José Moran[1]

Introdução

A educação escolar precisa ser desenhada em um mundo muito mais híbrido, conectado. Ela começa pela escola, mas vai muto além dela. O ensino híbrido, na sua concepção básica, combina e integra atividades didáticas em sala de aula com atividades em espaços digitais visando oferecer as melhores experiências de aprendizagem à cada estudante. No Ensino Híbrido o foco está mais na ação pedagógica dos docentes (no planejamento, desenvolvimento e avaliação do processo). Na aprendizagem híbrida o foco está no envolvimento do estudante, no seu protagonismo. O conceito de educação flexível é mais sistêmico, abrangente ao envolver a toda a comunidade escolar no redesenho das melhores combinações possíveis na integração de espaços, tempos, metodologias, tutoria para oferecer as melhores experiências de aprendizagem à cada estudante de acordo com suas necessidades e possibilidades.

Percebemos durante a pandemia que muitas das atividades que imaginávamos que só seriam viáveis no presencial (como a aprendizagem por projetos, em times) podem ser realizadas com bastante qualidade no online, principalmente com crianças maiores, jovens e adultos.

Os modelos híbridos/flexíveis se combinam, se integram e ganham relevância com o foco na aprendizagem ativa dos estudantes. As metodologias ativas envolvem um percurso metodológico que possibilita a ação do estudante envolvendo-o na aprendizagem por descoberta, por investigação, por resolução de problemas e por projetos. As metodologias ativas procuram criar situações de aprendizagem nas quais os aprendizes possam fazer coisas, pensar e conceituar o que fazem, construir conhecimentos sobre os conteúdos envolvidos nas atividades, bem como desenvolver a capacidade crítica, refletir sobre as práticas que realizam, fornecer e receber feedback, aprender a interagir com colegas e professor, e explorar atitudes e valores pessoais.

Modelos híbridos/flexíveis na Educação Básica

Na educação básica o lugar principal continuará sendo a Escola, mas ela precisa ser redesenhada nos seus espaços, para que os estudantes possam facilmente combinar e alternar atividades analógicas e digitais individuais, grupais e de turmas maiores. Os modelos continuarão sendo de maior predominância do encontro em espaços comuns (salas de aula enriquecidas com tecnologias) com diversas formas de integração entre o presencial e o digital, que vem sendo testadas principalmente a partir das publicações do Horn & Staker, 2015[2] : aula invertida, rotação por estações, rotação individual  e que incluirão alguns modelos mais personalizados e online, como algumas variações dos modelos flex (roteiros personalizados online com o professor por perto), a la carte (fazer um, ou mais módulos online) ou virtual enriquecido (parte presencial, parte online). A hibridização será progressiva, de acordo com a idade e o avanço do estudante no currículo.

Avançaremos na oferta de diferentes modelos flexíveis integrados:

Modelos híbridos predominantemente presenciais

Parte das atividades em espaços físicos e parte em espaços digitais-online, com combinações diferentes dependendo da idade dos estudantes, da autonomia do estudante e da flexibilidade do currículo. As atividades digitais podem acontecer dentro do espaço da escola ou fora dele; de forma alternada ou simultânea; síncrona ou assíncrona (em situações em que professores e alunos trabalham juntos num horário pré-definido, ou em horários mais flexíveis; cada estudante no seu ritmo com tempos em que todos estão juntos com o professor).

  • O modelo mais praticado é o da aula invertida, quecombina a aprendizagem presencial com a digital para obter uma maior eficiência.  Os alunos estudam os materiais individualmente online antes (em casa ou na escola) e os discutem, aprofundam e aplicam em grupos e coletivamente na sala de aula. Os momentos presenciais podem ser para realizar atividades diferentes, de discussão, elaboração de projetos, aprofundamento de conteúdo e dúvidas. Uma combinação bastante utilizada na educação básica é a aula invertida combinada com atividades em grupos (rotação por estações), realização de projetos, em jogos e outras atividades em times.  Esse modelo foi adaptado durante a pandemia para o ensino online, combinando atividades pedagógicas assíncronas (de preparação individual) com as síncronas (atividades mediadas pelo docente e com participação dos estudantes).

O modelo híbrido parcial pode começar no ensino fundamental e ir evoluindo no ensino médio e ser plenamente implementado de forma mais flexível no ensino superior.  Há uma diversidade de combinações possíveis: Leituras, pesquisas e atividades individuais assíncronas e/ou em grupo (aula invertida) integradas com projetos, rodas de conversa, atividades em times em sala de aula presencial e/ou laboratório.

