Vivo em uma sociedade multicultural, com pessoas que têm visões de mundo, valores e comportamentos muito diferentes. Não me foi fácil decidir as melhores alternativas em cada etapa da vida – entre tantas opções promissoras possíveis – por múltiplos fatores: personalidade, formação, cultura, circunstâncias. Cada escolha tem consequências, ganhos e perdas, que vão se desvendando através do tempo. A trajetória não foi linear nem uniforme: mais previsível em alguns períodos e mais dramática em outros; cheia de zigue-zagues e bifurcações, tentando avançar no ritmo possível, no meio de muitas contradições.

Gostaria muito de ter tido uma escola mais criativa e empreendedora. Minha formação em cidades pequenas e médias da Espanha foi boa intelectualmente, mas muito orientada para uma visão de mundo muito fechada, pronta, moralista, com ênfase na obediência e no bom comportamento. Muitas das “decisões” que tomei na infância e adolescência pareciam minhas, mas foram fortemente induzidas por valores e orientações de pessoas próximas na família, na escola, na religião e na cultura fechada que me rodeava. Naquele período as escolhas faziam todo o sentido, me faziam sentir bem e eram justificadas pela crença de ter sido “escolhido” para seguir uma “vocação” em uma organização religiosa.

Meu entorno familiar e escolar valorizava mais a segurança do que o risco; a obediência mais que o empreendedorismo e isso causou impactos profundos na minha visão, práticas e escolhas ao longo da vida. Demorei muitos anos para conseguir desconstruir o modelo mental/emocional/ético que sustentava um projeto de vida que me parecia definitivo: seguir o chamado, a “vocação”, em uma organização que me dava apoio e segurança. Foi um processo de decisão longo, doloroso e progressivamente libertador. Comecei uma nova fase de aprendizagem para reorientar o projeto profissional e de vida através da docência, enquanto fazia pós-graduação na USP e iniciava a formação de uma família.

Como docente tive duas fases: uma primeira mais convencional, em que centralizava as decisões pedagógicas e uma segunda mais experimental, com mais interação com os estudantes, escuta ativa, flexibilidade (presencial-online), metodologias ativas e tecnologias digitais. A formação mais conteudista me levou na primeira parte do exercício profissional a ser bastante previsível e centralizador. A experimentação de alguns fracassos e a pressão de alunos jovens questionadores me ajudaram a evoluir e buscar alternativas pedagógicas mais inovadoras.  

Fui tentando, na fase adulta, buscar o equilíbrio entre a abertura para novos valores, visões de mundo e encontrar meu caminho, identidade e estilo de agir. Não foi fácil. A interação com outras pessoas, com visões diferentes de mundo, dentro e fora da Universidade, trouxe frequentes dilemas e tensões: adaptar-me e, ao mesmo tempo, encontrar um caminho próprio; ser um bom profissional e descobrir o que tinha mais aderência comigo. A pesquisa clássica não me empolgava, mas sim os programas de extensão, palestras, cursos, grupos de estudo que aproximavam a Comunicação, as Mídias e a Educação. Foi difícil, muitas vezes, conciliar as expectativas institucionais com as pessoais; também, compreender que cada um tem seu jeito, suas escolhas, seu ritmo, seus valores. Foi um longo aprendizado procurar conviver com pessoas e grupos com valores e jeitos diferentes.

Viver com equilíbrio e coerência é uma arte. Percebo, entretanto, que a ênfase no equilíbrio se confundia com a segurança do conforto do conhecido, dos caminhos previsíveis, das rotinas e ritos tranquilizadores. Com a maturidade consegui romper parcialmente esse ciclo de segurança, buscando empreender mais, arriscar um pouco mais, viver um maior grau de abertura para o novo.  Continua sendo desafiador equilibrar a visão empreendedora com as rotinas, mais previsíveis e automatizadas.

Com frequência ficava dividido (e ainda continuo) entre escolhas com alternativas e pesos, vantagens e desvantagens semelhantes: o que gera muita ansiedade e incerteza. Qualquer escolha implica em ganhos, mas também em renúncias.  Sempre tive dificuldade em tomar decisões rápidas em questões mais complexas; demoro, protelo, penso demais. E isso com frequência me prejudica; perco o “timing”. A formação para a segurança interfere nessas horas. Também me é difícil manter a visão de futuro, finalizar projetos de longo prazo, ocupado que estou  em resolver as questões mais imediatas.  Gostaria de ter tido, quando jovem, muito mais aulas e experiências de criatividade, gestão de projetos, de carreira e de vida.

Vivo a vida que me parece mais adequada, fazendo o possível para manter a paz, o equilíbrio e, ao mesmo tempo, aceitar desafios, estar atualizado, ser útil e produtivo. Celebro as pequenas conquistas e alguns retrocessos; as realizações e alguns fracassos e perdas. Colho os frutos de inúmeras influências, pessoas, situações e decisões que consegui fazer em cada etapa da vida. Aceito o meu percurso com carinho e gratidão, mesmo com tantas contradições, porque evoluí até onde pude, dentro das minhas circunstâncias e personalidade. Com certeza, em um impossível flashback, gostaria de ter percorrido algumas trilhas muito diferentes.   

Há muitas formas de viver: Cada uma tem suas vantagens e desvantagens. Muitos procuram todo tipo de atalhos e saídas fáceis. Me preocupa a pressão social por modelos de sucesso atraentes e disfuncionais, que podem influenciar principalmente crianças e jovens, como, por exemplo, a pressão por triunfar a qualquer custo, de ganhar dinheiro a qualquer preço, da busca pelo poder para o próprio benefício.  Muitos crescem obtendo vantagens sem escrúpulos, exploram e mentem e são valorizados socialmente. Me preocupa a desigualdade brutal, a corrupção que se alastra e o descaso com os mais necessitados.

Diante de cenários tão complexos, desiguais e desafiadores, defendo, com todas as forças e meios, a educação que  encanta, inspira e inclui a todos – crianças, jovens e adultos – formal e informal, humanista, presencial, híbrida e online. Uma educação que ofereça uma visão ampla de mundo e alternativas criativas e empreendedoras para todos, principalmente para as crianças e os jovens. Nosso grande desafio é organizar melhor e avançar mais na oferta de projetos de aprendizagem inovadores, atraentes, engajadores, muito centrados nas necessidades de cada um para que todos possam realizar experiências relevantes e participar de escolas e comunidades de aprendizagem significativas na fase de vida em que se encontram.

Minha grande motivação hoje, já mais avançado em idade,  é apoiar,  com todas as minhas forças, a todas as  organizações educativas, gestores, docentes e a todos os participantes deste grande movimento de transformação da educação criativa, inclusiva e empreendedora. Ao mesmo tempo, sigo avançando, no meu ritmo, na jornada de aprender a evoluir sempre mais, como pessoa, como profissional e cidadão em todas as dimensões da minha vida.

Publicado em https://moran10.blogspot.com/2021/11/aprendendo-empreender-na-vida.html