Espanha leva quase dez anos para iniciar adaptação do currículo de jornalismo ao Plano Bolonha
Somente em 2007, após oito anos da Declaração do Plano europeu que reorganizou todo o ensino superior, as mudanças chegaram às escolas espanholas de jornalismo
Por Alice Agnelli
O currículo do curso de jornalismo na Espanha vem passando por diversas mudanças nos últimos anos. A principal causa para isso são as alterações realizadas pela padronização do ensino superior na União Europeia, pelo chamado Plano Bolonha ou Protocolo Bolonha. Antes, as universidades seguiam sistemas nacionais de educação e os cursos ficavam isolados em seus respectivos países. Agora, eles começam a se articular em bases comuns, que são válidas para toda a UE.
O princípio básico de soberania nacional prevaleceu nas instituições educativas até meados de 1980. Em 1985, iniciativas políticas deram início a uma série de modificações que alteraram substancialmente a forma de ensinar. Em 1987, criou-se o programa Erasmus, que facilita a mobilidade estudantil, permitindo o livre trânsito dos alunos nas universidades de todos os países do continente. A partir dele, um estudante da França pode completar sua formaçao na Espanha, um da Itália, na Alemanha, e assim por diante. Por ano, 200 mil estudantes participam do programa, que contabiliza mais de 2,2 milhões de intercâmbios entre alunos desde seu início.
Este foi o primeiro passo para buscar uma educação comum aos países. Em 1992, o Tratado de Maastricht ampliou e aprofundou a integração das universidades europeias. Com a Declaração de Sorbonne, em 1998, e – principalmente – com a Declaração de Bolonha, em 1999, finalmente se criou o Espaço Europeu de Educação Superior.
As mudanças curriculares que afetaram os países após o Plano Bolonha também chegaram à Espanha. O objetivo principal é unificar os diferentes cursos, adaptando-os a uma realidade comum, para melhorar a qualidade de ensino e, consequentemente, a aprendizagem. Assim, os idealizadores do plano esperam que o aproveitamento dos alunos seria mais uniforme, o que facilita o intercâmbio cultural entre os países membros da UE.
Quatro pontos da Declaração de Bolonha
Marcial Murciano, diretor do Observatorio Iberoamericano da Comunicação e professor de comunicação da Universitat Autónoma de Barcelona, explica em seu artigo “A transformação dos estudos de comunicação na Espanha” que o Plano se apoia em quatro pontos principais.
1. Sistema comum de créditos;
2. Divisão da formação em três ciclos comuns a todos os países;
3. Sistema de verificação e acreditação do ensino;
4. Espaço europeu de pesquisa.
O primeiro ponto é a criação de um sistema comum de créditos universitários, o ECTS (European Credit Transfer System). Ele trata da quantidade de horas necessárias para determinada disciplina. Cada crédito equivale a até 30 horas de trabalho do estudante dentro e fora da universidade.
O segundo ponto, que divide os cursos universitários em três ciclos com estruturas homogêneas, tem racionalidade mas despertou críticas. Comecemos pela racionalidade. Os três ciclos são lógicos: o primeiro ciclo é de até 240 créditos e garante, ao final, o título de graduação, que credencia o aluno a atuar no mercado profissional. O segundo ciclo é de especialização e pesquisa, o chamado máster. A quantidade de créditos oscila entre 60 e 120, que correspondem a 1800 horas de aulas ou atividades de pesquisa. Por fim, quando o aluno já tem mais de 300 ECTS, ele está apto a realizar uma pesquisa de doutorado, a ser defendida publicamente.
Para Murciano, o sistema de divisão do ensino universitário em ciclos com quantidades de créditos pré-estabelecidos garante que profissionais qualificados possam atuar desde cedo no mercado e permite a flexibilidade da formação inicial básica com uma ampliação dos estudos. Justamente por isso, pela redução do tempo de graduação, os estudantes espanhóis se revoltaram. Para muitos deles, o ensino se voltaria exclusivamente ao mercado competitivo, formando jornalistas com pouco conhecimento teórico e muito mecanizados.