  • Modelos de integração síncrona, com várias combinações: parte da classe em sala de aula + parte em encontros síncronos. Serão bastante comuns na saída da pandemia primeiro para atender estudantes que não possam em alguns períodos frequentar a escola. Serão frequentes para projetos interclasses, Inter áreas porque amplia as formas e facilidades de encontro. A partir de agora esses modelos serão mais adotados, ao combinar a personalização com a flexibilidade de tempo e lugar. 

Currículo mais flexível

  • Módulos online com momentos específicos de presencialidade física (Virtual enriquecido ou aprimorado)

Nesse modelo, os estudantes realizam os estudos sobre todos os componentes curriculares no formato online, e frequentam a escola para sessões presenciais com um ou mais professores, uma ou mais vezes por semana. É um formato que se combina com a Aula invertida.  As propostas online podem acontecer por meio de vídeos para explicação de conceitos, textos para leitura, pesquisas individuais em grupo, projetos desenvolvidos individualmente ou em pequenos grupos online, com produções previstas (quizzes, relatórios, projetos, narrativas online, e portfólios) que vão mostrando o avanço de cada um, geram engajamento e dão subsídios ao docente para o desenho das atividades presenciais. Os encontros presenciais são para aprofundar os conceitos previamente estudados, para dúvidas, debates, aplicações práticas, tutoria mais personalizada e para encaminhar as próximas etapas.

  • Módulos totalmente online (à la carte)

No modelo à la carte, de acordo com a definição dos autores (Horn e Staker, 2015), a aprendizagem de algumas disciplinas ou módulos é feita no modelo online, com ênfase na aprendizagem ativa e tutorial. Isso trará muita flexibilidade aos currículos, podendo atender às necessidades e interesses de alguns grupos específicos. Há inúmeras oportunidades de aprender em plataformas online, em workshops, cursos de imersão e mentoria com docentes de outras instituições ou que participam de forma pontual em determinados períodos do ano letivo.

Esse modelo poderia ser introduzido, por exemplo, no Novo Currículo do Ensino Médio, principalmente para personalizar os itinerários formativos.

No Ensino Superior os modelos flexíveis podem partir destes modelos mostrados na educação básica e avançar para maior flexibilidade, personalização e integração, de acordo com cada área de conhecimento.

Os modelos flexíveis favorecem uma combinação ideal entre personalização, colaboração e tutoria/mentoria. Uma parte do percurso é feita pelo estudante, dentro do seu ritmo e circunstâncias e através de escolhas diferentes. Outra parte é realizada em grupo de forma mais colaborativa, experiencial e reflexiva com a supervisão e mediação dos docentes nos espaços presenciais e digitais, de forma síncrona ou assíncrona. O percurso se amplia com atividades de tutoria e mentoria para o desenvolvimento dos projetos pessoais e de vida de cada estudante.

Outro benefício é que o docente pode ter mais tempo para atender as dúvidas dos estudantes e de acompanhar suas dificuldades específicas.  Com o apoio das plataformas tecnológicas com inteligência artificial consegue visualizar, coletar e analisar dados sobre as aprendizagens de cada estudante, de cada grupo em cada momento e também ao longo de um período mais longo e de uma forma mais simples e precisa. 

 Tudo isto traz uma série de desafios novos para docentes, discentes, para as escolas e famílias.

O ensino híbrido/flexível traz alguns desafios para os docentes. Os papéis se ampliam e modificam bastante, porque todo o processo de ensinar e de aprender é mais flexível e está mais centrado nos estudantes. Os professores concentram sua energia no desenho de atividades significativas, (designers) para o desenvolvimento de competências; na curadoria de materiais significativos; na tutoria e acompanhamento individual, dos diferentes grupos e da classe nos espaços presenciais e digitais, síncronos e assíncronos e na ampliação das formas de avaliação dos estudantes. Esse planejamento é mais complexo se vários docentes desenham, acompanham e avaliam, juntos, projetos e atividades integradores de diversas áreas de conhecimento (projetos STEAM, por exemplo).Outro papeldocente que ganha cada vez mais relevância é o de mentor de projetos pessoais, profissionais e de vida dos estudantes.

Muitos docentes também não se encontram em condições profissionais ideais para planejar e desenvolver modelos híbridos interessantes: trabalham em mais de uma escola ou sistema de ensino, dão muitas classes, tem muitos alunos e isso dificulta sobremaneira a realização de um bom trabalho. Sem condições objetivas, é heroico pedir que os docentes sejam inovadores.

Os modelos híbridos precisam ser planejados levando em consideração a diversidade de condições de acesso muito diferentes de cada estudante fora da escola. Em muitas instituições educacionais, os docentes precisam planejar atividades para os que têm acesso regular ao digital, para os que têm acesso parcial e para os que dificilmente têm ou não têm acesso ao digital. Isto implica desenhar, a partir do conhecimento da situação de cada estudante, roteiros que mantenham o essencial: a aprendizagem ativa em contextos híbridos diferentes para níveis de acesso diferentes.

