um país com baixíssimo índice de confiança social. Menos de 5% das pessoas confiam nas outras. Ambientes de confiança são importantes para aprender, para o equilíbrio pessoal e social e para realizar avanços na equidade e bem-estar comum.

Um dos desafios de cada um, neste momento, é aprender a manter o equilíbrio emocional possível na vida pessoal, familiar, profissional e social. Um caminho é procurar encontrar e oferecer apoio às pessoas com as quais convivemos mais proximamente, nos diversos espaços pessoais e profissionais e agir da forma mais coerente, fazendo o melhor, dentro das circunstâncias em que nos encontramos.

Na educação Básica e Superior gestores e docentes estão mais atentos a acolher a cada um nas suas dificuldades, a oferecer apoio aos que apresentam dificuldades tanto na aprendizagem como no comportamento. É um período em que aumenta a rede de cuidado de todos para com todos.

Ao mesmo tempo, estamos há uma nova percepção de que se aceleram as mudanças em todos os campos da vida e, especificamente na educação, há uma pressão para que as escolas sejam mais interessantes, que a aprendizagem seja mais ativa, flexível e diversificada.

Alguns avanços atuais

As crises trazem consequências muito diferentes em todos os campos, porque as pessoas reagem a elas de formas bastante diferentes. Alguns aprendem rapidamente, experimentam, enxergam novas oportunidades (modificam sua mentalidade mais profundamente); outros fazem só alguns ajustes, se adaptam para sobreviver, (realizam mudanças parciais). Um terceiro grupo de pessoas permanece na defensiva, só enxergando perdas e problemas (e só muda tardiamente e a contragosto). 

Estamos aprendendo a ser um pouco mais humanos, a ter empatia conosco e com os demais, a sermos mais acolhedores, a lidar melhor com a ansiedade e dificuldades. Aprendemos o valor do encontro, do estarmos juntos de várias formas, de ser mais flexíveis na vida profissional, familiar e pessoal. Aprendemos que a vida é curta e cheia de surpresas e que não vale a pena perdê-la em discussões inúteis, em brigas desgastantes, em relacionamentos controladores e abusivos.

Percebemos que podemos aprender de múltiplas formas, em diferentes espaços físicos e digitais, síncronos e assíncronos; sozinhos, em grupo e com mentoria. Podemos aprender em espaços formais (como nas escolas) e informais, em redes e comunidades ao longo da vida.

Estamos evoluindo  (embora de forma desigual) no desenvolvimento das competências digitais, na  calibragem e diversificação das estratégias didáticas (metodologias ativas também no online -aprendizagem por projetos, problemas, jogos, times).  Confirmamos que as aulas têm que ser experiências desafiadoras, surpreendentes, ricas de questões vinculadas com a vida e de aplicações seja no presencial ou no online, com professores inspiradores e com intenso envolvimento dos estudantes. O contato com cada professor tem que trazer a riqueza da vida, o encontro de personalidades que se completam. O docente precisa ser um grande provocador, interlocutor, orientador de pesquisa e caminhos, de abertura de novas trilhas e desafios.

Estamos mais convencidos que que os currículos uniformes, de sequência linear igual para todos  começam a tornar-se mais flexíveis, com mais autonomia nos itinerários e ênfase na resolução de problemas.

Algumas mudanças mais imediatas

Estamos em um período de fortes ajustes em todos os campos pelo empobrecimento de boa parte da população, pelas graves tensões políticas, pela necessidade de baixar custos, de buscar novas receitas, de oferecer um serviço educacional que faça sentido para os diversos tipos de estudantes ao longo da vida.

Hoje começamos a ter um olhar um pouco mais atento aos estudantes, uma escuta mais ativa, dialogando mais, não só pressupondo; descobrindo o que já conhecem e o que almejam. O planejamento também tende a ser mais aberto, compartilhado e modificado durante todo o percurso.

A aprendizagem acontece de forma mais profunda quando conseguimos interagir e experimentar em ambientes de confiança, de acolhimento e de compartilhamento amplos, “fidigitais”.  Estamos começando a redesenhar currículos mais flexíveis, híbridos, humanizadores, com trilhas mais personalizadas, aprendizagem por pares, com apoio de plataformas digitais avançadas; com docentes como designers e mediadores confiáveis e competentes e também com alguns mentores mais experientes. Também vemos avanços na inclusão das famílias e na abertura das escolas para o entorno próximo, para a cidade e para o mundo (embora ainda temos um longo caminho a percorrer).  

Os modelos de gestão e acadêmicos começam a ser mais enxutos, personalizados, com economia de escala e incorporação ampla do digital. Levam vantagem as Instituições que avançam na gestão, com currículos mais integrados, personalizados e flexíveis e fortemente digitais, focados em competências, certificações em módulos menores. Aumentam as parcerias estratégicas para diluição de custos e integração de serviços. Infelizmente também estamos vendo a aplicação de modelos “híbridos” de baixo custo de forma preocupante, muito mais focados em conteúdo pronto do que em desafios, com aumento desproporcional do número de alunos para cada professor e salários mais baixos (trocando docentes mais experientes por professores/tutores de custo menor).

A partir de agora, nossas escolas – em todos os níveis educacionais – serão cada vez mais interessantes, criativas, empreendedoras, humanas. Abre-se um mundo de possibilidades. Há limites que são do nosso precário desenvolvimento humano, nossa dificuldade de entender-nos, de trabalhar juntos, de evoluir em todas as dimensões. Há, entretanto, condições estruturais que dificultam a mudança e que são essenciais para uma transformação mais consistente, sistemática na educação do país: políticas públicas coerentes, integradas, inclusivas e com visão de longo prazo; docentes e gestores mais valorizados e  capacitados; investimentos contínuos em infraestrutura física e digital.

São muitos os desafios, assim como as oportunidades. Como a educação é o setor mais estratégico para a transformação de qualquer país e ela se estende ao longo da vida de todas as pessoas, haverá cada vez mais oportunidades para que profissionais e organizações contribuam para a reengenharia profunda que implica a transformação de todo o sistema educacional (formal e não formal), o atendimento a novas demandas, a descoberta de nichos específicos, as ações para educar a cada pessoa desde que nasce e ao longo das diferentes etapas da vida sua vida. Apesar dos avanços apontados, os desafios  a nossa frente são imensos, complexos e fascinantes.

PS. Estes temas serão aprofundados no Seminário que realizarei em julho. Veja no meu blog:  https://moran10.blogspot.com/2022/05/grandes-temas-da-educacao-atual.html