Outra crítica recorrente no curso de jornalismo é a diminuição do número de estudantes em classe e a falta de recursos para manter turmas pequenas. Segundo o Plano Bolonha, não são permitidas salas com centenas de alunos – o ensino deve ser feito com grupos menores. Nesse aspecto, Maríria Valerón, aluna de jornalismo da Universidad Carlos III de Madrid, que faz intercâmbio no Brasil, avalia que as universidades são incapazes de ministrar os gastos econômicos que passam a existir com a aplicação do novo currículo. “A universidade não tem verba para contratar outros professores”, diz Maria. “O plano de estudos não permite grupos com muitos alunos. O que acontece? Há casos em que um mesmo professor tem que dar aulas simultâneas a turmas diferentes”. Ela conta que turmas que antes eram de dezenas de alunos, agora passam a ser divididas em grupos de 30, com um professor cada. Apesar de ser melhor, é mais caro.
Miquel Andreu, jornalista formado pela Universitat Pompeu Fabra, de Barcelona, tem o mesmo julgamento: “São ideias boas, mas se não há recurso, elas se tornam contraprodutivas”.
Aqui chegamos ao terceiro ponto fundamental do Plano Bolonha: a criação do sistema de verificação e acreditação do ensino, com o objetivo de facilitar a avaliação da qualidade dos cursos. Com isso, criam-se perfis profissionais iguais a todo espaço europeu de educação superior.
Por fim, o quarto ponto é a criação de um espaço europeu de pesquisa, o que vai favorecer a troca de conhecimento acadêmico entre alunos e docentes de diversos países, além de um aumento no número de pesquisadores – já que ter apenas o primeiro ciclo não é suficiente: os alunos são levados a fazer um máster.
Para Andreu, isso representa um problema: “O perigo é que a graduação seja rebaixada e diluída e a parte verdadeiramente importante dos conteúdos seja fornecida apenas na pós e nos másters – que, por serem mais caros, não são acessíveis a todos os alunos.”
Demora para dar início ao Plano
Apesar desse novo parâmetro de ensino de graduação ter sido estabelecido em 1999, cada país teve seu próprio processo de adaptação. No caso espanhol, é um processo lento, o que é bastante explicável. Como o Plano não estabelece a forma de sua aplicação, o tempo que isso levará, nem a maneira de regular e garantir que os objetivos sejam cumpridos, não se tem como fixar prazos rígidos para a adaptação.
No caso espanhol, apenas em 2007 foi feito o “Real Decreto 1893”, que estabeleceu os princípios para que se cumprisse o Plano. Sobre a graduação, a ênfase na formação profissional foi explícita. No artigo 8, do capítulo II, lê-se que o estudo é orientado para a preparação para o exercício de atividades de caráter profissionais.
Na Espanha, as mudanças do ensino superior só começaram há menos de cinco anos. Miquel Andreu, que se formou há seis anos, não alcançou nenhum dos efeitos da reforma, embora as discussões sobre o Plano já fossem recorrentes em sua época de faculdade. “Não percebi as mudanças”, ele conta, “porque quando me formei ele ainda não tinha sido aplicado ao meu curso.”
O motivo da demora espanhola, para o professor Murciano é simples: “vacilações ministeriais, mudanças de governos (conservadores/progressistas)”. E acrescenta: “a principal dificuldade é que a implantação está sendo feita em um contexto dominado pela crise fiscal do estado espanhol, com cortes nas verbas para o ensino superior”.
Referências:
MURCIANO, Marcial. LA TRANSFORMACIÓN DE LOS ESTUDIOS DE COMUNICACIÓN EN ESPAÑA. Diálogos de La Comunicación, Revista Acadêmica de La Federación Latinoamericana de Facultades de Comunicación Social, 2010. Disponível em: http://www.dialogosfelafacs.net/79/pdf/articulos/79MurcianoMarcial.pdf