José Moran[1]

 Cada vez é mais complexo viver. Este longo período de pandemia foi brutal, angustiante, deprimente para a maioria, por inúmeras razões. A incerteza nos trouxe muitas complicações; as perdas afetaram nossa autoestima, empregos, saúde mental e nossas perspectivas futuras. Há perdas que são mais sutis e que só emergem aos poucos: níveis diferentes de tristeza, exaustão ou depressão: mais leves para alguns; muito mais pesados, para outros. Cada um tenta desenhar suas  estratégias de sobrevivência: algumas nos trazem maior resiliência e capacidade de evoluir, criar e empreender; outras nos distraem, desviam, complicam e nos enredam em teias de autocomiseração, dependência, fuga ou frustrações crescentes.

Aprender a viver é um processo complexo e diferente para cada um. Uns vivem no piloto automático, sempre ocupados, repetindo rotinas, apagando incêndios, sem tempos de parada e reflexão. Outros, no meio de muitas atividades, procuram encontrar alguns momentos de reflexão, de avaliação e de prospecção dos próximos passos. Controlamos melhor algumas situações do que outras. Algumas nos desestruturam mais; outras, menos. Somos fortes para enfrentar alguns desafios e frágeis para dar conta de outros. 

Cada um reage de forma diferente a desafios semelhantes.  Em determinados períodos conseguimos manter uma relativa paz e uma visão mais otimistas. Em outros, nos deixamos dominar pela inquietação, angústia,  desânimo ou depressão. Os mesmos acontecimentos produzem impactos distintos em cada um. Tem pessoas que procuram reagir mais rapidamente a problemas, enquanto outras remoem e se enredam neles.

Cada um, do seu jeito e no seu próprio ritmo, tenta fazer o que lhe parece mais adequado para dar conta de tantas variáveis diferentes. Mas, frequentemente, concentramos nossa energia em algum objetivo ou situação (trabalho, projeto) e damos menos atenção a outras pessoas ou atividades. Isso gera tensões, desencontros, instabilidade até que conseguimos um equilíbrio maior, sempre instável.

Nossa formação muito conteudista e cognitiva contribui para a construção de pessoas incompletas, com valores e competências desequilibrados. Vejo alguns excelentes profissionais (médicos, engenheiros…) com comportamentos emocionais e éticos deploráveis. É cada vez mais importante a educação integral de todos na família e na escola, principalmente, desenvolvendo competências amplas e valores sustentáveis e solidários. Uma educação menos competitiva e mais inclusiva, com muitas experiências de contato com dimensões da vida diferente, que nos tirem das bolhas e nos abram os olhos para a realidade desigual e injusta da maioria.

O que mais lembro da minha formação não são das aulas, mas de alguns projetos voluntários que me aproximaram de crianças e adultos pobres, doentes físicos ou mentais. Aprender a conviver de perto com as diversas manifestações da complexidade da vida é o melhor caminho para o desenvolvimento integral, para ampliar meus horizontes, desenvolver a empatia, a escuta aberta e para viver uma vida com maior significado e engajamento.

A vida é um sistema de pesos e contrapesos, de escolhas que afetam outras, de interações  pessoais e sociais que me desbordam. É difícil manter sempre o bem-estar, a paz, porque  sou bombardeado por milhares de mensagens contraditórias, de situações inesperadas, que tendem a desestabilizar-me, preocupar-me ou distrair-me. O tempo todo caminho numa corda bamba, entre o equilíbrio e a ameaça de tropeçar. 

Aprender a viver é uma arte, uma ciência e um processo em construção constante e diversificada e que se torna mais complexo quando se aproxima da maturidade e da velhice, ao perceber que a saúde se deteriora, que vou perdendo pessoas queridas e que em muitas áreas estou ficando defasado.

É importante  aprender a gerenciar bem cada etapa de minha vida. Aprender a viver uma vida com significado, equilibrando-me no meio de situações previsíveis e as que me surpreendem, desafiam, desestruturam, caminhando como equilibrista com vários pratos que rodam no ar.

Posso aprender a viver de forma autodirigida, procurando ampliar minha curiosidade e conhecimento de forma mais abrangente e profunda; fazer o melhor, evoluindo no ritmo possível, mantendo a esperança no meio de dificuldades, vivendo cada dia com maior bem-estar e paz. Isso implica em sair do “piloto” automático, em projetar, agir, avaliar e replanejar continuamente minhas escolhas numa perspectiva mais ampla, integradora e inclusiva.

As melhores experiências de aprendizagem, muitas vezes, só podem ser encontradas fora dos caminhos habituais. Habitualmente sigo rotinas e trilhas conhecidas. Isso me poupa energia e dá segurança. Ao mesmo tempo, sempre que possível, me ajuda muito participar de experiências diferentes, menos planejadas, mais abertas como  pesquisar temas ou participar de eventos menos familiares.

Aprendo melhor combinando trilhas conhecidas com outras que me desafiam. A educação escolar precisa dar mais atenção à gestão ativa do autoconhecimento, desenhando no currículo intencionalmente situações em que cada um faça mais escolhas, tenha seus tempos de pesquisa e reflexão e que avalie também os processos de aprendizagem em grupo. Algumas escolas reservam no começo e final de cada dia tempos de reflexão e avaliação dos estudantes sobre o que foi significativo para cada um e para o grupo.                                                                                                  

A vida me oferece imensas oportunidades de aprender sempre, de corrigir alguns erros, de rever algumas decisões, de perdoar (a mim e aos que me prejudicaram de alguma forma), de desapegar-me progressivamente (até onde for possível) do que me complica, prende ou imobiliza. Uns conseguem aprender a perdoar desde jovens e a explorar novas possibilidades. Outros vão acumulando mágoas e ressentimentos durante décadas, constroem muros, se fastam de pessoas e se fecham em si mesmas, complicando seu desenvolvimento harmônico e seu bem-estar. Questões mal resolvidas atrasam minha evolução, complicam minhas decisões e a convivência com os demais.

A aprendizagem mais difícil e necessária, quando vou amadurecendo e envelhecendo, é a de seguir empreendendo, amando e evoluindo cada dia, procurando ser uma pessoa melhor, mais acolhedora, simples e coerente, no meio das limitações físicas crescentes. Os desafios aumentam, mas tentarei enfrentá-los com realismo, avançando no desapego de tudo o que me prende, sem ser um fardo pesado para as pessoas que estão ao meu lado. Quero aprender até o fim, evoluir até o último dia, sinalizando para todos quão fascinante é a aventura de uma vida com significado e propósito.


[1] Professor e pesquisador de projetos educacionais inovadores. Autor do blog Educação Transformadora