O planejamento torna-se mais complexo porque as condições dos estudantes não são iguais, tanto em acesso como em domínio pedagógico e digital. O docente planeja o antes (preparação do estudante, o que cada um consegue avançar), o durante (momentos síncronos: atividades em grupo e com a classe presenciais e/ou digitais síncronas) e o pós (aplicação, conclusão, avaliação), atendendo a diversas possibilidades e realidades. O planejamento é também diversificado, com repertório de estratégias diferentes e também de aplicativos para cada etapa. O planejamento, o desenvolvimento e a avaliação são abertos para poder incorporar e dialogar com as diferenças propostas e situações pessoais, grupais e de classes nos diversos tipos de encontros, plataformas, redes sociais.

Os modelos híbridos pressupõem melhorar o acesso digital dos estudantes de lugares diferentes. Isto ainda está longe de ser viável para a maioria, em pouco tempo. São muitos os gargalos econômicos e tecnológicos. Podemos oferecer alternativas mais flexíveis para aqueles docentes e estudantes brasileiros que possuem um bom acesso e condições de estudo das suas casas, mas uma boa parte deles não consegue ter esse acesso fácil e estável, principalmente para trabalhar em plataformas que preveem encontros síncronos.  Essa desigualdade inviabiliza que tenhamos projetos de educação híbrida em larga escola para a maioria dos estudantes, que são pobres e não tem condições objetivas de estudar remotamente em casa. Por enquanto os modelos híbridos contemplam uma parte da população, que tem melhores condições econômicas, acesso tecnológico e domínio digital mais desenvolvidos.

Outro desafio dos modelos flexíveis: mudar a cultura tradicional do docente (sair do papel transmissor) e do aluno (acostumado a obedecer) para modelos ativos mais participativos.  É um processo mais complexo, que exige ação coordenada dos gestores, formação continuada (cursos, oficinas, projetos de imersão e de experimentação e mentoria), envolvimento dos docentes mais proativos, criação de um núcleo de inovação e ações também com os estudantes e famílias, para que compreendam, experienciem e avaliem estas novas propostas. É preciso realizar formações ativas, imersivas com metodologias ágeis para acelerar as mudanças mentais, na forma de pensar, ensinar e de agir.  O propósito é acelerar a transformação do mindset das pessoas; que passem da mentalidade focada na certeza, no medo de falhar para a de arriscar, de estimular a experimentação, o erro, a criatividade, o desafio.

É importante também a formação ativa dos estudantes para que saiam da atitude passiva de esperar que o professor decida tudo por eles para a de perceber que quanto mais se envolvam, pesquisem e resolvam problemas mais eles evoluirão.  A formação precisa chegar também às famílias para que compreendam, vivenciem e apoiem as mudanças curriculares, metodológicas, avaliativas e participem ativamente de todo o processo. Temos que abrir a escola para que os estudantes e pais participem das decisões importantes; abrir a escola para a comunidade; convidar pais e pessoas da comunidade a compartilhar sua experiência profissional com palestras, oficinas ou a “adotar” alguns estudantes que precisem de maior apoio pedagógico ou socioemocional. A mudança de cultura demora, precisa de reforço contínuo, de perseverança, de gestão atenta e de avalição constante.

Os modelos ativos híbridos fazem mais sentido quando são organizados com políticas públicas sólidas, coerentes e com visão de longo prazo, (o que não vemos atualmente). Eles fazem mais sentido quando estão planejados institucionalmente e de forma sistêmica, como componentes importantes de reorganização do currículo por competências e projetos, de forma flexível, com diversas combinações de acordo com as necessidades do estudante (personalização), intenso trabalho ativo em equipes, tutoria/mentoria (projeto de vida) com suporte de multiplataformas digitais integradas. Apesar dos avanços, são muitos os desafios a enfrentar para termos uma educação híbrida, flexível e de qualidade para todos.

Há condições estruturais que dificultam a mudança e que são essenciais para uma transformação mais consistente, sistemática na educação do país: políticas públicas coerentes, integradas e com visão de longo prazo; docentes e gestores mais valorizados, capacitados, criativos, empreendedores e humanos (entre tantos outros fatores). Podemos avançar mais aceleradamente no redesenho de projetos educacionais que sejam flexíveis, de qualidade, de custo menor e de resultados mais rápidos e ágeis. As escolas (básicas e superiores) precisam trabalhar em dois planos, o de curto e o de médio prazo. Há mudanças que são mais facilmente implementáveis em um ou dois anos, enquanto outras precisam ser cuidadosamente preparadas para serem bem-sucedidas, evitando possíveis retrocessos e reviravoltas. Ao mesmo tempo que fazemos as mudanças possíveis agora, neste período de transição, é importante definir um projeto estratégico de transformação no médio prazo das escolas para que realmente sejam modernas, atraentes, envolvente e relevantes nos próximos anos.

Conclusão

A separação entre espaços físicos presenciais e digitais diminuiu, se reconfigurou – como em outras áreas da nossa vida – e há um crescente consenso de que construiremos, a partir de agora, muitas propostas diferentes de ensinar e de aprender híbridas, mais flexíveis, personalizadas e participativas, de acordo com a situação, necessidades e possibilidades de cada aprendiz. As arquiteturas pedagógicas serão mais abertas, personalizadas, ativas e colaborativas, com diferentes combinações, arranjos, adaptações num país com realidades muito desiguais.

A educação híbrida, ativa, personalizada, flexível e colaborativa traz novas possibilidades de contribuir para transformar a forma de ensinar e de aprender. É um processo complexo, ainda desigual, com inúmeras contradições estruturais e conjunturais, mas extremamente importante para que cada um consiga avançar no seu ritmo e para que todos aprendam juntos, em todos os espaços, tempos e de múltiplas maneiras. É um caminho sem volta e que tende a se aprofundar em todos os níveis de ensino de agora em diante e nos traz imensas oportunidades de avançar para termos uma educação mais humana, criativa e de qualidade, para todos.

Para saber mais:

ALEXANDER, Beth. Hybrid Learning Model. The Linden School. https://bit.ly/39ylxd4

BACICH, Lilian; TANZI NETO, Adolfo; TREVISANI, Fernando de Mello (org). Ensino Híbrido: personalização e Tecnologia na Educação. Porto Alegre: Penso, 2015.

BACICH, L & MORAN, J. Educação híbrida: reflexões para a educação pós-pandemia. FGV-EBAPE Políticas Públicas Educacionais -Número 14 – abril de 2021. Disponível em: https://ceipe.fgv.br/sites/ceipe.fgv.br/files/artigos/ceipe_politicas_educacionais_em_acao_14_educacao_hibrida.pdf

BRITO, M. S.A Singularidade Pedagógica do Ensino Híbrido.  Rio de Janeiro – EaD em Foco

V10, e948.  2020. Disponível em: https://eademfoco.cecierj.edu.br/index.php/Revista/article/view/948/537

BORUP, Jered; WALTERS, Shea; CALL-CUMMINGS, Meagan. Student Perceptions of Their Interactions with Peers at a Cyber Charter High School. Online Learning, v. 24, n. 2, p. 207-224, 2020.

HORN, M. & STAKER, H. Blended: usando a inovação disruptiva para aprimorar a educação. Porto Alegre: Penso, 2015

Integración de Flipped learning en un modelo semipresencial universitario – https://www.theflippedclassroom.es/integracion-de-flipped-learning-en-un-modelo-semipresencial-universitario/

MORAN, Jose. Educação híbrida: um conceito chave para a educaçãoBACICH, TANZI & TREVISANI. Ensino Híbrido: personalização e Tecnologia na EducaçãoPorto Alegre: PENSO, 2015, Págs. 27-45.

RODRIGUES, Eric. Tecnologia, inovação e ensino de história: o ensino híbrido e suas possibilidades. Dissertação de Mestrado, UFF, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3iFyeJ8

SCHEIEL e outros. Contribuições do Google Sala de Aula para o Ensino Híbrido. Renote. V. 14 Nº 2, dezembro, 2016http://seer.ufrgs.br/index.php/renote/article/view/70684/40120

SPENCER, John – 5 Models for Making the Most Out of Hybrid Learning –http://www.spencerauthor.com/5-hybrid-models/

TEACHTHOUGHT STAFF –   12 Of The Most Common Types Of Blended Learning –  https://www.teachthought.com/learning/12-types-of-blended-learning/


[1] Texto meu publicado no E-book ENSINO HÍBRIDO e outros saberes pedagógicos / organização Adair Aparecida Sberga, Roberta Valéria Guedes. — 1. ed. — Brasília: Associação Nacional de Educação Católica do Brasil – ANEC, 2021. ISBN 978-65-991727-5-5. Disponível em: https://anec.org.br/wp-content/uploads/2021/06/2021_06_30_ANEC_coletanea_ens_hibrido_final.pdf páginas 7-20.

[2] Ensino híbrido: uma inovação disruptiva?  https://www.christenseninstitute.org/publications/ensino-hibrido/